4 de novembro de 2023

Crônicas de ônibus (XIV)

 Por Sierra


Foto: Arquivo do Autor
Nós precisamos urgentemente aprender a bem tratar e a bem conviver com os idosos, que estão em número cada vez maior em nossa sociedade. Vejo em ônibus muitas vezes idosos serem tratados de maneira descortês e grosseira tanto por motoristas como por outros passageiros



Não é impressão sua, leitor, é um fato facilmente verificável: para quase todo local que lancemos nossos olhos, nós nos depararemos com uma presença cada vez maior de pessoas idosas. É verdade, a nossa sociedade está comportando um número elevado de pessoas que já ultrapassaram a barreira dos 60 anos de idade., como recentemente foi divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nós estamos inseridos num quadro social que tende a comportar um número de idosos numa proporção como talvez nunca houve em toda a nossa História. Inegavelmente nós, eu e você, tendemos a viver durante mais tempo do que viveram os nossos pais e avós; e isso muito se dá devido aos avanços da medicina e à massificação de uma cultura de busca de um corpo saudável e com aspecto rejuvenescido, por assim dizer, que é constantemente veiculada em sites de notícias e nas chamadas redes sociais, que divulgam exercícios físicos, dietas, suplementos alimentares, etc., etc. De modo que estamos cercados de muitas informações que podem nos auxiliar a buscar e a manter um estilo de vida saudável que, por seu turno, pode nos levar a ser mais longevos.

Eu, que ando de ônibus desde que estava no ventre de minha mãe, venho observando um aumento expressivo de idosos também fazendo uso dos coletivos. Tem dias que são mais senhorinhas que aparecem embarcando e desembarcando; talvez isso se deva, entre outras razões, porque, como dizem as estatísticas, mulheres são as que mais procuram consultas médicas, por exemplo, do que os homens. Eu também ouço pessoas dizerem que, pelo fato de os idosos não pagarem passagem, acontece de os seus parentes colocarem eles para ir a um lugar e outro resolver alguma coisa, como pagar contas, porque idosos, em filas, também têm prioridade no atendimento. Enfim, seja por que razão for, o fato é que a presença dos indivíduos da faixa da terceira idade fazendo uso do sistema de transporte público de passageiros está em escala ascendente, pelo menos nas linhas que eu rotineiramente embargo.

Como bom observador que normalmente eu costumo ser dentro dos coletivos - sim, mesmo mantendo o hábito de ler livros quando consigo assento, eu por vezes deixo os olhos correrem para examinar o ambiente -, eu não poderia deixar de notar o tratamento que não raro é dispensado aos idosos seja partindo dos motoristas, seja vindo dos outros passageiros.

Infelizmente existem pessoas que parece que nunca lidaram com idosos e pessoas mais velhas sequer dentro de suas casas; e que parece que serão para sempre jovens como nas fotos que elas manipulam e publicam em suas redes sociais. Isso, em parte, explica o modo deseducado e por vezes grosseiro com que alguns indivíduos tratam os idosos nos ônibus e alhures.

Sim, você e eu certamente conhecemos motoristas de ônibus que parecem ser a paciência e a gentileza em pessoa no trato com todos os passageiros e não apenas com os idosos: eles nos cumprimentam; sorriem; esperam sem pressa que os idosos embarquem e desembarquem; e não batem boca com quem quer que seja. Em contraste com esse tipo de bons profissionais dignos de louvor, existem motoristas mal-educados e grosseiros que não deveriam estar ocupando tal função: eles xingam passageiros; reclamam de tudo; ignoram quem faz sinal para embarcar, principalmente se quem estiver dando a mão for um idoso; dão freadas bruscas; não têm paciência com idosos; e parecem estar sempre de mau humor. E quando está no controle do ônibus um indivíduo, um motorista que desempenha sua função como se estivesse num trabalho forçado e análogo à escravidão, você pode ficar certo, leitor, que está viajando com insegurança, porque quem não demonstra ter um mínimo de respeito pelos usuários do transporte público, não está nem aí para o mal que possa vir a acontecer com eles em caso de acidentes de trânsito.

Não pensem, contudo, que os maus motoristas de ônibus são, por assim dizer, os únicos "inimigos" dos idosos. Você certamente já se deparou com casos  em que gente jovem descaradamente e na maior cara de pau ocupa os assentos preferenciais reservados para grávidas, portadores de limitações físicas, obesos e, claro, idosos. O bom senso e o nível de civilidade nos levam a pensar que, na verdade, todos os assentos dos coletivos podem ser preferencialmente ocupados por idosos. Ocorre que tem gente tão mau-caráter e tão cafajeste que chega a fingir que está cochilando para não ceder o lugar que, às vezes, está ocupando indevidamente.

Vendo os inúmeros casos  de desrespeito e de indelicadeza para com os idosos dentro dos coletivos, por vezes eu me pego pensando como é que essa situação vai ficar, se a tendência que se desenha é de que tenhamos na sociedade brasileira mais velhos do que jovens. E me pergunto: "Será que nós não vamos aprender a bem tratar e cuidar dos nossos idosos?".

É claro que eu não sei o que o futuro me reserva; eu não sei durante quanto tempo ainda eu vou continuar sendo um usuário frequente do sistema de transporte público de passageiros. O que eu sei é que o convívio com a minha saudosa avó Maria da Conceição, que faleceu aos 89 anos de idade, me deu duras e dolorosas lições a respeito de como eu não devo tratar um idoso.

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