30 de março de 2024

Foi há sessenta anos

 Por Sierra


Foto: Internet
A História que não se conhece e que se quer a todo custo ignorar não deixa de ser História.  O passado é um mestre incansável que sempre está disposto a nos dá lições. A Ditadura Militar que foi instalada neste país em 1964 e que durou até 1985, de algum modo permanece refletida nestes dias de hoje em que uns e outros almejam instituir outra ditadura e massacrar mais uma vez a democracia. Ditadura nunca mais!


O Brasil é, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), um país que abriga 9 milhões e 300 mil indivíduos analfabetos. Muito triste e vergonhoso isso. E essa realidade e esse quadro  social de analfabetismo fica ainda mais triste e vergonhoso isso. E essa realidade e esse quadro social de analfabetismo fica ainda mais triste e vergonhoso quando se sabe que nesta nação nasceu um dos educadores e alfabetizadores mais respeitados do mundo, que foi o pernambucano Paulo Freire, o homem das "palavras geradoras" como ti-jo-lo, que promoveu uma verdadeira revolução na prática da alfabetização.

Paulo Freire foi um dos muitos cidadãos que foram perseguidos e cassados pelos militares que decretaram um golpe de Estado em 31 de março de 1964. Sob a alegação de que estavam agindo em defesa da democracia que corria sérios riscos de ser dragada pelo comunismo exaltado e defendido por Miguel Arraes, Carlos Marighella, Fernando Gabeira e tantos outros, os militares estabeleceram uma ditadura que perdurou por vinte e um intermináveis e massacrantes anos. Uma ditadura que não se furtou de agir como costumam agir todas as ditaduras: prendendo arbitrariamente os supostos inimigos da nação; censurando ferreamente a imprensa; cassando direitos políticos; fechando o Congresso Nacional, aposentando compulsoriamente funcionários públicos; e torturando, assassinando e ocultando os corpos de opositores, numa sempre ativa e ameaçadora atitude de desrespeito à dignidade humana.

Como pôde um terror e um retrocesso governamental dessa magnitude perdurar por vinte e um anos? Uma das respostas é que os militares das Forças Armadas além de se portarem como os bastiões, os únicos bastiões, seja melhor dito, a defender a pátria e a soberania nacional, gostaram de estar com o poder nas mãos e, por conseguinte, de desfrutar as benesses que o pleno domínio da máquina pública proporciona a quem a gere. Outra explicação é a que diz que nessa empreitada ditatorial os militares contaram com um amplo apoio de uma elite empresarial e de uma multidão católica que repudiavam veementemente o comunismo ateu financiando ações contra os perseguidos e organizando marchas em que diziam ser defensores de Deus, da pátria e da família, daí por que, para alguns, o golpe de Estado de 1964 foi de caráter civil-militar.

Em que pese os sempre exaltados anos do chamado "milagre brasileiro", período em que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) cresceu a altas taxas, período esse ao qual uns e outros recorrem como que para mostrar o "lado bom" do regime de exceção, o fato foi que as desigualdades sociais permaneceram em alto relevo neste país, como se fosse matéria imutável. E o contingente de analfabetos continuou como um distintivo de nosso atraso social.

Querendo dar um carimbo de legitimidade a tudo que eles fizeram durante aquele período, os militares - e também o seus simpatizantes e apoiadores civis - ainda hoje alegam que naqueles anos estavam combatendo subversivos e guerrilheiros que pretendiam implantar um regime comunista no país. Eles dizem isso para justificar todas as atrocidades, crueldades e desumanidades que cometeram em sua "caça às bruxas". Da forma como foi institucionalizada, a tortura não poupava ninguém que fosse apontado como "inimigo da nação", que poderia ser qualquer um, bastando que o apontassem na rua como tal, bastando que um vizinho o denunciasse como tal.

O Estado é - ou deveria ser - o defensor perpétuo da civilidade e da Justiça e não da prática da barbárie e do passar por cima das leis, como os militares faziam. Não é à toa que ainda hoje a prática da tortura ocorre em delegacias de polícia e nos becos, ruas e vielas de subúrbios por este país afora . Igualmente não é à toa que a polícia brasileira é uma das mais letais do mundo; é uma polícia que mata sobretudo pobres, negros e desvalidos, que não são encarados como cidadãos de fato e sim apenas como um número das estatísticas do IBGE.

Passaram 60 anos da decretação do Golpe Militar e grande parte da sociedade brasileira continua ignorando o peso desse passado tenebroso e infame. Tanto isso é verdade que milhões de indivíduos elegeram Jair Bolsonaro para a presidência da República; elegeram um indivíduo que, além de ser defensor de torturadores da Ditadura Militar, passou quatro anos tramando um golpe contra o Estado Democrático de Direito. E a ignorância e a cumplicidade de seus seguidores não arrefeceram mesmo com a saída dele da chefia do Executivo nacional; e essas pessoas que, ao longo do mandato do facínora, participaram de atos de repúdio à democracia em várias partes do país, que acamparam defronte a quartéis rogando que o Exército tomasse de assalto o poder central mais uma vez; e que ficaram inconformadas com a derrota do meliante nas eleições de 2022, protagonizaram o espetáculo de depredação e saque dos prédios da Praça dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023, no que foi a maior demonstração de adesão que eles deram às atrocidades cometidas e defendidas por Jair Bolsonaro e ao golpismo que ele e os seus cúmplices tramavam diuturnamente.

Hoje, véspera da efeméride do fatídico 31 de março de 1964, o Datafolha divulgou o resultado de uma pesquisa em que 64% dos entrevistados declararam que a data do Golpe Militar deveria ser desprezada. Vejam a que ponto de alienação, indiferença, embrutecimento e desprezo pelo nosso passado nós chegamos.

No momento em que pelo menos parte de nossa sociedade não deixará a efeméride dos 60 anos do Golpe Militar passar em brancas nuvens - ignorando por completo a recomendação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um ex-prisioneiro da Ditadura Militar -, o país acompanha o desenrolar de investigações que envolvem militares de alta patente das Forças Armadas que estiveram mancomunados com Jair Bolsonaro para tentar viabilizar a decretação de mais um golpe militar neste país. Que triste sina essa do Brasil!.

Por mais que uns e outros queiram fazer de conta que o Golpe Militar decretado em 1964 e os seus vinte e um anos de vigência já passaram, a realidade nossa de cada dia deixa o tempo todo evidente que tal acontecimento não passou coisíssima nenhuma, porque são várias as feridas por ele deixadas que se recusam terminantemente a cicatrizar.

Ditadura nunca mais!

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