Por Sierra
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Fotos: Arquivo do Autor A placa instalada no sopé de um morro do bairro do Fosfato, às margens da BR 101, a rodovia que mutilou a área central de Abreu e Lima de ponta a ponta |
Quem acompanha o que eu venho escrevendo aqui ao longo de todos esses anos certamente se deparou com um texto em que eu disse que essas placas que se espalharam não só por este país mas também pelo mundo afora e que dizem "eu amo tal lugar" - no lugar da palavra "amo" normalmente colocam um coração - são, para mim, um exemplo do mau gosto do mau gosto. E por quê? Porque além de elas, no mais das vezes, ocuparem espaços dos quais ofuscam a paisagem e/ou atrapalham a vista, penso eu que boa parte das pessoas que posam para fotografias ao lado e diante delas são as mesmas pessoas que jogam lixo nas ruas e nos bueiros, que não respeitam as leis de trânsito, etc., ou seja, são pessoas que, na realidade, não amam a cidade coisíssima nenhuma - nem a cidade e muito menos os seus habitantes. E ainda tem o outro lado da moeda: um prefeito que instala uma ou mais placas desse tipo em alguns pontos da cidade e, ao mesmo tempo, não cuida e nem consegue dar conta das demandas de infraestrutura urbana, definitivamente esse prefeito não ama a cidade que ele administra e nem os seus munícipes; ele faz, na verdade, uma espécie de propaganda enganosa.
Quando, no ano passado, eu vi que a Prefeitura Municipal de Abreu e Lima, minha cidade natal e meu lugar de trabalho, instalara uma dessas placas bem na entrada da Praça Antônio Vitalino, um cenário urbano que me é muito caro porque faz parte de minha memória afetiva, eu senti um misto de provocação e ironia. E por quê? Ora, a Praça Antônio Vitalino foi, durante décadas, um espaço ocupado semanalmente por uma das maiores feiras livres da Região Metropolitana do Recife e, muito provavelmente, de todo o estado de Pernambuco. Era uma feira livre realmente muito grande que ocupava toda a Praça Antônio Vitalino e se derramava por algumas das ruas que para ela afluem. Era, sem sombra de dúvidas, o maior e mais significativo acontecimento socioeconômico da cidade que era vivenciado não apenas por seus moradores como também por residentes em cidades vizinhas.
Eu, que frequentei essa pujante feira livre de minha infância até a vida adulta como consumidor e , também, como feirante, porque, durante algum tempo de minha adolescência, eu trabalhei num banco de venda de miúdos de porco com Seu Déda, o segundo marido da minha avó Maria da Conceição, comecei a lamentar a desfiguração da feira ainda na década de 1990, quando a Municipalidade fechou os olhos para o fato de que, em vez de ser uma tradicional feira livre nordestina, que ocorria uma vez por semana, sendo montada e desmontada, o que significava deixar a praça livre para outros eventos, vários dos feirantes começaram a se manter ali de modo fixo, passaram a negociar os seus produtos ao longo de toda a semana. E isso eu considero que foi o princípio do fim da famosa e muito importante feira livre de outrora. E então, devido às pressões do tráfego de veículos - e da consequente necessidade de espaços que servissem de estacionamentos para eles; necessidade essa que, historicamente, promoveu a mutilação de muitas cidades, inclusive, pondo abaixo prédios e monumentos históricos para que fossem abertas e/ou alargadas ruas e avenidas para "uma boa fluência do trânsito" -, removeram completamente a feira livre dali para transformar a praça em um enorme estacionamento. Ou seja, em vez de promover uma revitalização da feira livre e do mercado público que existiam ali, escolheram acabar com tudo o que um dia foi motivo de muito orgulho para aquela cidade. Apagaram uma memória urbana. Sepultaram uma memória social. E ignoraram que aquela feira livre era algo por demais importante para a história do município - ironicamente, na tal placa de "Eu amo Abreu e Lima", fizeram uma alusão às ruínas da Igreja de São Bento.
Olhando para aquela placa fixada bem na entrada da Praça Antônio Vitalino eu disse assim de mim para mim: "Puxa, que coisa: a Prefeitura botou uma placa dessa diante de um espaço que as pessoas, em geral, nem veem como uma praça e sim como um grande estacionamento". E me dói pensar que foi uma administração municipal que pôs fim ao grande atrativo que semanalmente levava milhares de pessoas para aquele espaço urbano. De modo que, muito mais do que como celebração, aquela placa posta naquele lugar figurou, a meu ver, como uma ironia e uma provocação.
Dias depois, eis que, a cerca de 1 km de distância da entrada da Praça Antônio Vitalino e, também, às margens da BR 101, a Prefeitura Municipal instalou outra placa como aquela, só que, agora, no sopé de um morro do bairro do Fosfato, onde a Municipalidade realizara serviço de aplicação de geomanta na encosta para prevenir deslizamento de terra em épocas de chuva. Ao ver aquela placa ali, pela primeira vez eu avaliei que uma placa dessa natureza que, normalmente, é instalada em pontos considerados atrativos, turísticos e fotografáveis, ops, instagramáveis, fazia algum sentido, porque poderia levar alguns a acreditar que o poder executivo municipal "amava" realmente a cidade, visto que estava cuidando do bem-estar de parte dos seus moradores, uma das razões de sua existência como gestor público.
Não vou aqui discutir se eu acredito que, em tempos de exposição pessoal frenética nas chamadas redes sociais, que são tão dadas a exibir o que é bonito - inclusive, com o uso de filtros para mascarar a realidade -, alguém irá se dispor a fazer selfies diante de uma placa cujo pano de fundo é o sopé de um morro coberto com geomanta. O que para mim importa dizer é que a Municipalidade acertou duplamente: acertou quando fez a obra de proteção ao morro; e acertou quando mandou instalar a tal placa ali.
Particularmente eu amo Abreu e Lima, minha cidade natal, por uma série de razões que eu buscarei tratar noutro momento.
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