10 de maio de 2025

Não desprezem os prefácios

 Por Sierra


Imagem: kuzyuberdin/Freepik
Há prefaciadores que não se limitam a simplesmente, digamos, fazer um resumo da obra e/ou apresentá-la em algumas poucas linhas; e, normalmente, são eles que escrevem prefácios tão instigantes e sedutores que fazem com que os leitores fiquem excitados para começarem a ler o livro em si


Eu me encontrava fazendo uma série de leituras com vistas a subsidiar a elaboração de um prefácio para um livro de um amigo meu e, durante esse exercício intelectual de pesquisa, eu cheguei a comentar com uma colega de academia de musculação sobre a tarefa que eu estava empreendendo. Essa pessoa, que tem formação acadêmica e é uma professora concursada da rede estadual de ensino, ao ouvir o que eu disse, falou assim com a maior naturalidade e me deixando pasmo e sem acreditar no que eu acabara de escutar: "Eu nunca leio os prefácios".

A origem da palavra prefácio é latina: prae (antes) e efatios (ditos), significando, aqui, o que é dito antes da narrativa de um livro. É muito comum que autores recorram a outros escritores - principalmente a nomes renomados e com um duplo objetivo: tentar conseguir um testemunho de peso para a sua obra; e, claro, apostar que o tal prefaciador desperte a curiosidade e atraia leitores para o livro em si - para escrever o prefácio, mas o próprio autor pode escrevê-lo: Gilberto Freyre, por exemplo, foi um prolífico prefaciador de obras alheias e um celebrado prefaciador dos seus próprios estudos - vejam-se os dois volumes do Prefácios desgarrados, que foram organizados  por Edson Nery da Fonseca (Gilberto Freyre. Prefácios desgarrados. Rio de Janeiro: Livraria Editora Cátedra; Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1978).

O professor Antonio Candido escreveu, no prefácio de um livro de Sergio Miceli (Intelectuais e classe dirigente no Brasil - 1920-1945. São Paulo: Difusão Editorial, 1979, p. IX), que o que "caracteriza a maioria dos prefácios é a falta de necessidade", porque ou "o prefaciador resume o livro, ou produz um ensaio marginal a partir dele", sabendo que, em ambos os casos, "pouco pode fazer pelo texto, que vale ou não por si mesmo".

Quem tem familiaridade com o universo dos livros e da leitura sabe, porque certamente já se deparou com diferentes casos, que, realmente, há prefácios - mesmo alguns escritos por um dos tais "autores" renomados" - que são completamente dispensáveis e irrelevantes, porque nada acrescentam ao que está por vir nas próximas páginas do autor da obra;  prefácios esses que chegam mesmo a dar a impressão de que foram escritos quase que por obrigação, só para agradar a pessoa que o pediu, quer tenha sido o próprio autor ou alguém da editora.

No entanto - e eis por que eu considerei totalmente absurda a fala da minha colega de malhação -, inúmeras vezes eu me deparei com prefácios que me fizeram quase babar de admiração pelo que eu acabara de ler, porque, além de apresentar o que eu iria ler logo mais, eles discorreram com enorme fundamento e se puseram como textos bastante esclarecedores sobre alguns pontos e abordagens da obra em questão que, talvez, sem o auxílio de tais prefácios, eu não chegasse a perceber e nem a compreender com maior amplitude e nem levantasse, sozinho, alguns questionamentos sobre a obra em si ao findar a sua leitura.

Há prefaciadores que não se limitam a simplesmente, digamos, fazer um resumo da obra e/ou apresentá-la em algumas poucas linhas - eu já li prefácio que ocupou uma única página, algo inteiramente espantoso para mim; e que me levou a pensar que ou o prefaciador estava com preguiça de escrever ou a obra não lhe despertou um grande interesse -; e, normalmente, são eles que escrevem prefácios tão instigantes e sedutores que fazem com que os leitores fiquem excitados para começarem a ler o livro em si.

Prefaciadores desse quilate costumam não só discorrer sobre o conteúdo da obra que o leitor tem em mãos e que está prestes a desbravar; eles tratam de, além disso, fazer apreciações críticas bastante pertinentes, anotando, inclusive, pontos abordados pelo autor com os quais eles não concordaram, dizendo o porquê das discordâncias; sugerem e indicam outros estudos que examinaram o mesmo assunto só que por outros vieses; etc. Enfim, grandes prefaciadores costumam ser luzes que se lançam sobre os textos que eles apreciam e discorrem.

Nunca, em nenhuma ocasião da minha vida de leitor até aqui, eu "pulei" as páginas dos prefácios dos livros que eu li. Concordo com o que disse o Elias Canetti a respeito de Thomas Hobbes,  que "Não se pode esperar de alguém que explique tudo" (Elias Canetti. "Leio como se fosse pela primeira vez". In Sobre os escritores. Trad. Kristina Michahelles. . Rio de Janeiro: José Olympio Editora. p. 103), mesmo porque - e agora a lição é de Schopenhauer - "Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: só repetimos seu processo mental" (Arthur Schopenhauer. Sobre livros e leitura. Trad. Philippe Humblé e Walter Carlos Costa. Porto Alegre: Editora Paraula, 1993, p. 17); e é preciso que tenhamos também capacidade de pensar e de fazer as nossas próprias apreciações sobre o que lemos.

Então é isso: por favor, não desprezem os prefácios.

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