27 de setembro de 2025

Pelas ruas e ladeiras da verdejante Laranjeiras

Por Sierra


Fotos: Arquivo do Autor
Fui conhecer Laranjeiras carregando comigo uma costumeira vontade de estar em cidades antigas para ver de perto suas realidades. O encantamento logo deu lugar ao desencanto. Como uma cidade tão importante para a história de Sergipe pode colecionar tantas ruínas? Que descaso é esse, gente?


I

As narrativas históricas nos dão conta de que as origens do que um dia constituiria a cidade de Laranjeiras, que dista a cerca de 20 km de Aracaju, remontam aos princípios do século XVII. Depois que Cristóvão de Barros, que chegou ao território sergipano , em 1589, para expulsar piratas franceses, saiu vitorioso nos embates travados na região do médio Rio Cotinguiba, em terras da antiga freguesia de Nossa Senhora do Tomar de Cotinguiba – e não nos esqueçamos de que foi esse líder que fundou São Cristóvão, a primeira capital de Sergipe -, grupos de mestiços fixaram residência na margem esquerda do mesmo rio, o que foi a gênese daquela formação urbana que recebeu o nome de Laranjeiras porque, segundo o narrador da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, havia muitos pés de laranja no local; por isso, disse-nos ele, os primeiros habitantes da povoação construíram um pequeno porto fluvial que tomou a denominação de “porto de Laranjeiras” (Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1959, vol. XIX, p. 349. Quem consultar diretamente tal publicação, verificará que houve um lapso do revisor que marcou as incursões de Cristóvão de Barros como tendo elas ocorrido no início do século XVI).

A primeira metade do século XVII, em Sergipe, foi muito marcada pelas investidas dos invasores holandeses que queriam, a todo custo, se apropriar das riquezas da capitania sergipana. Efetivamente foi a partir de 1645 que Sergipe voltou ao domínio dos seus primeiros conquistadores europeus.

















Como indicativo da importância que o território laranjeirense despertou nos começos de sua formação está o fato de que, em 1701, padres da poderosa Companhia de Jesus iniciaram a construção de uma igreja à margem esquerda do Riacho São Pedro, o primeiro templo religioso do lugar, tendo eles fixado residência próxima à edificação. Trinta anos depois eles começaram a construir, numa colina, a Igreja de Comandaroba. Com o correr dos anos várias edificações eclesiásticas foram erguidas, pontuando Laranjeiras com forte presença da religião católica.

Quando do advento do século XIX Laranjeiras que, em 1808, abrigava, de acordo com a estimativa por mim consultada, 600 fogos (casas), na sede e na circunvizinhança, sinalizando estar bastante próspera, permanecia ainda como povoação, sem conseguir foros de freguesia. Dezesseis anos depois o lugar apresentava “mais de 850 casas entre edifícios menores e aqueles que lhe faziam a decoração” (José Anderson Nascimento. “Esboço histórico”. In Tom Maia, José Anderson Nascimento e Thereza Regina de Camargo Maia. Sergipe Del Rei. São Paulo: Ed. Nacional; Rio de Janeiro: Embratur, 1979, p. 26).








Maria Thetis Nunes, no seu livro História de Sergipe a partir de 1820, nos disse que pelo Decreto de 8 de julho de 1820, Dom João VI, segundo uma comunicação feita ao Conde da Palma, capitão-general e governador da Bahia, Sergipe ficou isento da sujeiçao que até então tinha estado do governo baiano, tendo sido nomeado como presidente da recém-criada Província de Sergipe, o brigadeiro Carlos César Burlamaqui, que chegou a São Cristóvão em 19 de fevereiro de 1821, assumiu a administração no dia seguinte, tendo o seu governo durado só até o dia 18 de março em razão de um movimento ocorrido em Salvador enquanto ele estivera a caminho de Sergipe.

Leiamos o que sobre tal evento escreveu a ilustre historiadora:


Ali irrompera, no dia 10 [de fevereiro], o levante das tropas aquarteladas no forte de São Pedro, sob o comando de Manuel Pedro de Freitas Guimarães, contando com o apoio do povo inflamado pela palavra vibrante do jornalistta e médico Cipriano Barata. Era a adesão da Bahia à Revolução Costitucionalista que, em agosto do ano anterior, explodira no Porto, estendo-se, vitoriosa, a Lisboa, onde foi criada uma Junta Provisional do Governo Supremo do Reino. Assumindo o poder, a Junta convocou eleições para as Cortes que deveriam dar a Portugal uma Constituição [...]

Essa Junta enviou, assinadas pelo seu Secretário José Caetano de Paiva, três cartas ao Capitão-mor de Sergipe Luís Antônio da Fonseca Machado. Uma delas noticiava os acontecimentos ocorridos em Salvador no dia 10 de fevereiro; e outra determinava que em Sergipe se procedesse o mesmo Juramento à Constituição que tivera lugar na Bahia; e a terceira ordenava que o Capitão-mor não desse posse a Burlamaqui, obrigando-o a deixar a Província, usando mesmo a força se, por acaso, fosse necessária (Maria Thetis Nunes. História de Sergipe a partir de 1820. Rio de Janeiro: Livraria Editora Cátedra; Brasília: INL, 1978, p, 35).

As determinações não foram acatadas pelo capitão-mor. Nesse ínterim, Burlamaqui chegou a Sergipe e tomou posse do governo. E, em virtude disso, em algumas vilas começou um movimento contra o novo governante, especialmente em Santo Amaro de Brotas, em Santa Luzia e na então povoação de Laranjeiras, cujas Câmaras prestaram juramento à Constituição. E por que isso? Maria Thetis Nunes disse acreditar que, no caso do apoio dos senhores de engenho ao governo recolonizador da Bahia, "tenha decorrido da dependência financeira em que estavam da praça de Salvador"; e àquele governo "interessava manter a dependência política de Sergipe, dadas as rendas canalizadas para o Erário da Bahia, alcançando na época 12 contos trienais" (Maria Thetis Nunes. Op. cit., p. 41).


Esta imagem e as oito seguintes aparecem, respectivamente nas páginas 352, 354, 353, 353, 352, 351, 350, 350 e 349 da Enciclopédia dos Mucicípios Brasileiros























O ano de 1822 foi um ano de turbulência em âmbito nacional que trouxe consequências para Sergipe. Em fevereiro o brigadeiro Inácio Luís Madeira de Melo assumiu, violentamente, o comando das tropas da Bahia, dominando a Junta Governativa e obedecendo diretamente às Cortes de Lisboa e desobedecendo ao Príncipe Regente Dom Pedro, para que retornasse a Potugal. Houve um levante na Câmara da Vila de Cachoeira, em 25 de junho, contra a pressão recolonizadora das tropas portuguesas, e, unindo-se a outras povoações do Recôncavo Baiano e aos patriotas que haviam abandonado a capital, aclamou Dom Pedro regente e perpétuo defensor e protetor do Reino do Brasil; e elegeu a Junta Conciliadora e de Defesa, presidida por Antônio Teixeira de Freitas Barbosa.

A partir desse momento, disse-nos Maria Thetis Nunes, se confundiram, num mesmo movimento, a luta dos segipanos pela autonomia provincial e sua participação no processo da Independência Nacional. Por ordem de Dom Pedro, seguiu para a Bhaia uma pequena força naval, em julho daquele agitado 1822, sob o comando de Rodrigo de Lamare, que foi impedida de ancorar no litoral baiano diante da presença vigilante da esquadra protuguesa,e, por isso, se dirigiu para o norte, desembarcando as tropas do chamado Exército Pacificador, em terra, ficando sob o comando do general Pedro Labatut, um francês a serviço do Brasil. E a marcha seguiu por terra a fim de negociar a cessão das hostilidades e a adesão ao governo do Príncipe Regente. Passou por Vila Nova d'El rei - atual Neópolis -, em 5 de outubro, ou seja, quase um mês depois da declaração da Independência do Brasil feita por Dom Pedro em 7 de setembro, em São Paulo. E seguiu para Laranjeiras:

Com um contingente composto de cerca de 500 homens, onde se encontravam fluminenses, penedenses e pernambucanos, deslocou-se Labatut para Laranjeiras, a mais importante povoação de Sergipe, centro da principal zona açucareira, a da Cotinguiba. "Grande povoação quase toda habituada [seria habitada?] por européus", como ele a definiu, logo se desmoronou a resistência esboçada pelo elemento lusitano, liderado pelo Padre José Antônio Gonçalves de Figueiredo, que já fugira para a Bahia. A 12 deoutubro, Labatut lançou uma Proclamação ao Povo de Laranjeiras, pondo em relevo a data de aniversário de D. Pedro, o "Protótipo dos Regentes", prometendo esquecimento dos atos do passado, oriundos do "decrépito Governador de Sergipe", visto por ele como "um cérebro estonteado governado por cabeças loucas e inimigas de nossa Pátria". Não havia, porém, clemência para os portugueses José Alves Quaresma, Francisco José da Rocha, José Caetano de Farias e, principalmente, o Padre Gonçalves de Figueiredo, que teve seus bens confiscados (Maria Thetis Nunes. Op. cit., p. 50).

Em sua narrativa Maria Thetis Nunes destacou que comumente os historiadores que narraram acontecimentos desse período agitado da História de Sergipe conferiram ao general Labatut a exclusividade do êxito da adesão dessa província à Independênciado Brasil, silenciando a atuação do capitão-mor das Ordenanças da Vila de Itapicuru, João Dantas dos Reis Portatil ou João Dantas dos Imperiais Itapicuru, grande senhor de terras naquela região, que procedeu à do francês, e que fora eleito por sua Vila membro do Conselho Interino do Governo de Cachoeira, participando até o final da luta em 2 de julho de 1823, de todos os acontecimentos. Novamente acompanhemos a narrativa esclarecedora de Maria Thetis Nunes:

A atuação de João Dantas dos Imperiais Itapicuru em terras sergipanas precedeu à de Labtut, datando dos meados de setembro, e explica porque (sic) este, "surpreso", em Penedo observou, a partir de 2 de outubro, desmoronar-se a resistência plantada nas margens do São Francisco sob o comando de Bento de Mello Pereira, sem que necessitasse disparar um só tiro. Fora que em 24 de setembro João Dantas já chegara à Freguesia de Nossa Senhora dos Campos (atual cidade de Tobias Barreto), na época pertencente à vila de Lagarto, juntamente com o Coronel Inácio Dantas dos Reis Leite, à frente de 2.000 homens. Conseguiu desfazer a resistência da tropa, composta de portugueses e índios, que ali se encontrava aquartelada como uma ponta de lança contra uma possível avançada dos patriotas do Recôncavo. Naquela data, deu-se em Campos a aclamação de Dom Pedro como Príncipe Regente do Brasil, tornando-se, assim , a primeira localidade de Sergipe a ralizar tal ato (Maria Thetis Nunes. Op. cit., p. 53).

O ano de 1822 reservaria mais um acontecimento importante para os segipanos: em 5 de dezembro, Dom Pedro, por Carta Imperial, confirmou o decreto de Dom João VI relativo à autonomia de Sergipe, mandando que o governo da Bahia se organizasse de acordo com o Decreto de 5 de julho daquele ano, "exctuando, porém, a antiga comarca de Sergipe del Rei, que em virtude do Decreto de 8 de julho de 1820, se acha contituída em Província separada da Bahia" (Apud Maria Thetis Nunes. Op.cit., p. 61).

Em 24 de janerio de 1823, o governo interino da Junta da Bahia comunicou essas determinações ao comandante militar José Barros Pimentel, ao ouvidor interino e à Câmara de São Cristóvão, devendo ali ser instituído um governo de cinco membros como nas demais províncias. Barros Pimentel que, ainda em 1822, manteve-se contrário à autonomia de Sergipe - quando de sua passaagem pela província e influenciado por ele, o general Labatut concordou com isso, que era, na verdade, o desejo de senhores de engenho comprometidos financeiramente com os comerciantes lusos de Salvador -, transferira a sede do governo para Laranjeiras - ele durou pouco no posto: em  14 de novembro foi substituído pelo tenente-coronel José Elói Pessoa; e procurou destituí-lo do cargo contando com a Junta de Cachoeira; e envolvido numa rede de intriga, o tenente-coronel foi destituído pelo general Labatut e conduzido preso para Pernambuco. Agora, em 1823, Barros Pimentel outra vez se revelou contrário a tais determinações, que só chegaram a Sergipe em fevereiro. De nada aditantou a sua insubordinação:

Tendo ciência do ato de Pedro I de 5 de dezembro, já cioso da autonomia, o povo de São Cristóvão, que era adversário de Barros Pimentel, não só por sua posição contrária à autonomia sergipana como por ter sempre mantido a sede do governo em Laranjeiras, reafrimou sua luta emancipacionista na tomada de posição de 10 de fevereiro. Povo e tropas, liderados pelo Major Cristóvão de Abreu Contreiras, exigem da Câmara a reintegração da Junta deposta por Labataut quando de sua passagem por São Cristóvão, alegando que não mais dependem do governo de Cachoeira e de suas decisões (Maria Thetis Nunes. Op. cit., p. 62).

Barros Pimentel, num esforço de quem não se dava por vencido, ainda tentou dissolver a Junta reintegrada, tomando Laranjeiras como o centro da resistência. Ocorreu que ele não encontrou apoio para tanto; retornou a São Cristóvão; e, dali, seguiu para a Bahia, onde se refugiou, segundo Maria Thetis Nunes, "ante as acusações que começam a pairar, de desvio dos donativos militares para a luta emancipadora, e a devassa que para isto foi aberta" (Maria Thetis Nunes. Op. cit., p. 63) e depois de terem se acentuado os choques entre o poder militar, que ele representava, e o poder civil, desempenahdo pela Junta.

Um sentimento de anitulusitanismo começou a atravessar Sergipe na esteira da proclamação da Independência, ocorrida em 7 de setembro de 1822. Em novembro do ano seguinte eclodiu em Laranjeiras um movimento sedicioso contra os negociantes portugueses do lugar e a Junta Provisória, movimento esse que foi logo sufocado pelo socorro vindo de Sao Cristóvão. Já em 1824 esse antilusitanismo se espalhou pela província descambando em espancamentos e persguições a portugueses residentes em povoações prósperas como Laranjeiras, Rosário do Catete, Divina Pstora e na própria capital, São Cristóvão; antilusitanismo esse que, como anotou Maria Thetis Nunes, foi "responsável pela repercussão, em Sergipe, da Revolução Pernambucana de 1824, e que ainda conserva-se-á bem viva em 1831, quando da Abdicação de Pedro I" (Maria Thetis Nunes.Op. cit., p. 67).











Em 7 de agosto de 1832, ocasião em que a Assembleia Geral da Província, computando o censo demográfico e o arrolamento econômico, reconheceu a capacidade autonômica da povoação, Laranjeiras deixou de ser povoado e foi elevada à categoria de vila. Ocorre que o território dessa nova vila não foi desmembrado da freguesia de Nossa Senhora do Socorro, à qual pertencia, mas, sim, o território da antiga freguesia, anexado ao da vila, ficando os habitantes de Socorro preteridos no justo propósito que alimentavam de ver a freguesia elevada à categoria de vila, tendo eles chegado a representar junto ao Conselho da Província protestando porque se julgaram injustiçados com o que ocorrera.






Para que uma placa desse tamanho na fachada de um prédio antigo? Isso além de esconder os detalhes da fachada é poluição visual. As pessoas da cidade já sabem que ali é um mercado; não precisa disso



Leiamos o que a respeito desse acontecimento registrou o prestimoso narrador da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros:

 

Os habitantes de Laranjeiras também não assumiram atitude de inércia frente aos acontecimentos, que poderiam ter um desfecho pouco lisonjeiro para os destinos da nova vila, prejudicando, sobretudo, as suas rendas e, por intermédio da sua Câmara, que somente foi instalada a 4 de fevereiro de 1833, já a 12 de abril do mesmo ano dirigiam-se também em forma de representação ao Presidente da Província, contra os desejos dos socorrenses.

Entre as alegações da Câmara de Laranjeiras destaca-se a circunstância apresentada de ser a povoação de Socorro distante, apenas, uma légua de Laranjeiras e a ausência de comércio naquela povoação obrigava os seus habitantes a se dirigirem, todas as semanas, ao mercado da grande feira de Laranjeiras, para se proverem dos gêneros de que necessitavam (Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Op. cit., p. 349).










Mas as alegações da Câmara laranjeirense não pararam por aí. Também foi apontada uma questão de ordem política: Nossa Senhora do Socorro não possuía mais de vinte cidadãos que estivessem enquadrados nos requisitos legais exigidos para ocuparem cargos de governança, o que daria margem a reeleições sucessivas e o consequente exercício dos cargos públicos em caráter quase vitalício.

Porém, de nada valeram tais argumentações; e em 19 de fevereiro de 1835, o povoado de Nossa Senhora do Socorro foi elevado à categoria de vila, tendo sido o seu território desmembrado do de Laranjeiras, que, por força da Lei provincial de 6 de fevereiro daquele mesmo ano, foi, por seu turno, desligado, eclesiasticamente de Socorro, passando a constituir a freguesia do Sagrado Coração de Jesus.






Foi impressionante - e lamentável - a quantidade de prédios antigos arruinados que eu vi em Laranjeiras. Vários deles, como este da foto, só tem mesmo parte de suas fachadas. Como a cidade deixou que isso acontecesse, se é justamente o seu patrimônio histórico edificado o maior atrativo para os visitantes?













Deve ser destacado, como nos diz o narrador da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, que tais decisões e acontecimentos não influíram no progresso e no desenvolvimento de Laranjeiras que, àquela altura, já figurava como uma das mais importantes e prósperas comunas sergipanas.

A Lei provincial de 6 de fevereiro criou o distrito de paz de Laranjeiras que, um mês depois, exatamente no dia 6 de março, foi elevado à categoria de termo da comarca de Santo Amaro. No entanto, dado o relevo socioeconômico do município, dizia-se que a vila reclamava a instalação de uma comarca em sua sede; e isso acabou ocorrendo ainda naquele ano por força do Decreto provincial de 11 de agosto, quando, por essa época, declinava a importância da vila de Santo Amaro, que, com as de Maruim e Capela, passaram a constituir termos da nova comarca. Pelo Decreto provincial de 21 de março de 1836, a comarca de Laranjeiras ganhou mais dois termos, que compreendiam os das vilas de Rosário e Divina Pastora.


Enquanto alguns prédios que eu vi estavam em ruínas, outros, como este, estavam carecendo de manutenção, como pintura











Um dos marcos históricos de Laranjeiras que também diz muito da importância socioeconômica que o município alcançou ainda na primeira metade do século XIX é o fato de que, quando da criação da Alfândega de Sergipe, em 1836, teve a sua sede atraída para a vila de Laranjeiras, que era então um grande centro comercial e exportador – antes de ser localizada definitivamente em Aracaju, a sede foi instalada em Barra dos Coqueiros.

Coroando uma década, a de 1840, durante a qual o território laranjeirense era considerado não apenas como uma potência socioeconômica mas também um dos grandes centros culturais e artísticos da Província – o desenvolvimento da imprensa diz muito disso; vários jornais surgiram no período: Monarchista Constitucional (1841), Triunfo (1844) e Guarany (1847); o Observador aparecerá em 1851 -, em 1848, por força da Lei provincial nº 209, de 4 de maio, a vila de Laranjeiras foi elevada à categoria de cidade.










Todas essas considerações a respeito de Laranjeiras nos primeiros dois quartéis do Oitocentos contrastam com um,  por assim dizer, desconhecimento que alguns narradores-viajantes tiveram desse lugar. Em uma de suas “cartas” escritas nos últimos anos do século XVIII, Luiz dos Santos Vilhena diz que as “povoaçoens mais consideraveis” da “capitania de Sergipe Del Rey” são a cidade de São Cristóvão e as vilas Santo Amaro das Brotas e Itabaiana. E acrescenta: “Hé a terceira villa a do Lagarto. Há mais a villa de Santa Luzia, e Villa Nova Real Del Rey. Além destas há muitas outras povoaçoens mais pequenas e muitas Igrejas e capellas por toda a parte” (Luiz dos Santos Vilhena. Recopilação de noticias soteropolitanas e brasílicas. Livro II. Carta décima sexta. Bahia: Imprensa Official do Estado, 1921, p. 605, 602 e 606). 


Indiscutivelmente, Laranjeiras tem vários encantos, porque é um lugar culturalmente rico. Falta à cidade passar a valorizar para valer o seu patrimônio histórico edificado




"SOS Patrimônio" alguém escreveu na fachada deste grande sobrado abandonado





Abandono e mais abandono


Passando pelo território sergipano em 1839, o missionário norte-americano Daniel Kidder limitou-se a escrever algumas poucas linhas sobre o que ele viu por ali, das quais destaquei este trecho: “A província é parcamente habitada e não possue cidade alguma de vulto. A capital denomina-se S. Cristóvão” (Daniel Kidder. Reminiscências de viagens e permanências nas províncias do Norte do Brasil. Trad. Moacir N. Vasconcelos. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1980, p. 71). 

Já o alemão Robert Avé-Lallemant, que aportou na nova capital Aracaju, em maio de 1859, fez várias observações sobre essa cidade ainda em construção – chegou mesmo a dizer que ela “Tem aspecto sumamente agradável. Tudo é bonito e novo na margem [do Rio Cotinguiba], embora muito provisório” – e mencionou outras localidades, como São Cristóvão e Maruim; e de Laranjeiras apenas citou o nome numa passagem sem fazer qualquer apreciação e nem dizer o que o lugar era. Eis a passagem: “Depois dalgumas léguas de viagem, o rio dividiu-se; um braço ao sul sobe em direção a Laranjeiras; um, no meio, vem da paróquia de S. Ana; outro, ao norte, leva, através de mangues e pântanos, a Maruim” (Robert Avé-Lallemant. Viagens pelas províncias da Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe: 1859. Trad. Eduardo de Lima Castro. Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1980, p. 331 e 332). 











Numa obra cuja edição príncipe veio a lume em 1817, o padre Manuel Aires de Casal destoou e muito dos relatos dos narradores citados nos três parágrafos anteriores. Depois de mencionar várias vilas sergipanas como Itabaiana, Propriá e Lagarto, ele disse assim: “Não devemos omitir o considerável, e famoso Arraial das Laranjeiras, vantajosamente situado sobre a margem esquerda do Rio Cotinguiba, duas léguas acima da sua confluência com o Seregipe. Não é ainda freguesia: mas com o tempo será uma das principais vilas da província. Grandes sumacas [embarcação de dois mastros] vão lá carregar açúcar, algodão, couros e legumes” (Manuel Aires de Casal. Corografia Brasílica ou Relação histórico-geográfica do Reino do Brasil. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1976, p. 251).

Gozando de imenso prestígio entre as cidades sergipanas, em 14 de janeiro de 1860 Laranjeiras recebeu a visita de SS. MM. o Imperador Dom Pedro II e a Imperatriz Dona Tereza Cristina. Em seu diário o monarca anotou que visitou aulas de meninos e meninas; que lhe foi dito que havia 9 mil habitantes na cidade, mas, "Segundo o vigário a cidade tem de 7 a 8 mil almas". Pena que ele não tenha feito descrições da cidade em si. Foi uma passagem sem muita demora. Ele registrou que eram as ruas "calçadas com pedras grandes" como em Maruim; e que da Igreja do Bom Jesus tinha-se uma "bela vista". Curioso foi que, talvez inculcado com o nome da cidade, nos apontamentos do dia 16 ele tenha registrado: "Uvas de Maroim; em Laranjeiras não há uma laranja; guabirobas de Aracaju, fruta diferente de guabiroba amarela e com bom gosto" (Dom Pedro II. Viagem à costa leste [de Aracaju ao Espírito Santo] - 11/1 a 28/1/1860. Volume 5. In www.museuimperial.museus.gov.br).













Em 31 de março de 1874 o município laranjeirense perdeu parte do seu território em virtude da elevação do povoado de Nossa Senhora da Conceição dos Pintos à vila, com a denominação de Vila de Riachuelo, figurando, a partir de então, como um novo termo da comarca de Laranjeiras.

O advento do século XX não foi tão benfazejo para Laranjeiras. Em 1880 a cidade já possuía uma estação do Telégrafo Nacional; em 1919, iluminação elétrica pública e domiciliar, tendo ainda nesse mesmo ano sido instalada no município uma estação telefônica para comunicações urbanas e interurbanas. Foram, digamos, como que os derradeiros sinais de progresso verdadeiramente pulsante para a cidade que começaria a amargar certa estagnação em seu desenvolvimento, como destacou o narrador da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Acompanhemos as observações por ele registradas:

Do início deste século para cá, estagnou-se o ritmo acelerado do progresso que vinha impulsionando a velha comuna sergipana, restando da grandeza vivida, a partir dos meados do século passado, amostras saudosas nos imponentes sobrados de ruas e na tradicional vivacidade do seu povo.

Os fatores sócio-econômicos, que vêm caracterizando, o século atual, sem dúvida nenhuma influíram negativamente e de maneira decisiva no desenvolvimento da então próspera cidade de Laranjeiras. Com as facilidades de transporte ferroviário e rodoviário para Aracaju, que dispõe de porto com a capacidade para ancoragem de embarcações de maior envergadura, perdeu o velho município o controle econômico da zona de Cotinguiba onde se produz, em maior quantidade, o açúcar, que é o produto básico da economia de Sergipe, cujo controle passou a ser exercido pela Capital do Estado (Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Op. cit., p. 350)

 














No tempo em que o verbete da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros sobre Laranjeiras foi escrito, a cidade, com uma população em sua maior parte rural – de acordo com o Recenseamento Geral de 1950, do total de 12118 habitantes, 7969 viviam na área rural; no levantamento feito pelo Departamento Estadual de Estatística, de 1º de julho de 1956, a população chegara a 13000, sendo 4000 habitantes da zona urbana –, mantinha como principal fonte de renda a produção de açúcar, sendo a maior produtora de açúcar cristal de Sergipe. Era um tempo em que o trem corria por ali e os laranjeirenses que podiam, frequentavam um cinema que então existia na cidade. Muita coisa e muitas vivências se perderam em Laranjeiras desde aquela década.  E foi querendo conhecer o que resistiu ao transcurso do tempo, às transformações socioeconômicas e à indiferença para com os testemunhos edificados de sua história que, na manhã do dia 13 de dezembro de 2017, eu tomei um ônibus em Aracaju e segui ansioso para ir conhecê-la.

 

II

 

À medida que o ônibus foi avançando pelos caminhos eu já de longe fui me encantando com a paisagem de Laranjeiras, na manhã do dia 13 de dezembro de 2017. Eu marquei na minha caderneta de anotações de viagem: eram exatamente 8h13, quando eu desembarquei naquele pequeno mundo de história socioeconômica de tão grande importância no panorama sergipano.











De verdade, enquanto eu ia atravessando o pórtico da entrada da cidade e via o espaço urbano envolto pelo espaço rural, num primeiro momento, o verde que enchia os meus olhos, que ali estava como se fosse uma manta a agasalhar as edificações, eu senti como se aquele lugar detivesse algo de muito cativante e de pitoresco, como naqueles vilarejos de filmes de época.

Enquanto eu, sem pressa, fui percorrendo ruas, praças e ladeiras o encantamento foi dando as mãos ao desapontamento e não mais se soltaram dele durante o tempo em que eu por ali estive.


















Quem  acompanha as descrições de viagens a cidades históricas que eu tenho feito, sabe o quanto é relevante para mim o estado geral do casario que eu encontro e o universo do seu entorno, uma vez que um prédio antigo ou um monumento ou uma paisagem historicamente importante, muitas vezes, de alguma maneira, dialoga com o que está ao seu redor, porque, normalmente, algo na circunvizinhança diz um mínimo que seja a respeito dele. Quem lê o que eu escrevo nessas descrições observa também que não é somente o chamado “centro histórico” que me interessa, porque a cidade não se resume a esse espaço; e a sua história segue para além dele.

Atravessei muitos logradouros de Laranjeiras a fim de conhecê-la em múltiplos aspectos e sob muitos olhares. Detive-me por um tempo à margem do Rio Cotinguiba, imaginando o passado bastante movimentado que aquele curso d’água foi cenário.











Certamente o que leva alguém na condição de turista a Laranjeiras é saber que a cidade detém um significativo conjunto de monumentos, principalmente religiosos. Não me defino como turista e sim como viajante; e um viajante é de uma natureza diferente da de um turista. Dito isso, não posso dizer que eu fiquei desapontado somente porque eu me deparei com sobrados em ruínas na Rua Getúlio Vargas e na Rua José do Prado Franco, bem próximo ao Museu Afro-brasileiro, e com uma abandonada Igreja de Nossa Senhora da Conceição, por exemplo, mas igualmente por eu ter me deparado com lixo jogado  aqui e ali, com um esgoto estourado e com casas ocupando morros onde se encontravam placas proibindo isso.

Depois de visitar a Igreja de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito, que passara por uma ação de restauro havia poucos meses, eu subi um dos montes da cidade para ir conhecer a Igreja do Senhor do Bonfim que, infelizmente, estava fechada.









Retornando ao centro da cidade, eu tratei com o motoboy Emanuel Nunes, então com 54 anos de idade, um simpático e gentil Emanuel Nunes que disse que me viu chegando a Laranjeiras e que foi, para mim, uma das boas lembranças que eu trouxe de lá. Montado em sua moto primeiro eu fui levado para visitar a Igreja do Bom Jesus dos Navegantes, situada noutro ponto elevado. Ela também se encontrava fechada. Comentei com o motoboy, que fazia as vezes de um guia turístico, que ouvira, quando de minha visita a São Cristóvão, que Laranjeiras estava atravessando uma onda de assaltos. O que ele me confirmou. Dali ele me levou até a Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Comandaroba, na qual eu entrei. Gozava o lugar, numa área onde se via a linha férrea testemunha de um passado pujante, de uma tranquilidade sem par.
















Retornei ao marco zero da cidade. E, enquanto esperava pele ônibus que em levaria de volta pra Aracaju, fiquei a trocar figurinhas com um carroceiro, que me relatou ocorrências de assaltos, arrombamentos e mortes havidas por ali.


O motoboy Emanuel Nunes: obrigado pela sua gentileza





























Antes de embarcar no coletivo eu lancei pela derradeira vez os olhos sobre o que a minha vista ainda queria rever daquele lugar que, em parte, parecia desdenhar das coisas do seu passado, porque as deixava abandonadas e entregues às ruínas. Fui deixando Laranjeiras carregando comigo uma infeliz quase certeza de que, se algum dia eu até ali voltasse, as ruínas já não estariam de pé, restando somente o espanto e a lembrança, não o testemunho material, da grandeza histórica dessa cidade.

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