25 de outubro de 2025

Personas urbanas ( 35)

 Por Sierra


Se você vai por muito tempo

você nunca volta.

Você retorna, você contorna,

mas não tem volta [...]

E você não volta

nem com escolta,

nem amarrado, porque o passado já te perdeu.

                                                          Não tem volta. Zélia Duncan/Christiaan Oyens




Os corpos normalmente se encaixam, mas nem sempre isso acontece com os sentimentos. Não é incomum que, pelos caminhos e descaminhos da vida, nós demos de cara com alguém com quem sentimos uma sintonia física, corporal e carnal, para não dizer simplesmente sexual; na verdade, isso acontece frequentemente, pelo menos comigo. E, muito embora eu seja da turma cujo lema, estandarte e razão de existir se norteia pela clareza de entendimento que diz, sem hesitação, "aproveite o que se tem ou que lhe é oferecido", às vezes eu me pego pensando em possibilidades outras, em algo além do meramente carnal, físico e sexual que o outro possa me oferecer e eu a ele.

Mas as coisas não são assim tão simples como uma continha de somar com poucos números. Não são mesmo. Na realidade, é algo complexo na medida em que o que se passa na cabeça do outro é uma incógnita, não fica inteiramente visível para você e, por conseguinte, você fica sem saber exatamente em que terreno está pisando, porque, às vezes, acontece de a pessoa objeto do seu, digamos, extradesejo sexual, falar um monte de frases bonitas e gostosas de ouvir sobre você, o seu corpo e o seu jeito de ser e de estar no mundo - e até de sua performance sexual - e toda essa oratória não passar de um discursinho que ela repete para todos e para cada um com quem ela se envolve, ou seja, não passam de agradinhos ocasionais. E é fácil notar que o agradinho é só um agradinho porque, não demora, quando a pessoa se desvencilha do seu abraço, logo você se dá conta de que há um descompasso tremendo entre aqueles elogios todos e o comportamento que ela passa a demonstrar em relação a você. E se, meu caro leitor, você se deixa seduzir e levar pelo canto da sereia luxuriosa, você fatalmente se lasca.

Será que alguém consegue ficar imune e/ou indiferente a esse tipo de gente? Não duvido, porque, como dizem por aí, existe gente para tudo neste mundo; indivíduos tão ou mais astuciosos do que o Ulisses homérico; pessoas que, quando você vem com os cajus, elas já trazem as castanhas torradas.

Infelizmente, eu ainda não aprendi a operar por completo no modo 100% desapego. Comigo alguma coisa funciona numa instância que beira o que dizem ser crise de abstinência: se a química orgânica, corporal, física, carnal, sexual foi boa perto de ótima, meu amigo, eu só fico pensando em querer mais; e, por vezes, fantasio que a conexão física boa danada que eu tive com a pessoa tenha sido mais do que isso. Normalmente é só isso mesmo; aí bastam mais um ou dois encontros íntimos com ela para que eu me sinta saciado e me desinteresse dela.

Ocorre que, por vezes, junto com o desejo carnal vem todo um combo de sentimentos mais intensos; e, se ele é unilateral, se ele vem só e somente só de você, sem correspondência, o negócio chega para literalmente lhe lascar, para jogar você na lona; e você fica conjeturando cenas, encontros, situações e acontecimentos a dois que jamais irão ocorrer, porque a pessoa está em outra vibe e não na sua. Aí é perda de tempo chorar escondido, lamentar, mandar mensagem, telefonar e fazer o que for para conseguir nem que seja um pouquinho de atenção do ser tão desejado, porque ele vai continuar lhe ignorando e sem lhe dar a mínima. Como diz e repete como um mantra um amigo meu, nós não devemos regar plantas mortas.

Ah, se tudo fosse racional neste mundo... Mas ainda bem que não é. Inevitável e involuntariamente ou mesmo por insensibilidade e indiferença para com o outro, nós sofremos e fazemos sofrer metidos em circunstâncias como as que foram descritas aqui. E isso se dá, eu acredito, porque nem sempre o desejo sexual e o bem-querer andam de mãos dadas. E esse óbvio ululante é algo que, não raro, a maioria de nós fecha os olhos para não ver.

Será que existe uma profilaxia ou um remédio para isso? Não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe.

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