Por Sierra
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| Imagem: Divulgação O novo filme de Kleber Mendonça Filho nos propõe mais uma entrada nos subterrâneos de nossa História recente |
No último dia 26 de novembro eu fui
assistir ao O agente secreto no
Cinema da Fundação, no Recife, um lugar precioso da capital pernambucana do
qual eu guardo muitas memórias e recordações deliciosas e onde pela primeira
vez eu vi pessoalmente o Kleber Mendonça Filho, nos anos finais da década de
1990, período esse em que ele trabalhava lá.
Tomado por uma ânsia própria de quem nutre
grande admiração pelos trabalhos de determinados fazedores de filmes, eu me
sentei na poltrona F1 para acompanhar a sessão das 16h30 - a sala estava quase
lotada. E eu imergi inteiramente naquela atmosfera para acompanhar as mais de
duas horas de projeção que passaram assim sem que eu me desse conta, tamanho
era o meu desejo de que aquilo demorasse um pouco mais.
Como ocorreu nas outras obras de longa-metragem
de Kleber Mendonça Filho, esse O agente
secreto possui, como diz uma frase em voga atualmente, várias camadas. A
narrativa, que transcorre quase toda ela em 1977, ou seja, em plena vigência da
Ditadura Militar no Brasil, é pontuada por um punhado de assuntos e/ou questões
que, diga-se de passagem, algumas delas foram abordadas em outros de seus
filmes, o que me levou a recordar de uma frase que diz mais ou menos assim:
"Quando nós repetimos ideias é porque acreditamos verdadeiramente
nelas".
Dio isso, para além de nos mostrar como a estrutura
ditatorial primava por apagar identidades e histórias pessoais - aonde fora
parar o registro da mãe do protagonista naquele arquivo? - e permitir que toda
sorte de atrocidades, desumanidades e ilegalidades medrassem como ervas
daninhas, mesmo porque era com isso que o regime brutal que assassinava
opositores e fazia corpos desaparecerem, se retroalimentava, O agente secreto repete mensagens: como
em Aquarius, há aqui um libelo contra
a perda de edificações simbólicas do território urbano recifense - vocês viram
onde ficava o Cinema Boa Vista? -; como em Retratos
fantasmas, há aqui uma declaração de amor do diretor ao espaço central do
Recife; como em O som ao redor, há
aqui uma permanência de, digamos, heranças sociais bastante nocivas, de muito
tempo atrás, como o mandonismo; como em Bacurau,
há aqui outro manifesto contra a xenofobia e o tratamento desigual que
historicamente o Norte/Nordeste recebeu do Governo Federal e do empresariado em
relação ao que se verifica quanto ao Sul/Sudeste do país; e, só para ficarmos
em mais uma referência repisada pelo diretor, como no curta-metragem A Menina do Algodão, há aqui essa coisa
da qual eu gosto demais, porque eu compreendo que a memória de uma cidade é
composta por uma infinidade de elementos e que me remete ao livro Assombrações do Recife velho, de
Gilberto Freyre, que é o enfoque em lendas urbanas - a Perna Cabeluda é um dos
personagens mais impactantes do filme.
Talvez por puro bairrismo, eu, às vezes,
me pego pensando que muito do visual urbano que aparece em O agente secreto só poderá ser inteiramente sentido por quem
conhece de muito perto o Recife e se enxerga como íntimo daquelas paisagens e cenários.
Bobagem isso que eu estou dizendo? Não, não é.
São várias as sequências que para mim
foram muito marcantes; mas eu vou dizer aqui que eu fiquei, como bom amante do
centro do Recife, encantado com a que mostra a Ponte Duarte Coelho e a Avenida
Guararapes a partir de uma janela do Cinema São Luiz. É deslumbrante aquilo.
Sim, Wagner Moura tem um desempenho e
tanto. Mas não só ele. Quase todo o elenco brilha com uma luz própria que é digna
de aplausos.
Eu fico, por vezes, matutando como Kleber
Mendonça Filho consegue pensar sozinho em tantos detalhes - a sequência de
pegação no Parque 13 de Maio ficou exageradamente sensacional. Que danado! E
ver o Recife sendo mostrado com um compromisso que eu diria que é devocional, é
algo que me encanta demais no fazer cinema desse diretor.
Kleber Mendonça Filho, eu estou desde já na torcida para que O agente secreto tenha uma brilhante carreira pelo mundo afora e uma passagem premiada pelo Oscar do ano que vem, para a gente festejar muito no Recife, visse?!

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