6 de dezembro de 2025

Os nossos muitos males não são secretos

 Por Sierra


Imagem: Divulgação
O novo filme de Kleber Mendonça Filho nos propõe mais uma entrada nos subterrâneos de nossa História recente


 Uma das forças mais potentes que o diretor Kleber Mendonça Filho tem, além de um talento espantoso, de um gosto absurdo pelo que ele faz, de sua inteligência e clareza de pensamento e de sua mente criativa, é a sua capacidade de fazer obras que despertam o interesse de um grande público de aficionados pela chamada sétima arte. E, como o seu mais recente filme, O agente secreto, saiu premiadíssimo do Festival de Cannes, o interesse em torno dele só aumentou.

No último dia 26 de novembro eu fui assistir ao O agente secreto no Cinema da Fundação, no Recife, um lugar precioso da capital pernambucana do qual eu guardo muitas memórias e recordações deliciosas e onde pela primeira vez eu vi pessoalmente o Kleber Mendonça Filho, nos anos finais da década de 1990, período esse em que ele trabalhava lá.

Tomado por uma ânsia própria de quem nutre grande admiração pelos trabalhos de determinados fazedores de filmes, eu me sentei na poltrona F1 para acompanhar a sessão das 16h30 - a sala estava quase lotada. E eu imergi inteiramente naquela atmosfera para acompanhar as mais de duas horas de projeção que passaram assim sem que eu me desse conta, tamanho era o meu desejo de que aquilo demorasse um pouco mais.

Como ocorreu nas outras obras de longa-metragem de Kleber Mendonça Filho, esse O agente secreto possui, como diz uma frase em voga atualmente, várias camadas. A narrativa, que transcorre quase toda ela em 1977, ou seja, em plena vigência da Ditadura Militar no Brasil, é pontuada por um punhado de assuntos e/ou questões que, diga-se de passagem, algumas delas foram abordadas em outros de seus filmes, o que me levou a recordar de uma frase que diz mais ou menos assim: "Quando nós repetimos ideias é porque acreditamos verdadeiramente nelas".

Dio isso, para além de nos mostrar como a estrutura ditatorial primava por apagar identidades e histórias pessoais - aonde fora parar o registro da mãe do protagonista naquele arquivo? - e permitir que toda sorte de atrocidades, desumanidades e ilegalidades medrassem como ervas daninhas, mesmo porque era com isso que o regime brutal que assassinava opositores e fazia corpos desaparecerem, se retroalimentava, O agente secreto repete mensagens: como em Aquarius, há aqui um libelo contra a perda de edificações simbólicas do território urbano recifense - vocês viram onde ficava o Cinema Boa Vista? -; como em Retratos fantasmas, há aqui uma declaração de amor do diretor ao espaço central do Recife; como em O som ao redor, há aqui uma permanência de, digamos, heranças sociais bastante nocivas, de muito tempo atrás, como o mandonismo; como em Bacurau, há aqui outro manifesto contra a xenofobia e o tratamento desigual que historicamente o Norte/Nordeste recebeu do Governo Federal e do empresariado em relação ao que se verifica quanto ao Sul/Sudeste do país; e, só para ficarmos em mais uma referência repisada pelo diretor, como no curta-metragem A Menina do Algodão, há aqui essa coisa da qual eu gosto demais, porque eu compreendo que a memória de uma cidade é composta por uma infinidade de elementos e que me remete ao livro Assombrações do Recife velho, de Gilberto Freyre, que é o enfoque em lendas urbanas - a Perna Cabeluda é um dos personagens mais impactantes do filme.

Talvez por puro bairrismo, eu, às vezes, me pego pensando que muito do visual urbano que aparece em O agente secreto só poderá ser inteiramente sentido por quem conhece de muito perto o Recife e se enxerga como íntimo daquelas paisagens e cenários. Bobagem isso que eu estou dizendo? Não, não é.

São várias as sequências que para mim foram muito marcantes; mas eu vou dizer aqui que eu fiquei, como bom amante do centro do Recife, encantado com a que mostra a Ponte Duarte Coelho e a Avenida Guararapes a partir de uma janela do Cinema São Luiz. É deslumbrante aquilo.

Sim, Wagner Moura tem um desempenho e tanto. Mas não só ele. Quase todo o elenco brilha com uma luz própria que é digna de aplausos.

Eu fico, por vezes, matutando como Kleber Mendonça Filho consegue pensar sozinho em tantos detalhes - a sequência de pegação no Parque 13 de Maio ficou exageradamente sensacional. Que danado! E ver o Recife sendo mostrado com um compromisso que eu diria que é devocional, é algo que me encanta demais no fazer cinema desse diretor.

Kleber Mendonça Filho, eu estou desde já na torcida para que O agente secreto tenha uma brilhante carreira pelo mundo afora e uma passagem premiada pelo Oscar do ano que vem, para a gente festejar muito no Recife, visse?!

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