26 de novembro de 2010

Uma cidade sitiada

Por Clênio Sierra de Alcântara

Fonte:  rio.fot.br


Eu ainda não conheci o Rio de Janeiro pessoalmente. Para não dizer que nunca estive lá, demorei-me por alguns minutos no seu chão quando, voando de Brasília para o Recife, o avião fez escala ali. Faz alguns anos que isso ocorreu.

Ao lado de Abreu e Lima, cidade acanhada onde nasci e passei a maior parte de minha vida até aqui; de Igaraçu, que é o lugar onde ainda correm, alegres, lembranças de minha infância; de Olinda, onde vivi dias de tristezas, alegrias e descobertas - todas elas muito intensas -; do Recife, que me deu a matéria de minha formação intelectual; e de João Pessoa, que se incorporou definitivamente ao meu roteiro sentimental - e eu espero que muitas outras entrem algum dia nesse rol -, a cidade do Rio de Janeiro tem um significado muito especial para mim, porque, do mesmo modo que milhões de brasileiros, fui instruído por manuais escolares que contavam a história do Brasil a partir dali, como se essa cidade, que já foi capital do país, fosse o marco zero da nacionalidade.

Mas não foi apenas por causa desse aspecto que eu passei a carregar no cerne de minhas inquietações e fantasias intelectuais o Rio de Janeiro antigo - note-se bem: o Rio antigo. Talvez eu me perceba tão ligado a esse Rio por causa de certos personagens que nele habitaram. Ou por causa de certos acontecimentos nele havidos. Ou por causa de sua geografia deslumbrante. Ou será por causa de tudo isso?

Fiz todo esse preâmbulo algo enfadonho só para não ir direto ao ponto, que era abordar neste artigo o estado de sítio em que por ora se encontra o Rio de Janeiro que, no fundo, no fundo só foi - e é - uma "cidade maravilhosa" para os bens-nascidos.

Fonte: theurbanearth.wordpress.com

Todas as vezes em que atos de selvageria promovidos por bandidos e traficantes de drogas ganham proporções "inaceitáveis" - inaceitáveis para os padrões do Rio de Janeiro - nos complexos de favelas cariocas, os olhos do Brasil se voltam para essa cidade que, apesar de tudo, continua sendo o grande cartão-postal do país para estrangeiro ver. Nessas horas dramáticas o Estado, como que tomado por um furor de justiça, busca ao menos esboçar uma reação contra as ações ousadas dos destemidos criminosos. A quem culpar? O primeiro nome que vem à tona é o do ex-governador Leonel Brizola, porque ele é sempre apontado como aquele político populista que deixou que as favelas e, por conseguinte, o tráfico de drogas e outras ilegalidades atreladas a essa atividade, se alastrassem pelos morros e espaços outros do Rio.

Fonte: cafehistoria.ning.com
 
Não digo que o Brizola não mereça ser responsabilizado por isso. Ocorre que o Rio de Janeiro não se transformou no imenso favelão que é hoje do governo desse político gaúcho para cá. 


Foto de Augusto Malta, mostra os lotes de Copacabana junto ao Posto 6. Fonte flickr.com

Foto de Augusto Malta do Morro do Castelo. Fonte redecultura.ning.com

Foto de Augusto Malta, Avenida Central. fonte: copacabanadetoledo.blogger.com.br

A história da favelização do Rio de Janeiro teve início ainda nos anos finais do século XIX. Quem se dispuser a ler Os bestializados, do José Murilo de Cavalho, e A Revolta da Vacina, do Nicolau Sevcenko, tomará conhecimento da gênese da cidade excludente que tomou proporções absurdas no decorrer dos últimos cento e dez anos. Daquele Rio Belle Époque que perseguia mendigos, deficientes e "outros inconvenientes", quase que à maneira de uma carrocinha que recolhe cachorros vadios, passou-se à cidade dos dias atuais que permissivamente glamourizou a pobreza, representada pelo sem-número de favelas que o seu território   encerra; e que é conivente para com as ações criminosas dos traficantes de drogas e dos milicianos. Daqueles anos para cá muitos outros "Rios de Janeiro" se espalharam pelo país, porque, no Brasil, as coisas ruins têm uma capacidade absurda de disseminação.

É sabido que, onde o Estado não está presente, os criminosos estabelecem e impõem suas próprias leis - e ai daqueles que ousam desobedecê-las. Dessa forma, à população que reside nas favelas, que por si só já são ambientes degradantes, não resta outra alternativa que não seja a de se submeter aos desmandos desses bandidos.

Eu até hoje não consegui digerir o fato de o Comitê Olímpico Internacional (COI) ter escolhido o Rio de Janeiro como sede para as Olimpíadas de 2016. Os membros do COI podem entender de complexos desportivos, mas, pelo que se depreende com o caso da escolha do Rio, não sabem nada do estado de beligerância e de medo em que vive a população dessa cidade.

A inépcia do Estado para enfrentar a criminalidade é tamanha que apenas os superotimistas acreditam que os bandidos sairão perdidos dessa investida que ora se processa. Bandidos são como ratazanas: ou se trata de eliminá-los; ou eles tornam a sair de suas tocas no momento oportuno. A estratégia de repressão à criminalidade levada a cabo pelo Estado é falha porque ela não se dá de forma permanente. A pirotecnia que está-se vendo neste momento é só mais uma tentativa de intimidação temporária. As Unidades de Polícia Pacificadora (UPP's), creio, não serão duradouras.

Faz tempo que o Rio de Janeiro observa o seu patrimônio natural e cultural ser dilapidado ano após ano. Chegou-se a um ponto tal de amesquinhamento e barbaridade que os únicos itens de exportação dos cariocas para as outras "províncias" do país são a modalidade criminosa chamada "arrastão"; e aquela música e dança vulgares que eles dizem que é funk.

Pobre Rio de Janeiro! Enquanto a direita e a esquerda deste país digladiavam, como se uma e outra não fosse corrupta, golpista e sanguinária, tu sofreste com a pior coisa que existe no que diz respeito à administração pública, que é a omissão, que é o desprezo. E ainda tem gente que acredita que com seu contingente imenso de analfabetos, com seu número assustadoramente grande de assassinatos e com suas cidades de condições sanitárias precárias o Brasil é o melhor dos mundos.

Começamos muito bem o século XXI. Ah, como eu sinto saudades dos "pobres orgulhosos" do burlesco programa Central da Periferia! Pobre Rio de Janeiro! Pobre, pobre Brasil!

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