4 de junho de 2011

Pedagogia da ignorância

Por Clênio Sierra de Alcântara

Imagem Internet



Divulgou-se, com o devido barulho que o evento mereceu, que o Ministério da Educação (MEC) - saliente-se isso: o Ministério da E-du-ca-ção - chancelou a distribuição de um livro para escolas de todo o país que prima por preconizar o ensino incorreto da norma culta do nosso idioma aos alunos. Quem, em sã consciência, aprovaria uma obra que, em vez de ensinar o correto, celebra justamente o contrário?

O objeto que gerou tamanha celeuma foi o livro didático destinado ao Ensino Fundamental intitulado Por uma vida melhor que, entre outras pérolas, defende que a concordância verbal não é item de primeira necessidade para o usuário da língua portuguesa. Sob a justificativa canhestra de que o falante "tem de ser capaz de usar a variante adequada da língua para cada ocasião" e de  que as pessoas que não falam e escrevem corretamente são vítimas de "preconceito linguístico", seus autores atropelam o bom senso e contrariam o entendimento muito claro que diz que o aprendizado eficaz de um idioma se dá pelo conhecimento de suas regras-padrão de uso. Uma coisa é o fato defendido pelos grandes estudiosos que dizem que as línguas são elementos vivos aos quais não se devem pôr amarras, como as tentativas - até aqui, felizmente, frustradas - de se impor a exclusão de termos estrangeiros no uso do idioma - como se isso fosse possível -, sob a alegação de que a língua pátria deve ser preservada, como se as línguas fossem puras, como se as línguas - qualquer uma - não contivessem contribuições de outras. Outra coisa totalmente diferente é querer deturpar a norma culta, é fazer apologia do erro, como o faz aquele livro.
Não se compreende como um grupo de especialistas - pelo menos presume-se que sejam especialistas essas pessoas encarregadas de, todos os anos, avaliarem a enxurrada de obras que as editoras lhes enviam a fim de que, passando pelo seu crivo, possam ser recomendadas pelo MEC - aprovou e liberou a utilização em escolas de um livro cujo teor é tão daninho para a já quase universalmente combalida  educação brasileira. Que não se confunda a inadequação do tal livro para o ensino com uma afronta à liberdade de expressão. Não é nada disso. O que estou dizendo aqui é que o MEC errou ao aprovar e adquirir pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) - quem pagou por esses livros, caro leitor, fomos eu, você e toda a sociedade - uma obra que vai de encontro aos preceitos de uma pedagogia fundamentalmente esclarecedora. Que os autores desse Por uma vida melhor defendam suas ideias é legítimo e certo; o que não é aceitável é que o MEC pague por livros que não estão adequados com as diretrizes que o legitimam como órgão público encarregado de orientar e promover a melhoria da educação no país.

É sabido que um percentual elevado dos estudantes brasileiros só mantém contato com livros na escola. E isso talvez explique em parte os sucessivos fracassos que os estudantes do país amargam nos exames promovidos pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Como a maioria das escolas do Brasil ainda não conseguiu despertar em seus alunos o gosto pela leitura, continuarão eles tendo de manter uma visão estreita do mundo para além da sala de aula. Dito isso, não podemos de modo algum tolerar que escolas ofereçam aos seus alunos livros que os deseduquem, porque isso é retrocesso; porque agindo dessa forma, elas estão promovendo uma pedagogia da ignorância.

Não faço a mínima ideia do que moveu os especialistas do MEC a recomendarem a utilização dessa obra aos professores e estudantes. Será que o país já não tem muito o que corrigir na área da educação? Estou quase sendo levado a acreditar na cantilena que ouço desde que me entendo por gente, que diz que os políticos brasileiros querem manter o povo ignorante e alienado, porque assim é mais fácil nele pôr rédeas e conduzi-lo. Não, eu prefiro crer que o que ocorreu foi um grandíssimo equívoco; que os tais especialistas não foram pressionados para aprovarem tal obra; que entre eles não reina nenhum ranço contra as "elites" e suas "regras"; e que o MEC irá tratar de recolher tais livros das escolas aos quais eles foram distribuídos, afinal, o país já tem milhões de analfabetos; e as pessoas que vão à escola querem aprender o que é certo, não é mesmo?, porque, isso sim, é que pode lhes possibilitar  o alcance de "uma vida melhor".

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