29 de novembro de 2012

Patrimônio & Sociedade

Por Clênio Sierra de Alcântara


A razão de ser do patrimônio


Fotos: o autor do texto


As reflexões acerca do patrimônio histórico de uma cidade, estado ou país devem, a meu ver, ser consideradas de suma importância para a comunidade que o detém; tais reflexões precisam ser levadas até as pessoas que convivem com esse bem, que o tem no âmbito de seu cotidiano, para que elas compreendam a importância da preservação, para que elas mesmas reflitam e avaliem o papel do patrimônio na esfera do grupo social no qual elas estão inseridas.


Mestre Marcos Albuquerque entende como poucos a importância da preservação de patrimônios históricos
 

O meu estimado mestre Marcos Albuquerque


A mim me parece que não é fecundo manter uma política de preservação de patrimônios históricos com vistas apenas para que eles sirvam de ponto de visita para turistas. Não, o patrimônio deve fundamentalmente manter cumplicidade com o povo que o rodeia, com a comunidade que de uma forma ou de outra mantém um contato mais próximo com ele e que de alguma maneira o vigia e protege. Não acredito que possam ser eficazes medidas de preservação de bens históricos, artísticos e culturais que excluem de seus debates o homem comum, o morador da localidade e até mesmo aqueles que passam diariamente pelo patrimônio e não o enxergam como tal.

Acredito que todas as iniciativas que visem à salvaguarda desses bens têm de manter um diálogo constante com a sociedade a fim de instruí-la, de fazê-la ver que, quando se protege um patrimônio histórico, está-se, também, protegendo os valores dela própria, visto que tais patrimônios nada mais são do que elementos integrantes não de uma história particular, mas de uma história coletiva, que foi construída à custa de vários atores sociais. E ao instruí-la deve-se incutir nela a certeza de que, quando um patrimônio histórico desaparece da paisagem – seja ela urbana ou rural -, apaga-se efetivamente um pouco de todos nós, perde-se parte preciosa de nosso passado, eliminam-se passagens de nossas vidas.

Patrimônio histórico não é enfeite de paisagens. Patrimônio histórico não é obstáculo para o desenvolvimento das cidades e dos lugares onde foram erigidos. Patrimônio histórico não é algo supérfluo e dispendioso. Patrimônio histórico não é coisa que se deva tratar com desdém. Patrimônio histórico é efetivamente – e não devemos nunca esquecer isso - o testemunho concreto de uma vivência que nos foi legada, que nos foi transmitida a fim de que pudéssemos conhecê-la, compreendê-la e, se possível, preservá-la para gerações vindouras.


Preservar é preciso


A praça de armas do Forte Orange com a capela ao fundo


No último dia 19 de novembro eu vivenciei – em dois lugares bem distintos – duas experiências que tiveram o patrimônio histórico, artístico e cultural como protagonista.

Pela manhã eu fui prestigiar a reabertura da Fortaleza de Santa Cruz ou Forte Orange, localizada na Ilha de Itamaracá, litoral norte de Pernambuco. Essa fortaleza foi construída pelos portugueses em 1686, sobre as ruínas da que fora erigida pelos holandeses em 1631, daí por que é conhecida por aqueles dois nomes. Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1938, o monumento estava fechado havia dois anos para que fossem executados vários serviços com vistas a manter a integridade do edifício, como descupinização, revisão das instalações elétricas, sinalização dos elementos constitutivos – terrapleno, praça das armas, poço, baluartes, etc. -, instalação de passarelas e eliminação de goteiras. Também houve o cuidado de treinar um grupo de monitores a fim de que eles recebam os visitantes com informações as mais variadas sobre a fortaleza. Frederico Almeida, superintendente do Iphan-PE, esteve no ato de reabertura e destacou que os trabalhos de revitalização do monumento não foram concluídos, o que ocorrerá somente quando o Iphan conseguir captar mais recursos para tanto.



O terrapleno da fortatleza






Outro aspecto de armas



Naquela manhã ensolarada tive o prazer de encontrar entre os convidados da cerimônia o meu querido mestre Marcos Albuquerque, um arqueólogo mais do que apaixonado pelo seu ofício e que, inclusive, já escavou as áreas que compreendem o Forte Orange, tendo a primeira prospecção sido realizada nos idos da década de 70 e a segunda há cerca de dez anos. Cumprimentei-o com o maior dos entusiasmos porque ele continua sendo uma das minhas maiores referências. E por um breve momento revivi, naquele dia, as aulas de campo que tive com ele durante a graduação na Universidade Federal de Pernambuco; isso porque ele percorreu as dependências da fortificação explicando, com seu didatismo admirável, os elementos da construção em si, que está situada na entrada sul do Canal de Santa Cruz, local onde teve início a colonização do Nordeste do Brasil, e a lógica defensiva portuguesa numa área de rico ecossistema.



Visitantes num dos baluartes










Um seteira do corredor da guarda

Poço da praça de armas











Compartilho com mestre Marcos Albuquerque a opinião de que o cuidado para com o patrimônio histórico deve ser uma tarefa contínua, permanente, porque a manutenção periódica evita que ele sofra graves problemas de degradação e não dependa de verbas vultosas para ser recuperado. Ou seja, sai muito mais barato prevenir a ruína do que remediá-la.









Monitores passando informações aos visitantes




Vendo aquelas poucas pessoas percorrendo as dependências do Forte Orange – ainda por cima, a maioria dos que ali estavam, era composta de autoridades e jornalistas – naquela manhã eu pensei detidamente no que me falara o professor Marcos Albuquerque a respeito de educação patrimonial; ele dissera assim: “Você só pode preservar o que conhece. A grande questão é motivar”. Não sei qual foi o alcance da divulgação do evento no seio da população, em geral, e da que habita a Ilha de Itamaracá, em particular; o fato é que o povo não estava ali; foi como se aquele acontecimento não lhe dissesse respeito e não tivesse nenhuma importância.




Educação patrimonial


O meu compromisso na noite daquele dia 19 de novembro – Dia da Bandeira, dia do aniversário do meu admirado amigo Zé do Carmo, um artesão que é reconhecido por lei como Patrimônio Vivo de Pernambuco – foi com um evento promovido pela Diretoria de Memória, Educação, Cultura e Arte (Meca), da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), que teve lugar no cinema que essa instituição mantém há mais de dez anos – não vou perder a oportunidade de registrar aqui que considero o Cinema da Fundação uma das melhores coisas do Recife – no seu anexo do bairro do Derby, na capital pernambucana.

Tratou-se do lançamento do dvd Conhecer para preservar – educação patrimonial, composto de quatro programas, e que foi fruto de uma parceria do Iphan-PE com a Fundaj, através da Massangana Multimídia. Na ocasião pudemos assistir ao programa 4 intitulado “Patrimônio, pra que te quero?” – os demais abordam as seguintes cidades: 1- Goiana; 2- Igaraçu; 3 – Cabo de Santo Agostinho/Ipojuca.









Antes da exibição do vídeo – a minha avaliação do programa é de que ele cumpre a função a que se destina; mas eu teria enfatizado mais o discurso da necessidade de preservação do patrimônio – houve os discursos de praxe. Silvana Meireles, diretora da Meca, destacou que “Não adianta uma campanha de preservar por preservar sem que as pessoas compreendam que o patrimônio faz parte de sua via, sem que elas vivenciem uma cidadania cultural”. Quando chegou a sua vez de falar, Frederico Almeida disse que “O conhecimento é fundamental para que se desenvolva um sentimento de pertença. A gente tem de criar instrumentos que divulguem a questão do patrimônio. A gente tem de buscar minimizar o impacto do desenvolvimento sobre o patrimônio. A gente tem de levar o patrimônio para o cotidiano das pessoas”.

Talvez, se vivenciássemos de fato uma política que difundisse uma educação patrimonial, não daríamos de cara com tantos flagrantes de desrespeito para com o patrimônio histórico, artístico e cultural como são vistos em nossas cidades. Ainda naquele dia, e comentando esse assunto, o professor Marcos Albuquerque fez uso de uma imagem que considerei bastante apropriada: “Não conheço nenhuma árvore que nasceu árvore. Toda árvore nasceu de uma semente”.

A arquiteta italiana Gaetana Aulenti, que faleceu recentemente, certa vez declarou que “Nenhum objeto do ser humano, seja um monumento, seja uma cabana, pode se esquivar de seu relacionamento com a cidade, local de representações da condição humana”. Considerarmos de fato a cidade – a cidade como um todo, não somente a nossa casa – como um lugar de morada implica em querer fazer dela o melhor dos mundos, implica em querer protegê-la de todas as agressões que visem a desfigurá-la, foi o que depreendi da reflexão feita por Gaetana.

Penso que o compromisso da sociedade para com a proteção de seu patrimônio histórico, artístico e cultural deve permear seu cotidiano como se fosse uma ordem natural das coisas.











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