6 de dezembro de 2012

Um velho gato de olhos azuis: entrevista com Edson Nery da Fonseca


Por Clênio Sierra de Alcântara


Fotos: autor do texto


Se tem uma coisa que Edson Nery da Fonseca não suporta de maneira nenhuma é a mediocridade. Talvez isso se deva pelo fato de ele ter convivido com figuras de grande expressão, como Gilberto Freyre, Manuel Bandeira, Álvaro Lins e Otto Maria Carpeaux. Esse repúdio à mediocridade já lhe causou certos reveses, porque mais de uma vez ele não se furtou a expô-la publicamente.

Muito amigo dos livros – sua biblioteca invejável foi vendida há alguns anos ao Instituto Ricardo Brennand -, um dos papas da Biblioteconomia no Brasil, gilbertólogo dos mais respeitados e bandeiriano devoto, Edson Nery da Fonseca passou a maior parte de sua vida preparando publicações, formando bibliotecários e lendo, lendo muito. Suas grandes paixões incluem ainda Thomas Edward Shaw, o Lawrence da Arábia; música clássica, Thomas Merton e a vida monástica – ele é oblato; e mora nas proximidades do Mosteiro de São Bento, em Olinda.

Autor de mais de uma dezena de títulos, como Alumbramentos e perplexidades (1ª ed. 2002, 2ª ed. 2009), Bibliotecas e bibliotecários da província (1959), Gilberto Freyre de A a Z (2000), Estão todos dormindo (2010) e o saboroso livro de memórias Vão-se os dias e eu fico (2009), Edson Nery da Fonseca, que está prestes a lançar mais uma obra, hoje contempla a vida lançando seus olhos azuis para os gatos que passeiam pela casa como se fossem os donos dela; enfrenta, às vezes com valentia, às vezes com manha, os achaques da velhice; e está quase sempre bem disposto para uma boa conversa.

Na tarde do dia 25 de outubro passado eu fiz mais uma de minhas habituais visitas a ele; e o entrevistei com o propósito de publicar suas declarações neste dia 6 de dezembro, dia em que ele completa noventa e um anos de idade.

Edson Nery da Fonseca, com seu porte e com toda luz de conhecimento que irradia, é uma espécie de farol fincado naquele ponto alto da velha Marim dos Caetés.

                                      

O senhor é devoto de São Bento. Por que esse santo?
Pelo fato de ter sido São Bento quem codificou a vida religiosa, que era egoísta, individualista. Ele fundou Monte Cassino, que foi o primeiro mosteiro. Além disso, São Bento tornou a vida religiosa menos agressiva; ele foi compreensivo; os outros eram muito intransigentes.

Alguns livros de toda a vida.
A Bíblia; o Journal, de André Gide; Agonia do Cristianismo, de Miguel de Unamuno; e o Desepero humano, de Kierkegaard.

O que sente estando próximo de completar noventa e um anos de idade?
A grande satisfação deter sido sempre fiel a mim mesmo e nunca ter pensado em me casar, embora não tenha me faltado candidatas.








 O que os gatos significam para o senhor?
Uma fidelidade à memória de minha mãe, que adorava gatos; e o fato de os gatos serem animais silenciosos, porque hoje, mais que tudo, eu gosto do silêncio; eu não suporto animais barulhentos, não gosto do latido dos cães.

Uma grande saudade.
Do Rio de Janeiro do tempo em que eu lá vivi. Foram os dias mais felizes da minha vida os anos em que estudei no Rio de Janeiro, isto é, de 1946 até alguns meses de 1948, a pedido de Otto Maria Carpeaux.

Qual foi a viagem mais inesquecível?
A mais inesquecível foi a viagem de ônibus de Louisville, no Kentucky, até Gethsemani, pela própria paisagem local muito bonita, lembrando velhas canções americanas, e pelo tão desejado encontro com a vida cisterciense, especialmente pelo conhecimento pessoal de Thomas Merton.

Por que o Leite é o seu restaurante preferido?
Porque foi no Leite que eu conheci pessoalmente Gilberto Freyre.

Qual seria a trilha sonora de sua vida?
“Tocata e fuga em ré menor”, de Bach; “Nabuco”, de Verdi; e “Scherzo nº 2”, de Chopin (disse cantarolando esta última).

Afora a vida monástica o que o senhor lamenta não ter podido vivenciar?
Nada mais.

Um retrato de Odilon Ribeiro Coutinho.
Odilon era um homem que tinha a mesma sede de saber que eu tinha, as mesmas admirações. Eu tinha inveja de ele poder comprar tudo o que queria. Às vezes entrávamos na Livraria Imperatriz e ele comprava vários livros. Eu ficava assim, com o olhar de pidão, e ele me dava alguns. Ele era educadíssimo. Só tinha uma coisa que eu não gostava dele: ele era muito mulherengo. Tinha uma esposa tão bonita, não precisava disso. Mas como todo bom usineiro...

Em algum momento a homossexualidade o oprimiu?
Não. Posso até dizer que me orgulho de ser homossexual, porque não segui a trilha de todos: casar e ter filhos. Sou católico e faço muitas promessas a Deus, mas nunca pedi para deixar de ser homossexual.

Qual foi a sua maior conquista?
Eu nunca quis conquistar nada. O que eu posso dizer é que me orgulho de ter sido convidado a lecionar na Universidade de Brasília por um homem da categoria de Darcy Ribeiro.



Ler é...
Uma lição para a vida.

O homem Gilberto Freyre.
Um homem que procurou compreender tudo na vida.

Qual o seu maior medo?
Medo de trair a mim mesmo.

Um grande amor.
A pessoa que eu mais amo é o Cláudio.

Um poema que define o senhor ou a sua vida.
“Ode”, de Augusto Frederico Schmidt (disse isso e declamou todo o poema).

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