31 de janeiro de 2013

Prostituição, poluição e tubarão

Por Clênio Sierra de Alcântara





Numa das vezes que me deu carona, ao sairmos da faculdade, o meu saudoso e querido amigo Valdemir Machado me disse que, se havia uma coisa das viagens de ônibus de que ele sentia falta era de ouvir os assuntos do momento através da boca do povo; ele considerava o falatório que se ouve nesse meio de transporte coletivo um verdadeiro canal de notícias.

Estava eu no Largo do Varadouro, em Olinda, no domingo retrasado – as ladeiras do sítio histórico ferviam com os batuques animados e anunciadores do Carnaval desde então -, à espera de um ônibus, quando fiquei a ouvir o que dizia um senhor, que tinha lá os seus 50 anos de idade, a um rapaz que se encontrava sentado ao seu lado.

Com um semblante de quem parecia estar bastante insatisfeito, o homem principiou seu discurso reclamando do que ele denominou de “problema de mobilidade” do Recife. Disse que o Recife sofria e sofre com isso há muito tempo; que o metrô de superfície existente na cidade não é suficiente e nem adequado; e que o sistema de ônibus adotado pelo município não atende à demanda da população. Quase sem tomar fôlego falou que passara cerca de vinte anos fora de Pernambuco e essa situação não mudara em nada. E, enfático, disse assim para o rapaz que parecia ouvi-lo muito atentamente: “Você sabe que as agências de viagens do Sul e Sudeste fazem recomendações para que as pessoas não venham para cá? Elas dizem: ‘Não vá, porque você vai se arrepender’. Elas dizem isso por causa de três coisas: a prostituição, a poluição e o tubarão. É, meu amigo, é assim”.

Eu, que a esta altura me encontrava já cansado, esperando de pé pelo meu ônibus que se demorava, ainda assim muito lamentei o fato de aquele senhor ter corrido para embarcar num coletivo superlotado, porque o que eu queria era continuar ouvindo sua fala-protesto.

O homem partiu e o trinômio prostituição+poluição+tubarão, por ele anunciado, ficou martelando meu juízo, como uma incômoda dor de cabeça. Ainda que eivado de uma dose potente de insatisfação, podemos dizer que o discurso desse cidadão foi até generoso para com o verdadeiro diagnóstico do quadro situacional do Recife. E, como está se iniciando uma nova administração municipal, considerei bem oportuno tomar a fala daquele desconhecido como mote para este artigo.

Um diagnóstico preciso do estado doentio em que se encontra o Recife certamente incluiria a poluição – creio que a capital pernambucana lidera o ranking das mais sujas do país e também o das que menos cuidam do seu meio ambiente -, a falta de mobilidade – administrações passadas pensaram que alargando avenidas iriam acabar com os congestionamentos massacrantes que se verificam em vários pontos da cidade -, a degradação de sua área central – é lamentável e ao mesmo tempo vergonhoso constatar que sucessivas administrações não conseguiram nem ao menos recuperar as calçadas de algumas das ruas mais tradicionais dessa urbe -, o desprezo para com as carências de seus subúrbios – alguns subúrbios recifenses são a própria cara da miséria e do descaso - e o abandono do seu patrimônio histórico – alguém aí já foi ver o estado em que se encontram a Casa da Cultura e o seu entorno, só para ficarmos nesses dois exemplos?


Eu não incluiria nesse diagnóstico a prostituição porque, a meu ver, prostituição é uma  atividade profissional existente em quase todos os lugares do mundo; o que deve ininterruptamente ser atacada por todas as frentes é a exploração sexual - de adultos, adolescentes e crianças -, se porventura ela exista nessa cidade, porque, isso, sim, é crime, e crime dos mais abjetos. Eu também não incluiria nesse levantamento a existência dos tubarões nas praias, porque, que vem ao Recife não vem necessariamente em busca de sua nesga de orla; em termo de praias os turistas buscam outros destinos, como os balneários dos litorais norte e sul pernambucanos, entre os quais figuram a Ilha de Itamaracá e Ipojuca; além do que, não se vai dar cabo dos tubarões por causa do turismo, faça-me o favor.

Nos dias que se seguem o Recife encontra-se mergulhado no maior dos frenesis em virtude dos festejos de Momo. Mas o Carnaval é muito breve. Despido de suas fantasias e de suas maquiagens, o Recife logo se verá novamente diante da crueza de uma realidade que dirá que ele está por aqui de problemas.

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