14 de fevereiro de 2013

Decifrando Ingá


Por Clênio Sierra de Alcântara



“Lá pras bandas do Ingá
Há uma pedra lavrada
Lá na ribeira onde está
Perfeitamente talhada
Provoca reflexões
E invoca concepções
A todos que forem lá”.
                   A Pedra do Ingá na visão de um sertanejo. Vanderley de Brito


       Especialmente para Antenor Vieira de Melo, que faleceu anteontem





Relatos nos dão conta de que não existe um consenso no que diz respeito aos fundadores desta pequena cidade paraibana localizada a cerca de 97 km de João Pessoa. Uns dão como certo que o português Manuel da Costa Travassos obteve, em tempo muito remoto, autorização para explorar aquelas terras, tendo ali fixado residência, dedicando-se à agropecuária. Sob seu mando foi erigida uma capela tendo Nossa Senhora da Conceição – que se tornaria a padroeira do município – como orago. Em torno da capela o povoado foi se desenvolvendo, passando à categoria de vila com o nome de Vila do Imperador (Lei provincial nº 6, de 3 de novembro de 1840).

Outra vertente explicativa da origem de Ingá, diz-nos que, já em meados do século XVII, ali residiam e/ou possuíam fazendas de criação Francisco de Arruda Câmara, Gaspar Correia e Cosma Tavares Leitão, viúva do sertanista Teodósio de Oliveira Lêdo. Para o lugar fora atraído, em 1776, Manuel Francisco, o descobridor do Rio Cairaré que, tendo obtido uma porção de terra às margens desse rio, ali fixou moradia e currais, vindo, então, a constituir o povoado que mais tarde passaria à condição de vila, com o nome citado de Vila do Imperador, tendo, em 1864, pela Lei provincial nº 3, assumido a denominação de Ingá.

Por força da Lei estadual nº152, de 18 de maio de 1900, o município foi suprimido, tendo sido restabelecido pela de nº 225, de 19 de novembro de 1904. Nas divisões administrativas do Brasil concernentes a 1911 e 1933, a cidade figura integrada por um distrito apenas, o da sede. De acordo com as divisões territoriais de 31/12/1936 e 31/12/1937, bem como com o quadro anexo ao Decreto-lei estadual nº 1.010, de 30 de março de 1938, o município apareceu dividido em quatro distritos: Ingá, Riachão do Bacamarte, Cachoeira de Cebolas e Serra Redonda. Na divisão territorial mencionada, de 1936, Ingá figura como termo judiciário da comarca de Itabaiana; enquanto que, na do ano seguinte, e de conformidade com o quadro anexo citado, e no territorial fixado para vigorar no quinquênio 1939-1943, pelo Decreto-lei estadual nº 1.164, de 5 de novembro de 1938, o termo judiciário aparece subordinado à comarca de Campina Grande, sendo que, por este último Decreto e o de nº 520, de 31 de dezembro de 1943, que apresentou o quadro territorial a vigorar no quinquênio de 1944-1948, continuou idêntica a formação distrital, devendo-se, contudo, ser observado que, desde o estabelecimento do quinquênio 1939-1943, o distrito de Cachoeira de Cebolas possui nova designação – Itatuba.

Foi o Decreto-lei estadual nº 39, de 10 de abril de 1940, que criou a comarca de Ingá, abrangendo somente um termo, o da sede, desligado da de Campina Grande. O distrito de Pontina, que não figurava no quadro territorial vigente no quinquênio 1944-1948, apareceu no relativo a 1949-1953, fixado pela Lei nº 318, de 7 de janeiro de 1949, ficando o município com os seguintes distritos: Ingá, Itatuba, Riachão do Bacamarte, Serra Redonda e Pontina. A Lei estadual nº 992, de 17 de novembro de 1953, criou a cidade de Serra Redonda, por fracionamento do território de Ingá.








Não fosse por um e outro elemento encontrado nas fachadas de algumas casas e nas de alguns estabelecimentos comerciais, dir-se-ia que a acanhada Ingá está parada no tempo. Percorri várias das ruas dessa cidadezinha na tarde do dia 14 de outubro passado, depois de ter enfrentado uma estrada bastante danificada, cujo acesso é feito pela BR 230.
As primeiras coisas que chamam a atenção do visitante que vai entrando nessa cidade são o mundão de terra, as serras que a envolvem e a presença marcante do universo rural no território urbano, nos levando a crer que esses espaços convivem de maneira muito harmoniosa.
É na Praça Antenor Navarro que se encontra a imponente Igreja de Nossa Senhora da Conceição. E nas ruas do seu entorno podemos contemplar um bonito casario que é testemunho do tempo em que Ingá, com sua famosa “Pedra lavrada”, servia de ponto de referência para os que demandavam o sertão da Paraíba, através de suas primeiras estradas.




Mirando as fachadas de algumas das residências - e as de outros templos católicos que lá existem – verifica-se que os antigos moradores do lugar caprichavam na feitura externa de suas moradas. Tudo ali é simples e nos diz que a simplicidade também tem o seu quinhão de beleza.








Ingá, palavra de origem tupi que significa, segundo Coriolano de Medeiros, “cheio d’água”, é o nome de uma árvore – também chamada de ingazeira e ingazeiro – bem como o do seu fruto. Curiosamente a planta que tem o mesmo nome da cidade não é encontrada com facilidade nesse lugar – encontrei um exemplar ao lado do Museu de História Natural que, apesar da denominação pomposa, precisa melhorar e muito sua infraestrutura a fim de bem receber os que o procuram.

Foi a fama da “Pedra lavrada” – ela é protegida pela Lei federal nº 3.924 de 1961 – que me conduziu até Ingá. Trata-se de uma impressionante pedra que se encontra no curso do Rio Bacamarte – na época das cheias, como pude verificar em fotos, ela chega a ser encoberta pelas águas – e que contém desenhos feitos, segundo estudiosos, por paleoíndios que habitaram a região há cerca de 6.000 anos.




O tal Museu de História Natural, instalado num casarão, em que pese a importância da “Pedra lavrada” ou “Itacoatiara de Ingá” – itacoatiaras são gravuras em rochas nos leitos dos rios -, que ele, em tese, protege, apresenta-se ainda com várias deficiências – a bem da verdade a própria cidade peca no que diz respeito a acomodações para os visitantes: onde estão os hotéis e pousadas de qualidade para hospedar turistas e estudiosos? Onde estão os bons restaurantes e lanchonetes? Sem apresentar nada de satisfatório, infelizmente, a cidadezinha apresenta-se tão-somente como um lugar de passagem, como um lugar no qual os visitantes não se demoram – para recepcionar os turistas e estudiosos oriundos de diversas partes do Brasil e do exterior, conforme os registros do livro de visitas que consultei. O museu – a tal pedra fica por trás dele – expõe ossos de megatério (bicho-preguiça pré-histórico), toxodonte e de tatu gigante; além de pedras polidas. (Quero aproveitar esse espaço para repudiar publicamente uma prática que eu já tinha visto antes num pequeno museu do Cabo de Santo Agostinho, aqui em Pernambuco. As plaquinhas indicativas de cada elemento do acervo do museu de Ingá traz a propaganda da empresa que as fabricou - e/ou doou - de modo nada discreto, pelo contrário, a propaganda quase se sobressai à informação que o visitante busca.)













 
 
 






 

Principais atrações turísticas de Ingá, o Museu de História Natural (MHN) e a “Pedra lavrada” encerram uma “disputa” que, a meu ver, não tem cabimento. No dia em que eu lá estive encontrei o MHN fechado, mas, do lado de fora, vendendo lanches e alguns suvenires, estava uma senhora chamada Cecília Alves, que mora no centro da cidade. Bem falante e cheia de energia, Cecília me falou que começou a “tomar conta” do lugar durante a administração do prefeito Antônio Burity, há mais de vinte anos; que ela ia  para lá todos os dias – e continua indo -, mesmo no tempo em que ainda trabalhava como merendeira de uma escola estadual. Ocorreu que o prefeito Luiz Carlos Monteiro, cujo mandato encerrou-se em dezembro passado, quis que coubesse à Prefeitura a administração do MHN e, de acordo com Cecília, começou a hostilizá-la, tendo o caso ido parar na Justiça.
Depois de ouvir a Cecília Alves, tratei de escutar a versão narrada pelo Luís da Silva, um rapaz muito simpático e atencioso que foi contratado pela Municipalidade para abrir e fechar o MHN – fui chamá-lo para que entrássemos no museu – e ainda fazer sua vigilância noturna – ele mora uma casa que fica ao lado, a bem dizer, quase defronte ao portão de entrada do MHN; e nela mantém uma loja de artesanato. Ele me contou que os antigos proprietários das terras cogitaram dinamitar a “Pedra lavrada”: “Eles só preservaram porque acharam ela muito bonita”, completou. A respeito da questão envolvendo a Prefeitura e a Cecília Alves com quem, aliás, ele não estava falando, me disse que o grande problema era que, por ter ficado tanto tempo tomando conta do lugar – e isso sem receber salário da Municipalidade, mas podendo comercializar ali -, ela, segundo ele, quer se portar como dona da instituição o que, claro, não tem cabimento nenhum.
Novamente conversando com a Cecília Alves, falei que o correto seria que ela tivesse recebido uma indenização por parte do Governo Federal, como compensação pelos anos todos que ficou zelando pelo local. Também lhe falei que não adiantava ficar intrigada com o Luís, porque ele estava ali como empregado da Prefeitura, e não para confrontá-la.






Ter ido conhecer Ingá me proporcionou entrar em contato com mais uma realidade no que diz respeito à preservação do patrimônio histórico neste país. O caráter mambembe, a estrutura deficiente e o próprio episódio envolvendo a Cecília Alves dizem muito da precariedade com que boa parte de nosso valioso patrimônio é tratada. A “Itacoatiara de Ingá” é algo magnífico, espantoso e deve ser protegido de fato e não apenas por força de uma lei que só lhe dá garantia de proteção apenas no papel.

Cecília Alves, apesar de sua inconveniente reivindicação de “dona do lugar” – e talvez justamente por isso – deveria receber uma grande e merecida homenagem advinda do Ministério da Cultura porque, não tenho dúvida, sua presença ali, naquele sítio, ajudou a preservar o precioso patrimônio.




Por outro lado, é preciso que a Municipalidade envide esforços no sentido de dotar Ingá de uma infraestrutura condizente com a importância que o lugar tem dentro do mapa turístico paraibano. Turistas gostam de ser bem recebidos, de ver os locais de visitação asseados, de experimentar comidas típicas, de descobrir algo fora dos roteiros propagandeados, de, enfim, sentir que o lugar que ele buscou conhecer esteve todo o tempo sendo preparado para recebê-lo.



5 comentários:

  1. Gostaria de saber o ano que morreu António targino Alves em Serra Redonda, e o ano que ele casou em inca.

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  2. Gostaria de saber a origem da Família FRANÇA Ramos naturais de Inga Paraíba

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  3. Existe algum livro que conte a história da Vila de Ingá?

    Estou estudando minha familia, e descobri que migramos de Serra Redonda. Queria me aprofundar no assunto.

    meu e-mail - enaze01@yahoo.com.br.

    Grato

    Eduardo Azevedo

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  4. Boa tarde! eu escvevi tres livros sobre o municipio do Ingá.

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    1. Amigos, você tem algo sobre os Cordeiro Benevides, de ingá?
      Sabe dizer a qual cidade pertencia ingá quando ainda se chamava vila do Imperador?
      Q

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