9 de agosto de 2013

Feiras livres (7)

Por Clênio Sierra de Alcântara

Fotos: Ernani Neves


Centro (Bonito – PE). Pontuando as cidades do Nordeste como eventos de forte apelo agregador de comunidades, as feiras livres são muito mais do que aglomerações de comerciantes e compradores; elas representam o dinamismo comercial dos lugares, mas também revelam elementos da formação socioeconômica e cultural do povo que para elas acorre. As feiras livres servem como palcos para apresentação de folguedos populares e de artistas anônimos – quem nunca viu pelo menos um cantador empunhando uma viola e circulando entre o povão, à espera de ganhar uns trocados? -; políticos em campanha costumam percorrê-las distribuindo santinhos; os alto-falantes das rádios comunitárias, bastante comuns no espaço das feiras, além de tocarem as músicas da moda, dão notícias e prestam serviços de utilidade pública – anunciam, por exemplo, documentos achados e perdidos – aos feirantes e aos seus fregueses; ou seja, existe toda uma estrutura mais do que econômica a movimentar a engrenagem de uma feira livre, o que faz com que, em muitos municípios, elas figurem como o principal acontecimento social, rivalizando até com as festividades religiosas da localidade.




Conheci a feira livre de Bonito, cidade que fica a cerca de 136 km do Recife, no dia 9 de março passado. Era um sábado; justamente o principal dia da feira.












À medida que fui adentrando naquele terreno eu considerei bastante inadequada a disposição de vários bancos de madeira cobertos com telhas do tipo brasilit, instalados no espaço de maneira fixa, como se fossem barracas. E para completar o quadro de desorganização e inadequação, a área ocupada pelos feirantes é cortada, de uma ponta a outra, por um canal largo onde é despejado esgoto. A Municipalidade, ao mesmo tempo que buscasse estabelecer uma ordem naquele espaço, deveria pelo menos cobrir todo o canal com placas de concreto de maneira que todos, feirantes e visitantes, não se vissem afrontados por tamanha imundície.















Digno de nota é a quantidade de bancos que comercializam carnes. E olhe que logo na entrada da feira existe um mercado público que só põe à venda esse produto. O cenário me fez inferir que os bonitenses, além de serem os maiores produtores de inhame de Pernambuco, devem figurar entre os que mais consomem carne também.











Como quase todas as feiras livres nordestinas, a de Bonito tem de tudo um pouco – ou de muito, no caso das carnes -: frutas, legumes, cereais, roupas, calçados, verduras, utensílios domésticos, temperos, bolos, queijos... Uma profusão de coisas que aguçam todos os nossos sentidos.












Ronaldo de Melo, que negocia com frutas há muitos anos na feira, me contou que antes de ser transferida para o atual local,ela era armada ao longo da Av. Dr. Alberto de Oliveira, que é uma das principais artérias da cidade. Saudoso, ele recordou um tempo em que a feira fervilhava de gente: “Depois que a fábrica de suco da Maguary fechou, o movimento aqui caiu muito. Isso não era assim, não”.












Muito provavelmente o local da primitiva feira de Bonito é o que foi ocupado pelos prédios e pela Av. Dr. Alberto de Oliveira. Cidade que abriga ainda hoje muitas fontes de água, Bonito devia atrair um grande número de tropeiros que buscavam aquelas paragens para se abastecerem com víveres e com o líquido precioso, durante os deslocamentos entre o sertão, o agreste e a Zona da Mata pernambucanos.







Narra Sebastião de Vasconcellos Galvão, no seu necessário Dicionário corográfico, histórico e estatístico de Pernambuco, que partidários da revolta que ficou conhecida como Quebra-quilos, invadiram Bonito em 19 de dezembro de 1874, no mesmo ano em que o movimento eclodiu no interior da Paraíba e se espalhou pelo Rio Grande do Norte e por Alagoas. Como se sabe o Quebra-quilos foi um levante popular contra o sistema de pesos e medidas imposto pelo Governo Imperial. A Lei nº 1.157, que implantou o sistema métrico francês em todo o país, foi decretada em 26 de junho de 1862; e estabeleceu um prazo de dez anos para o aprendizado do novo sistema. Ocorreu que as periferias do Império – principalmente as províncias nortistas – não tomaram pleno conhecimento dessa iniciativa “modernizadora” dos padrões então vigentes, de forma que as classes populares se sentiram afrontadas com um sistema que chegava querendo eliminar suas arraigadas tradições. Os revoltosos não invadiam apenas as feiras livres e os estabelecimentos comerciais com o fito de destruir e quebrar os instrumentos de medição – os quilos, daí o nome pelo qual ficou conhecido o movimento. Houve casos em que os manifestantes adentravam em Câmaras Municipais, coletorias e cartórios para pôr fim a documentos como listas de impostos e hipotecas.












A feira livre de Bonito precisa passar por uma intervenção séria a cargo da Municipalidade. Uma cidade que figura entre os principais destinos turísticos de Pernambuco por causa de sua natureza exuberante, não deve abrigar uma feira livre na qual o esgoto corre a céu aberto num canal fétido e medonho, porque isso é um desrespeito para com os turistas e, principalmente, para com o povo bonitense.


2 comentários:

  1. Esse esgoto a céu aberto era antigamente um riacho natural, de água limpa. O ser humano que destrói tudo com sua ignorância e falta de consciência c o meio ambiente.

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  2. Más tem uma parcela de omissão da prefeitura, é óbvio. Onde estava a Prefeitura, quando no começo de toda desorganização, não interviu?

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