15 de outubro de 2013

A Ilha de Itamaracá não é um monturo!



Por Clênio Sierra de Alcântara

Fotos: Ernani Neves


Em sua seção “Voz do leitor”, o Jornal do Commercio publicou, no último dia 19 de março, uma reclamação da senhora Margarete Cristina P. Santos. Intitulada “Acesso a Itamaracá continua precário”, a mensagem da leitora inicia-se deste modo: “Como veranistas da Ilha de Itamaracá, infelizmente ainda não vimos a que veio o novo prefeito. A ilha continua muito abandonada [...]”. E seguiu Margarete Cristina com seu rosário detendo-se única e exclusivamente num ponto: a falta de manutenção da estrada que dá acesso à porção norte da ilha, que sequer é pavimentada.

Quando li o depoimento da leitora Margarete, meu pensamento fez um link com o artigo “Políticas de verão”, de Adriana Méola, publicado pela revista República em fevereiro de 1998. Construído de maneira bastante clara – e até didática eu diria -, o texto de Adriana aborda a difícil realidade de vários balneários brasileiros, como Guarujá (SP), Armação de Búzios (RJ) e Porto Seguro (BA), superprocurados no verão e nos feriados, para abrigarem levas e mais levas de turistas sem possuírem infraestrutura para tanto. Ela destacou casos em que o lugar, sem ter como suportar a população flutuante, ficou sem água e luz, com trânsito congestionadíssimo e filas gigantescas até para comprar pão.


Início da Rodovia PE-1, conhecida como Estrada do Forte



Embora não tenha entrado na lista dos balneários analisados por Adriana Méola, a Ilha de Itamaracá, que é um dos municípios que integram a Região Metropolitana do Recife – dista a cerca de 50 km da capital – e está situada no litoral norte pernambucano, apresenta quase que os mesmos problemas enfrentados por aqueles outros destinos turísticos. Na alta estação a população da ilha praticamente quadruplica; e com isso, nós – resido em Itamaracá há quase treze anos -, moradores do lugar, pagamos o pato com o racionamento de água, lixo em abundância nas ruas, barulho infernal de pessoas que desrespeitam as leis e deixam o som ligado nas alturas noite adentro, e trânsito caótico.

A ausência de saneamento básico, o racionamento de água e o acúmulo de lixo são, a meu ver, os pontos mais críticos dessa equação aterradora. De um lado está a Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa), uma das estatais mais execradas pela população devido ao rol de malfeitorias por ela capitaneado: a Compesa não executa com eficiência a instalação de redes de esgoto; a Compesa promove racionamentos absurdos de água; a Compesa não atende de pronto quando acionada para conserto de vazamentos e canos estourados; a Compesa escava ruas e avenidas e não tapa devidamente os buracos que abre; enfim, a Compesa é um exemplar perfeito e acabado de uma estatal ineficiente e obsoleta que há tempos deveria ter sido privatizada. De outro lado estão os porcalhões: a maioria absoluta dos veranistas e dos turistas que vem a Itamaracá vai embora e deixa o rastro de sua passagem por aqui na forma de sacos e mais sacos de lixos que eles, sacanas, não têm nem o cuidado de depositá-los num só lugar, e saem espalhando-os aqui e ali, como animais que demarcam o território com excrementos. (Não vou ser injusto: boa parte da população da ilha também merece o epíteto de porcalhona.)

Caros leitores, se duvidam do que estou falando, sugiro que visitem Itamaracá ao término de um fim de semana e, principalmente, de um feriado prolongado. Passem por lá e vejam em que estado a ilha fica quando a turba vai embora.

Igreja de Nossa Senhora da Conceição, no bairro de Vila Velha

Lá no fundo a Coroa do Avião vista de Vila Velha


Quem, como eu, reside em Itamaracá, tem plena consciência de que essa ilha-cidade não possui infraestrutura adequada nem ao menos para comportar os seus moradores, que dirá para os milhares e milhares de visitantes que vêm para cá. Itamaracá não possui indústrias; o comércio dessa cidade é diminuto; e a Prefeitura vive praticamente apenas do repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). E a vocação natural da ilha, o turismo, não é explorada devidamente.


Um antigo forno de cal sobre o qual foi erguido uma cabana


Forte Orange


Faz bastante tempo que a Ilha de Itamaracá deixou de atrair turistas de verdade; turistas interessados em conhecer seus monumentos históricos e não apenas suas praias; turistas que vêm à procura de hotéis e pousadas; turistas que geram divisas para a comunidade local. Nos últimos anos esse tipo de turista tem buscado principalmente destinos como Porto de Galinhas, Serrambi e Praia dos Carneiros. O que restou para Itamaracá foram os farofeiros, os suja-praias; um tipo de visitante que não tem consciência de preservação ambiental e que não está nem aí para os problemas de toda ordem que nós moradores enfrentamos. Destaque-se ainda que foi a esse tipo irresponsável de visitante que coube a autoria da maioria dos homicídios registrados na ilha de uns tempos para cá.




As pessoas descarregam lixo às margens das pistas

Muita gente não sabe que o FPM é repassado para as prefeituras – preste bem atenção, Margarete Cristina, pois a senhora fez questão de destacar “que mantém seus impostos em dia” – de acordo com o número de habitantes que cada uma delas possui. Ou seja: as prefeituras recebem recursos para cuidar do bem-estar - e elas nem conseguem isso – dos seus habitantes! Como, então, poderão oferecer infraestrutura para um contingente duas, três ou quatro vezes maior do que sua população? Qual a solução? Em depoimento concedido à repórter Adriana Méola o urbanista Cândido Malta foi enfático: “Nós não podemos esperar que a população pequena que vive numa cidade de praia pague pelo preço de oferecer infraestrutura para milhões de veranistas que vão lá poucos dias por ano [...] Estão recebendo um benefício sem pagar nada por ele. Eu imagino uma espécie de pedágio – paga-se para usar a praia”.


Este buraco existente na Estrada do Forte é mais uma obra da Compesa


Sem dispor dos recursos necessários para promover o desenvolvimento urbano e turístico da ilha – não é de hoje que o Governo do Estado virou as costas para esta porção do litoral norte pernambucano -, a Prefeitura reluta em pôr em prática um projeto elaborado há vários anos, que estabelece a cobrança de pedágio para todo aquele que queira conhecer este lugar. O discurso de que isso afugentará os turistas não cola, porque as pessoas que viajam para um destino turístico não se furtam em pagar taxas de preservação – e o caso de Fernando de Noronha é exemplar neste aspecto -, desde que elas constatem que estão fazendo valer o dinheiro que desembolsaram, que vão encontrar acomodações adequadas, atrações interessantes, pessoas preparadas para recepcioná-las, organização e limpeza. Agora, passar a cobrar pedágio e não investir em melhoria da infraestrutura vai, sim, afugentar potenciais turistas. Urge que a cobrança de uma tarifa de acesso à ilha comece a ser cobrada; e que, de alguma maneira, os visitantes sejam obrigados a levar com eles o lixo que produzirem.


Lixo e mais lixo

A situação atual em que se encontra a Ilha de Itamaracá não é das melhores. Sucessivas e irresponsáveis administrações municipais fecharam os olhos para as ocupações desordenadas e invasões de áreas de Mata Atlântica; pouquíssimas ruas são calçadas e mesmo nessas, o sistema de drenagem inexiste; os pontos turísticos carecem não apenas de sinalização mas também de cuidados – há anos a população insiste em depositar lixo a poucos metros da Capela de São Paulo; é um horror passar pelo Engenho São João e ver roupas estendidas e trastes velhos espalhados por ali por indivíduos que ocuparam um dos prédios -; as praias não possuem quiosques e nem têm sido limpas com regularidade; não há saneamento básico na ilha; e até mesmo o centro de informações turísticas – quem vai estacionar num girador, me digam?! - vive permanentemente fechado. Será que Itamaracá não possui um plano diretor, uma lei de uso e ocupação do solo? As pessoas não podem construir onde quiserem; não podem montar barraca e/ou exercer qualquer atividade comercial onde e como bem entenderem. As cidades precisam de diretrizes que mantenham o seu ordenamento; e que sinalizem como o seu desenvolvimento deverá ser encaminhado. As cidades não são terras de ninguém, como certas pessoas pensam. Um mau exemplo: certo indivíduo está depositando carros velhos à margem da Estrada do Forte, próximo aos Chalés da Pedra Furada. Não acredito que ninguém da Prefeitura não tenha conhecimento de mais esse absurdo



Mesmo tendo feito parceria com a FACOTTUR,  a Prefeitura mantém este posto permanentemente fechado






Como eu disse noutra ocasião, não creio que apenas a desativação das unidades prisionais existentes nesta ilha-cidade, promoverá a solução de todos os seus males. Mais do que a retirada dos presídios, Itamaracá precisará de um volume elevado de investimentos e passar por um verdadeiro choque de administração, do contrário, continuaremos a assistir à única e visível atividade que a Edilidade promove: a coleta de lixo.






As belezas de Itamaracá precisam ser preservadas e divulgadas





Continuo acreditando que Itamaracá é uma ilha da qual estão sendo rapinados todos os seus tesouros.




Um comentário:

  1. muito boa reflexão, estive nas trilhas dos holandeses no dia 2 de jan de 2017. um potencial turístico muito bom porém sem nenhuma infraestrutura para o ecoturismo. estou realizando uma pesquisa de mapeamento dos pontos turísticos como subsídio ao turismo local. em breve divulgarei. marcondes marroquim. geógrafo UFPE

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