8 de outubro de 2013

No Pilar pensando em Zé Lins

Por Clênio Sierra de Alcântara

Fotos: Ernani Neves
A Igreja de Nossa Senhora do Pilar



                            


  A caminho de Pilar


As crônicas históricas nos informam que o povoamento de Pilar, município que fica a cerca de 64 km de João Pessoa, teve início nos anos finais do século XVI, porque os holandeses, em 1630, encontraram na região fazendas de criação, distando a última, “a de Gerônimo Cavalcanti, 8 léguas de Itaipu”.

No ano de 1670 uma missão jesuíta, vinda da Serra do Fagundes, chegou ao local acompanhada por índios cariris, os primitivos habitantes do lugar, e ali fundaram um colégio para “ensinar e doutrinar”.

Atraído por uma lavra de ouro que existia na região, um contingente se fixou no entorno da missão e promoveu o desenvolvimento do povoado. A exploração do metal precioso continuou até 1758, ocasião em que o governo da Metrópole mandou suspendê-la em virtude da falta de gente para os trabalhos agrícolas; com essa determinação a cana-de-açúcar passou a constituir a principal atividade econômica daquela área.


Muito verde na paisagem


Ainda no mesmo ano de 1758, através de uma Carta Régia datada de 14 de setembro, foi criado o município de Pilar, com sede na povoação de igual nome, então elevada à categoria de vila, segundo João de Lyra Tavares, diz-nos a Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, em 1765.

Quase cem anos depois, em 1854, em virtude da Lei provincial nº 27, de 6 de julho, foi criada a comarca. Conta-se que era tal o prestígio de Pilar no conceito das comunidades paraibanas, em face da indústria açucareira, com os seus inúmeros engenhos espalhados pelas várzeas e baixios das caatingas, que ela entrou no roteiro da viagem que o Imperador Dom Pedro II empreendeu às províncias do Norte em 1859. Em Pilar o Imperador ficou hospedado no solar do Barão de Maraú, “onde grandes festas lhe foram tributadas”.

De acordo com a Lei provincial nº 727, de 1º de outubro de 1881, Pilar foi anexada ao município de Itabaiana, tendo sido restaurado pela Lei nº 800, de 8 de outubro de 1885.

Na divisão administrativa do Brasil, referente a 1911, o município aparece dividido em quatro distritos: Pilar, Gurinhém, Canafístula e Serrinha. Já na divisão concernente a 1933, figura apenas com o distrito da sede.

Ocorreu que na divisão territorial de 31 de dezembro de 1936 o município é apresentado com a configuração de 1911; e na de 31 de dezembro de 1937, bem como no quadro anexo ao Decreto-lei  estadual nº 1010, de 30 de março de 1938, passou a constituir-se de três distritos: Pilar, Canafístula e Serrinha. Por força desses instrumentos legais, Pilar é termo judiciário da comarca de Itabaiana, ficando nessa situação até 1940, quando pelo Decreto-lei estadual nº 39, de 10 de abril, foi elevada à categoria de comarca, com o termo de idêntica denominação.

Segundo o quadro da divisão territorial vigente no quinquênio 1939-1943, fixado pelo Decreto-lei estadual nº 1.164, de 15 de novembro de 1938, o município de Pilar aparece constituído pelos distritos  de Pilar,  Acaú (ex-Canafístula), Serrinha e Gurinhém, criado este último pela Lei provincial nº 501, de 30 de outubro de 1873, e pela Lei estadual nº 424, de 28 de outubro de 1915, deixando, apesar disso, de figurar na divisão administrativa de 1933, na territorial de 1937 e no quadro anexo de 1938.





No quadro territorial que vigorou no quinquênio 1944-1948, estabelecido pelo Decreto-lei estadual nº 520, de 31 de janeiro de 1943, Pilar aparece com a configuração estabelecida no quinquênio anterior, notando-se, apenas, que Serrinha passou a denominar-se Juripiranga.


O monumento em louvor de Nossa Senhora da Conceição


No dia 15 de setembro do ano passado, deixando Itabaiana e pegando uma comprida estrada de barro, fui parar na cidade do Pilar. O que me conduziu até ali não foi unicamente o meu propósito de explorar mais um território citadino; fui para aquele lugar porque queria conhecer o lugar de nascimento de José Lins do Rego.

Ao longo do caminho de barro uma e outra casinha surgiam na paisagem. Lá pelas tantas chegamos a um terreno elevado de onde toda – ou quase – Pilar podia ser avistada. Naquele plano foi erguida uma torre em louvor de Nossa Senhora da Conceição.

Descendo a ladeira cruzamos a ponte sobre o Rio Paraíba para adentrar na acanhada cidadezinha. Percorrendo uma rua e outra, registrando aqui e ali aspectos do pequeno grande mundo pilarense, nos aproximamos da Praça João José Maroja.








Detalhe do monumento


Vista panorâmica da cidade



Destacando-se na paisagem urbana encontra-se a Igreja de Nossa Senhora do Pilar, que estava passando por uma ação restauradora quando a visitei. Uma placa afixada numa parede do templo informa que ele foi reconstruído em 1955.

Marquei no relógio: foi exatamente às 15:15 h que eu cheguei ao Engenho Corredor. As imagens do documentário O engenho de Zé Lins, do Vladimir Carvalho, ao qual eu assisti no Cineteatro Apolo, no Recife, ainda estavam muito nítidas em minha memória. Não encontrei ninguém lá. Fiquei observando o que restou do antigo engenho – também ele estava sendo restaurado – recordando algumas páginas de Menino de engenho, um dos vários livros que José Lins do Rego escreveu com sua prosa deveras límpida e cativante. Pus a mão entre a cerca de arame farpado e peguei um seixo grande do terreno como lembrança daquele lugar.





Ponte sobre o Rio Paraíba






O coreto da praça













Chaminés como a desta padaria quase não existem mais




Daqui para baixo aspectos do Engenho Corredor








Na obra Meus verdes anos, um livro de memórias (a edição que possuo é o número 654 da Coleção Prestígio, da Editora Tecnoprint, do Rio de Janeiro, que, infelizmente, não informa o ano da publicação, e que traz uma bonita capa feita por Noguchi), Zé Lins, que nasceu no Engenho Corredor em junho de 1901, narra para seus leitores coisas do tempo em que, naquele lugar, experimentou delícias, descobertas e dissabores. Aparecem naquelas páginas: a avó materna Janoca; a velha Totônia; a negra Generosa; tio Joca; mestre Cândido e mestre Fausto – os “homens da moenda”; Vitorino Carneiro da Cunha, vulgo Papa-rabo; tia Maria; tia Naninha... Um montão de gente que o menino via no entorno de seu avô José Lins, o adorado Bubu:


Olhava eu o meu avô como se fosse ele o engenho. A grandeza da terra era a sua grandeza. Fixara-se em mim a certeza de que o mundo inteiro estava ali dentro. Não podia haver nada que não fosse do meu avô (p. 43).


O Engenho Corredor dominava a paisagem. “O Rio Paraíba corria bem próximo ao cercado. Chamavam-no ‘o rio’. E era tudo” (p.30). O Pilar era quase uma extensão das terras de Bubu: “Os partidos de cana chegavam quase às ruas do Pilar. A vila tinha quintais em terra do meu avô” (p. 45). O Engenho Corredor era um mundo, mas não era o mundo todo:


Para mim as coisas se definiam nos seus contornos. O centro de tudo era Bubu. Mas outras presenças me surgiam. A Presença do Comendador Napoleão podendo botar na Cadeia o homem branco Chico Marinho. Já via o Pilar como outra entidade que não o engenho. Lá estava o sobrado do Comendador todo rodeado de rótulas e vidro de cor. A igreja, o padre Severino, a noite de festa. A Câmara Municipal onde o meu avô me levava para ver o júri. Havia mais alguma coisa que o Corredor (p. 51-52).


A vida repleta de ansiedades e de tanto por descobrir. Pessoas, coisas e animais enchendo um universo que Dedé – era assim que todos chamavam o menino Zé Lins – apreendia em seu âmago com uma vontade enorme de tudo conseguir guardar: o “monstro de estopa” da casa dos carros; as vacas Mocinha, Estrela Nova e Cotovia; o carneiro Jasmim; e o canário Marechal, “o meu maior orgulho de menino” (p. 258). Pessoas, coisas e animais que existiam às margens do Rio Paraíba e que seguiam rumo ao futuro, que é sempre um tempo certo, cheio de incertezas.



















Na cidade de Pilar a área urbana é muito próxima da rural; esses dois mundos se comunicam numa interação complementar. O gado pastando; o rio seguindo impávido o seu destino; a praça sequiosa de receber os passos e os cochichos das pessoas; a árvore frondosa na beira do caminho; o frontispício da igreja  impondo-se sobre a paisagem; o engenho de fogo há muito tempo morto... Eu gostaria de ter podido estar ali a brincar nos verdes anos de minha vida com aquele menino.

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