29 de outubro de 2013

Campina Grande: princesa com vontade de ser rainha


Por Clênio Sierra de Alcântara


“Eu sou pequenininha
Mas gosto de tudo grande
Só gosto de tudo grande
Só gosto de tudo grande.

A minha mãe escolheu pra me criar
Me levou pra uma cidade
Com o nome Campina Grande”.

                                     Tudo grande. Adolpho de Carvalho/Adélio da Silva






Fotos: Ernani Neves



No remoto século XVII o núcleo primitivo no qual foi surgindo Campina Grande, a famosa e bem desenvolvida cidade paraibana que dista a 122 km da capital João Pessoa, era um aldeamento dos índios ariús sob o comando do capitão-mor Teodósio de Oliveira Lêdo que ali chegara em 1697, quando voltava do vale do Rio Piranhas, na Capitania da Paraíba cumprindo a missão árdua e perigosa de sertanista.

Digno de nota é o fato de que, em 1670, um tio de Teodósio, Antônio de Oliveira Lêdo fundara a aldeia de Boqueirão. Sugere Epaminondas Câmara no livro Os alicerces de Campina Grande (apud Enciclopédia dos Municípios Brasileiros EBM) que, muito provavelmente, o tio atraiu o sobrinho para aquele lugar.

E por que o nome Campina Grande? Diz-se que o aldeamento surgiu em zona de topografia privilegiada, bastante plana, cercada de baraúnas, paus-d’arco, angicos e mulunguzeiros, no Planalto da Borborema, caracterizando toda a área a existência de uma grande campina.

Já em 1698, enviado pelo então governador da capitania, Manuel Soares Albergaria, chegou à localidade, oriundo do Convento de Santo Antônio, da capital, um frade para iniciar a catequese dos índios. Uma Carta Régia de 13 de janeiro de 1701 mandava “levantar capela e pagar ao capelão vinte e cinco mil réis de côngrua [pensão que se concedia aos clérigos] e doze mil réis para o fabrico e guisamento de hóstia e vinho”.

Os fundamentos da primeira igreja foram lançados no local onde o frade ministrava as lições de catequese. A boa posição geográfica do aldeamento, entre o alto sertão e a zona litorânea, com terras muito férteis, logrou rápido crescimento e cedo foi convertido em povoado próspero, que já em 1769, era freguesia sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição, desmembrada da de Nossa Senhora dos Milagres de São João do Cariri de Fora.

Em decorrência dos termos da Carta Régia de 22 de julho de 1766, a freguesia foi elevada à categoria de vila sob a denominação de Vila Nova da Rainha.





Catedral Diocesana de Nossa Senhora da Conceição

Domingo de missa na catedral







Uma das explicações para o progresso de Campina Grande destaca que ela passou a ser ponto de ligação entre o litoral e o sertão, servindo como entreposto do comércio, principalmente de gado e de farinha de mandioca.

O ciclo de prosperidade de Campina Grande sofreu alguns reveses a partir de meados do século XIX. Em 1845 uma grande seca prejudicou as lavouras. Sete anos depois, epidemias, como a febre amarela, se generalizaram pelo município. Afora isso, a população campina-grandense tomou parte em diversos movimentos revolucionários: da Revolução Pernambucana de 1817; da Confederação do Equador; da Revolução Praieira, 1848. e ainda teve o caso da rebelião popular que irrompeu na Serra do Bodopitá, denominada “Ronco da Abelha” (1852), que deixou Campina Grande em polvorosa durante vários dias. Sem esquecer a Revolta do Quebra-quilos (1874) que, segundo Irineu Joffily, irrompeu nessa localidade e se espalhou por outras províncias.

O termo judiciário de Campina Grande foi criado pela Lei provincial nº 27, de 6 de julho de 1854, ficando anexado à comarca de Pilar. Dez anos depois, em 11 de outubro de 1864, Campina Grande, a “Princesa da Borborema”, foi elevada à categoria de cidade. E a Lei nº 183, de 8 de agosto de 1865 criou a comarca de Campina Grande.

É do historiador Epaminondas Câmara a avaliação – contida no seu Datas campinenses (apud EBM) – de que o crescimento urbano de Campina Grande foi lento desde  a criação da cidade até o início do século XX; segundo ele, apenas as operações comerciais tomaram grande vulto no período. Mas aí veio a estrada de ferro; e junto com ela um sopro estimulante do progresso:


A não ser o aumento de casas e alguns prédios construídos com finalidade especial – Cadeia Nova, Casa de Caridade, Grêmio da Instrução, Paço Municipal, etc. – a cidade apresentava pequena diferença em 1907 comparada com 1864. As mesma igrejas, embora remodeladas, as mesmas casas de mercado, os mesmos açudes, os mesmos comboios de almocreves, o mesmo movimento de boiadas, o mesmo modus vivendi, a mesma rotina, os mesmos costumes.e  tudo se renovou com a ferrovia que influiu sobremodo para integrar sua gente e suas cousas num sentido mais moderno, ou mesmos antiquado, se quisermos falar com mais franqueza. Até então, nenhum melhoramento público. Até os prédios onde se instalavam os estabelecimentos de ensino não eram apropriados.












Praça da Bandeira


A cidade não parava de crescer. Como ponto terminal de trens, para ela convergiam todos os tropeiros e boiadeiros do interior. O comércio ganhou vulto e importância vencendo o de Guarabira, Areia, Alagoa Grande e Itabaiana. Surgiram no espaço urbano colégios, cinemas, clubes dançantes.

Em 1920 a cidade de Campina Grande tinha cerca de 2.000 casas. E o Recenseamento Geral ocorrido nesse ano contou 70.806 pessoas. Ainda em 1920 foi inaugurado o serviço de iluminação pública nas principais artérias da cidade.

Dez anos depois a cidade já contava com 4.500 prédios e 52 escolas públicas. O Anuário da Paraíba, de 1936, apontava Campina Grande como a “principal cidade do interior do Nordeste”, com 14.575 casas – 6.121 urbanas e as outras 8.454 espalhadas em seus vários distritos – e uma população de cerca de 100.000 pessoas.


Com as obras tendo sido iniciadas em 17 de setembro de 1937, pelo governador Argemiro de Figueiredo, a inauguração do serviço de abastecimento de água ocorreu em 18 de janeiro de 1940. Tal melhoramento público foi outro fator marcante para o desenvolvimento acelerado da cidade. Em 10 de junho de 1956 verificou-se a inauguração do fornecimento de energia de Paulo Afonso, ficando a Edilidade concessionária da sua distribuição.








De acordo com o quadro administrativo vigente em 31 de dezembro de 1956, o município apresentava-se composto por nove distritos: Campina Grande, Boa Vista, Galante, Fagundes, Catolé, Lagoa Seca, Massaranduba, Queimadas e São José da Mata.

Em agosto de 1957, Campina Grande recebeu a medalha da primeira Menção Honrosa entre as dez comunas brasileiras de maior progresso, no concurso criado pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), em cooperação do Ponto IV do governo dos Estados Unidos e a revista O Cruzeiro.











Eu entre Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga










Em uma de suas Notas de andar e ver (Recife: Pool Editorial Ltda, 1976), intitulada “Urbanização do interior”, datada “Setembro, 1965”, Marco-Aurélio de Alcântara registra, entre outras observações, essa narrativa digna de figurar em qualquer compêndio que reúna aspectos pitorescos da história de Campina Grande:

As viagens às cidades do interior do Nordeste, como Campina Grande, deixaram de ser para a maioria dos viajantes, aquele fugir da civilização para as seduções da vida rural [...] Mas isto não quer dizer que a ligeira agitação urbana, que se observa em algumas cidades do Nordeste, a exemplo de Campina Grande, não tenha aspectos atraentes. Na cidade paraibana, um austríaco foi lá um dia e decidiu abrir uma taverna, ao lado de uma salsicharia. O povo prefere chamá-la “Bar do Alemão” e é ali que se reúne a gente nova de Campina Grande, até meia-noite, quando fecha, por ordens expressas e marciais do austríaco, que, no dia seguinte – segundo ele confirmou – levanta cedo. Os clientes são, então, enxotados amavelmente para a rua, mas escolhem uma outra alternativa: o Bar “Whiskisito”, que os acolhem também por uma questão de tolerância – até às 3 3 m3ia da manhã (p. 25 e 26).



Fazendo prevalecer a grandeza contida em seu nome, Campina Grande adentrou no século XXI ostentando o posto de um dos principais pólos tecnológicos do país, atraindo para a região recursos para promover ainda mais o seu desenvolvimento.




Alguns trechos do Açude Velho estavam imundos




O Museu de Arte Popular da Paraíba, obra assinada por Oscar Niemeyer


O Açude Velho dominando a paisagem

Niemeyer flutua sobre as águas

O círculo na água foi feito por uma tarrafa lançada pelo pescador











Eu era ainda uma criança quando ouvi pela primeira vez o nome dessa cidade. Ele – o nome – me chegou por meio da pernambucana Marinês, a “rainha do xaxado”, cantando “Tudo grande”, uma música que foi bastante executada pelas rádios da época. Com o passar do tempo foram se cristalizando em minha cabeça outras informações sobre a “Princesa da Borborema”, de tanto que elas eram repetidas. Dizia-se que, apesar de ser no interior – o apesar se deve ao fato de ainda hoje ser muito arraigado no Nordeste a noção de que “interior” é sinônimo de atraso, de vida pacata, de acanhamento. Arrisco a dizer que esse entendimento  provenha da época do Brasil Colônia, uma vez que o processo de interiorização do país foi lento e tardio, ficando a civilização concentrada na zona litorânea -, Campina Grande era uma cidade bastante  desenvolvida; que ela disputava com Caruaru a realização da maior e da melhor festa junina brasileira; e, principalmente, que era enorme a rivalidade que ela mantinha com a capital, João Pessoa, pelo posto de centro urbano mais desenvolvido da Paraíba. E foi para Campina Grande que eu e o fotógrafo Ernani Neves nos dirigimos em outubro do ano passado.


Museu de Arte Assis Chateuabriand
                             







À medida que nos aproximávamos da entrada da muito falada cidade paraibana eu fui me certificando de que, sim, mais do que grande, Campina era enorme. E a quantidade de edifícios foi o que primeiro chamou minha atenção.

Sem perda de tempo começamos a percorrer o tanto de Campina Grande que nos era possível atravessar durante nossa estada.

Assim como a capital João Pessoa, em Campina Grande encontra-se água em abundância bem no centro da cidade. O Açude Velho marca a paisagem campina-grandense de modo dominante; ainda que em seu entorno se encontrem alguns monumentos e equipamentos urbanos, é a água, é o açude que impõem-se absolutos. Segundo o depoimento de um passante que eu colhi, houve um tempo em que presidiários faziam a limpeza do local. Flagramos vários pescadores lançando tarrafas para pegarem tilápias ali.

No contorno do Açude Velho encontram-se o Memorial Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga – obra do escultor Joás Pereira dos Passos -; o Parque da Criança; e o Memorial aos pioneiros. Talvez por emulação à capital Campina Grande resolveu também abrigar uma obra assinada por Oscar Niemeyer. Na margem do açude, do lado da Rua Dr. Severino Cruz, estava sendo erguido, quando lá estivemos – obra que foi inaugurada no dia 13 de dezembro do ano passado -, o Museu de Arte Popular da Paraíba. Campina Grande não quer de jeito nenhum ficar atrás de João Pessoa; e deve lamentar deveras não ter uma nesgazinha de praia.


                           








 


































Em Campina Grande algumas ruas homenageiam certos personagens responsáveis pela famigerada reforma urbana que tomou o Rio de Janeiro nos primeiros anos do século passado, como Rodrigues Alves e Paulo de Frontin. Existe nessa cidade até uma Avenida Rio Branco. Por outro lado alguém lembrou de manter viva também a lembrança de um fato registrado na história desse lugar: um logradouro que leva a uma feira livre atende pelo nome de Quebra-quilos.

O centro comercial da “Princesa da Borborema” é amplo, consistente e bastante diversificado. A cidade abriga vários hotéis e shoppings. E a arborização  dá a tônica em diversos espaços.

Estive na Praça da Bandeira. E presenciei o espetáculo a revoada de pombos que buscavam o milho que uns indivíduos lhes lançavam.

Na Av. Floriano Peixoto busquei o Museu de Arte Assis Chateaubriand que, infelizmente encontrava-se fechado. Perto dali, a Catedral Diocesana de Nossa Senhora da Conceição fervilhava de gente.

Deixando a área central, registramos a realidade das periferias com suas acanhadas ruas de terra batida; e com seus ares de esperança de que algum dia o urbanismo chegue aos seus recantos.

Todas as cidades têm, decerto, uma identidade. No dia em que eu retornar a Campina Grande farei o possível para encontrar a dela.




















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