28 de dezembro de 2013

A Basílica da Penha pede clemência



Por Clênio Sierra de Alcântara



Basílica de Nossa Senhora da Penha       Fotos: o autor do texto




“Um templo onde tudo é grandioso e belo”. Foi com estas palavras que o historiador Flávio Guerra encerrou o capítulo dedicado à Basílica de Nossa Senhora da Penha no seu livro Velhas igrejas e subúrbios históricos (Recife: Prefeitura Municipal do Recife/Departamento de Documentação e Cultura, 1961, p. 53). Construção imponente que domina a Praça Dom Vital – e olhe que ela é vizinha de outro patrimônio de peso do Recife: o tradicionalíssimo Mercado de São José -, a Basílica da Penha, como é costumeiramente chamada, está situada em São José, o bairro que abriga o principal comércio popular da área central da capital pernambucana.





Conta-se que em 19 de abril de 1656, o tabelião Domingos Dias Timbó, da então vila de Olinda, recebeu em seu cartório a visita de um colono abastado chamado Belchior Alves que, em seu nome e no de sua esposa Joana Bezerra, mandou lavrar uma escritura pública de doação de um grande terreno localizado no lugar denominado “Fora de Portas de Santo Antônio” – a Ilha de Santo Antônio abriga ao sul o bairro de São José; e ao norte o de Santo Antônio -, destinando-o aos frades capuchinhos franceses, a fim de que eles construíssem no local a igreja e um hospício. Com o auxílio dos moradores do lugar, os capuchinhos logo viram erguidos os dois edifícios, tendo o altar-mor da igreja recebido a imagem de Nossa Senhora da Penha.




Querelas políticas envolvendo Portugal e França resultaram na expulsão dos capuchinhos de Pernambuco em princípios do século XVIII, tendo sido fechados o hospício e a igrejinha. Nesse ínterim, o Fr. Jerônimo de Gênova, superior capuchinho da Ordem Italiana destes religiosos e procurador da mesma em Portugal, recorreu ao rei Dom João V com o propósito de que o monarca entregasse aos capuchinhos italianos aqueles dois prédios. O rei concordou com o pedido; e em carta datada de 18 de março de 1709, autorizou o governador Sebastião de Castro e Caldas a entregar aos capuchinhos italianos os referidos edifícios.



No entorno da Basílica da Penha o comércio popular domina 



Em 1733 a Igreja da Penha começou a ser reformada com vistas a ampliá-la, porque já era grande o número de fiéis que a buscavam. Doze anos depois o Fr. Carlos José de Spezia substituiu a primitiva imagem de Nossa Senhora da Penha por outra de maior porte, de autoria do escultor genovês Marangnone. E no período que vai de 1773 a 1784, o templo passou por novas reformas.


Um decreto do governo da Regência do Império, datado de 25 de agosto de 1831, proibiu a “permanência nestas terras da chamada Associação Religiosa dos Missionários Capuchinhos”. Em virtude disso, o templo passou a ser administrado pelo bispado, que designou a Irmandade de São José da Agonia para assumir os encargos devidos; e o hospício passou a ser ocupado pela Roda dos Expostos, a cargo da Administração dos Estabelecimentos de Caridade, que se transferiu para lá em julho do ano seguinte. As coisas permaneceram nesse estado até 1850, ano em que o governo imperial, ainda segundo Flávio Guerra, reconheceu a injustiça que fora cometida, e a Igreja da Penha retornou à posse dos capuchinhos italianos de acordo com a Lei provincial nº 80, de 2 de maio daquele ano, tendo o Asilo dos Expostos sido transferido para um prédio situado na Rua da Aurora, no outro lado da cidade.







No ano de 1869 os capuchinhos resolveram transformar a igreja sob a invocação de Nossa Senhora da Penha em um templo de grandes dimensões, seguindo o estilo coríntio e tendo como modelo o de Santa Maria Maior, de Roma, ficando responsável pelas obras o arquiteto Fr. Vicente de Vicenzia, experiente construtor de templos capuchinhos na Europa e na Ásia. Os trabalhos foram concluídos em 1882, tendo o novo edifício sido festivamente sagrado em 22 de janeiro pelo bispo do Maranhão, Dom Antônio Cândido de Alvarenga, com a assistência do bispo de Olinda, Dom José Pereira da Silva Barros, o conde de Santo Agostinho. Diz-nos Flávio Guerra:


É um templo majestoso com 65,70 [m] de comprimento por 28,40 [m] de largura. Sua configuração é de uma cruz latina, contendo três naves com um suntuoso zimbório, cuja chave se eleva a 43 metros de altura, tendo no alto uma elegante claraboia, sobre a qual se vê colocada uma colossal imagem de Nossa Senhora da Penha.


Por trás desse zimbório sobem duas esguias e elegantes torres de 40 metros cada uma, sob forma quadrangular, que se transforma do meio para cima em perspectiva octogonal (op. cit. p. 52-53).


Alguns aspectos da imponente construção eclesiástica



Na semana passada a Basílica de Nossa Senhora da Penha ganhou o noticiário por conta de um fato nada animador: uma de suas duas torres está com a estrutura abalada por causa da oxidação das ferragens utilizadas junto com a alvenaria. Por medida de segurança, visto que a Rua das Calçadas, que ladeia o templo católico, é uma das artérias mais agitadas do bairro de São José, foram colocados tapumes na área como meio de proteger os passantes – veículos foram impedidos de transitar no local – da eventual queda de parte da estrutura. O que se divulgou foi que o poder público auxiliará os administradores do edifício eclesiástico no que for possível, a fim de se evitar que o pior aconteça.




Lateral esquerda da Basílica da Penha



Não seria exagero dizer que a maioria dos transeuntes da Rua das Calçadas e adjacências nunca antes tenha levantado a cabeça para ver a parte superior da Basílica da Penha ou tenha feito isso só agora que a mesma entrou no noticiário televisivo. (Alguns dos passantes a olhavam curiosos quando eu estava a fotografá-la na manhã do domingo passado.) No Brasil o desinteresse que tem o cidadão comum para com os monumentos históricos espalhados pelas cidades é algo realmente triste. O desprezo por esses marcos é tamanho que as placas informativas passam despercebidas ou então são vandalizadas junto com o próprio monumento. Para o grosso da população brasileira – estão vendo como uma educação de baixa qualidade tem reflexo em todas as esferas da vida?! -, os monumentos são construções praticamente invisíveis. A maioria ignora a presença dos monumentos por falta de educação patrimonial; outros, por antipatia e raiva, porque não se conformam com o fato de serem gastos milhões de reais para conservar "prédios velhos” enquanto as ruas em que moram são de terra batida e o esgoto corre a céu aberto; e são destes inconformados que parte o apoio incondicional de primeira hora aos projetos de desmonte do patrimônio defendidos por administradores públicos mancomunados com poderosas construtoras.







Tombada na esfera estadual pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) e em processo de tombamento em âmbito federal pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Basílica da Penha passou recentemente por uma ação restauradora que realçou grande parte dos seus encantos. Contudo, a restauração foi, como se vê pelo estado em que se encontra uma de suas torres, parcial.



Rua das Calçadas



Houve um tempo no Recife em que a constatação de algo dessa natureza era devidamente explorado pelo dinâmico e modernista burgomestre do momento – quem se dispuser a investigar o passado do historiador Flávio Guerra verá que eu não estou faltando com a verdade – para achincalhar o monumento de “coisa velha e inútil”, e de “obstáculo ao progresso da cidade” a fim de justificar suas pretensões de varrê-lo do mapa. Muito embora, no Brasil, estar um monumento inscrito num Livro de Tombo não lhe garanta proteção absoluta – os órgãos de defesa do patrimônio não dispõem de recursos financeiros e nem de pessoal suficiente para tanto -, felizmente, quanto a casos como o da Basílica da Penha, o pensamento inescrupuloso mudou. De maneira quase que geral – e apesar dos flagrantes desleixos de sempre -, os monumentos, quando devidamente conservados, têm sido vistos pela maioria dos administradores das cidades brasileiras como elementos que, além de marcar nobremente a paisagem urbana, conferem a eles um atestado de compromisso para com a preservação da história dos seus municípios. Infelizmente o que não muda neste país é a compreensão de que o patrimônio não deve ser abandonado e entregue à corrosão do tempo; porque ele deve ser preservado cotidianamente, a sua manutenção precisa ser contínua para que não assistamos a fatos lamentáveis como o que agora envolve a Basílica da Penha, cuja torre do lado direito está correndo o risco de desabar.



Aqui e nas fotografias abaixo a torre que está sob ameaça de desabamento









Tapumes colocados na movimentada Rua das Calçadas









Ao fundo  uma das entradas do Mercado de São José


Não adianta criar leis e proteger o patrimônio histórico apenas nos discursos. Faltam efetivamente à sociedade brasileira como um todo, um apego e um entendimento de que os monumentos, que em muitos lugares estão clamando por socorro, não são meros fragmentos da nossa história; eles são muito mais do que isso: eles são retratos de corpo inteiro de nós mesmos.








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