Por Clênio Sierra de Alcântara
Basílica de Nossa Senhora da Penha Fotos: o autor do texto |
“Um templo onde tudo é grandioso e belo”.
Foi com estas palavras que o historiador Flávio Guerra encerrou o capítulo
dedicado à Basílica de Nossa Senhora da Penha no seu livro Velhas igrejas e subúrbios históricos (Recife: Prefeitura Municipal
do Recife/Departamento de Documentação e Cultura, 1961, p. 53). Construção
imponente que domina a Praça Dom Vital – e olhe que ela é vizinha de outro
patrimônio de peso do Recife: o tradicionalíssimo Mercado de São José -, a
Basílica da Penha, como é costumeiramente chamada, está situada em São José , o bairro que
abriga o principal comércio popular da área central da capital pernambucana.
Conta-se que em 19 de abril de 1656, o
tabelião Domingos Dias Timbó, da então vila de Olinda, recebeu em seu cartório
a visita de um colono abastado chamado Belchior Alves que, em seu nome e no de
sua esposa Joana Bezerra, mandou lavrar uma escritura pública de doação de um
grande terreno localizado no lugar denominado “Fora de Portas de Santo Antônio”
– a Ilha de Santo Antônio abriga ao sul o bairro de São José; e ao norte o de
Santo Antônio -, destinando-o aos frades capuchinhos franceses, a fim de que
eles construíssem no local a igreja e um hospício. Com o auxílio dos moradores
do lugar, os capuchinhos logo viram erguidos os dois edifícios, tendo o
altar-mor da igreja recebido a imagem de Nossa Senhora da Penha.
Querelas políticas envolvendo Portugal e
França resultaram na expulsão dos capuchinhos de Pernambuco em princípios do
século XVIII, tendo sido fechados o hospício e a igrejinha. Nesse ínterim, o
Fr. Jerônimo de Gênova, superior capuchinho da Ordem Italiana destes religiosos
e procurador da mesma em Portugal, recorreu ao rei Dom João V com o propósito
de que o monarca entregasse aos capuchinhos italianos aqueles dois prédios. O rei
concordou com o pedido; e em carta datada de 18 de março de 1709, autorizou o
governador Sebastião de Castro e Caldas a entregar aos capuchinhos italianos os
referidos edifícios.
No entorno da Basílica da Penha o comércio popular domina |
Em 1733 a Igreja da Penha começou a ser reformada
com vistas a ampliá-la, porque já era grande o número de fiéis que a buscavam.
Doze anos depois o Fr. Carlos José de Spezia substituiu a primitiva imagem de
Nossa Senhora da Penha por outra de maior porte, de autoria do escultor genovês
Marangnone. E no período que vai de 1773 a 1784, o templo passou por novas
reformas.
Um decreto do governo da Regência do
Império, datado de 25 de agosto de 1831, proibiu a “permanência nestas terras
da chamada Associação Religiosa dos Missionários Capuchinhos”. Em virtude
disso, o templo passou a ser administrado pelo bispado, que designou a
Irmandade de São José da Agonia para assumir os encargos devidos; e o hospício
passou a ser ocupado pela Roda dos Expostos, a cargo da Administração dos
Estabelecimentos de Caridade, que se transferiu para lá em julho do ano
seguinte. As coisas permaneceram nesse estado até 1850, ano em que o governo
imperial, ainda segundo Flávio Guerra, reconheceu a injustiça que fora
cometida, e a Igreja da Penha retornou à posse dos capuchinhos italianos de
acordo com a Lei provincial nº 80, de 2 de maio daquele ano, tendo o Asilo dos
Expostos sido transferido para um prédio situado na Rua da Aurora, no outro
lado da cidade.
No ano de 1869 os capuchinhos resolveram
transformar a igreja sob a invocação de Nossa Senhora da Penha em um templo de
grandes dimensões, seguindo o estilo coríntio e tendo como modelo o de Santa
Maria Maior, de Roma, ficando responsável pelas obras o arquiteto Fr. Vicente
de Vicenzia, experiente construtor de templos capuchinhos na Europa e na Ásia.
Os trabalhos foram concluídos em 1882, tendo o novo edifício sido festivamente
sagrado em 22 de janeiro pelo bispo do Maranhão, Dom Antônio Cândido de
Alvarenga, com a assistência do bispo de Olinda, Dom José Pereira da Silva
Barros, o conde de Santo Agostinho. Diz-nos Flávio Guerra:
É um
templo majestoso com 65,70 [m] de comprimento por 28,40 [m] de largura. Sua
configuração é de uma cruz latina, contendo três naves com um suntuoso
zimbório, cuja chave se eleva a 43 metros de altura, tendo no alto uma elegante
claraboia, sobre a qual se vê colocada uma colossal imagem de Nossa Senhora da
Penha.
Por
trás desse zimbório sobem duas esguias e elegantes torres de 40 metros cada uma, sob
forma quadrangular, que se transforma do meio para cima em perspectiva octogonal (op. cit. p.
52-53).
Alguns aspectos da imponente construção eclesiástica |
Na semana passada a Basílica de Nossa
Senhora da Penha ganhou o noticiário por conta de um fato nada animador: uma de
suas duas torres está com a estrutura abalada por causa da oxidação das
ferragens utilizadas junto com a alvenaria. Por medida de segurança, visto que
a Rua das Calçadas, que ladeia o templo católico, é uma das artérias mais
agitadas do bairro de São José, foram colocados tapumes na área como meio de
proteger os passantes – veículos foram impedidos de transitar no local – da
eventual queda de parte da estrutura. O que se divulgou foi que o poder público
auxiliará os administradores do edifício eclesiástico no que for possível, a
fim de se evitar que o pior aconteça.
Lateral esquerda da Basílica da Penha |
Não seria exagero dizer que a maioria dos
transeuntes da Rua das Calçadas e adjacências nunca antes tenha levantado a
cabeça para ver a parte superior da Basílica da Penha ou tenha feito isso só
agora que a mesma entrou no noticiário televisivo. (Alguns dos passantes a
olhavam curiosos quando eu estava a fotografá-la na manhã do domingo passado.)
No Brasil o desinteresse que tem o cidadão comum para com os monumentos
históricos espalhados pelas cidades é algo realmente triste. O desprezo por
esses marcos é tamanho que as placas informativas passam despercebidas ou então
são vandalizadas junto com o próprio monumento. Para o grosso da população
brasileira – estão vendo como uma educação de baixa qualidade tem reflexo em
todas as esferas da vida?! -, os monumentos são construções praticamente
invisíveis. A maioria ignora a presença dos monumentos por falta de educação
patrimonial; outros, por antipatia e raiva, porque não se conformam com o fato
de serem gastos milhões de reais para conservar "prédios velhos” enquanto
as ruas em que moram são de terra batida e o esgoto corre a céu aberto; e são
destes inconformados que parte o apoio incondicional de primeira hora aos
projetos de desmonte do patrimônio defendidos por administradores públicos
mancomunados com poderosas construtoras.
Tombada na esfera estadual pela Fundação do
Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) e em processo de
tombamento em âmbito federal pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan), a Basílica da Penha passou recentemente por uma ação
restauradora que realçou grande parte dos seus encantos. Contudo, a restauração
foi, como se vê pelo estado em que se encontra uma de suas torres, parcial.
Rua das Calçadas |
Houve um tempo no Recife em que a
constatação de algo dessa natureza era devidamente explorado pelo dinâmico e
modernista burgomestre do momento – quem se dispuser a investigar o passado do
historiador Flávio Guerra verá que eu não estou faltando com a verdade – para
achincalhar o monumento de “coisa velha e inútil”, e de “obstáculo ao progresso
da cidade” a fim de justificar suas pretensões de varrê-lo do mapa. Muito
embora, no Brasil, estar um monumento inscrito num Livro de Tombo não lhe
garanta proteção absoluta – os órgãos de defesa do patrimônio não dispõem de
recursos financeiros e nem de pessoal suficiente para tanto -, felizmente,
quanto a casos como o da Basílica da Penha, o pensamento inescrupuloso mudou.
De maneira quase que geral – e apesar dos flagrantes desleixos de sempre -, os
monumentos, quando devidamente conservados, têm sido vistos pela maioria dos
administradores das cidades brasileiras como elementos que, além de marcar
nobremente a paisagem urbana, conferem a eles um atestado de compromisso para
com a preservação da história dos seus municípios. Infelizmente o que não muda
neste país é a compreensão de que o patrimônio não deve ser abandonado e
entregue à corrosão do tempo; porque ele deve ser preservado cotidianamente, a
sua manutenção precisa ser contínua para que não assistamos a fatos lamentáveis
como o que agora envolve a Basílica da Penha, cuja torre do lado direito está
correndo o risco de desabar.
Aqui e nas fotografias abaixo a torre que está sob ameaça de desabamento |
Tapumes colocados na movimentada Rua das Calçadas |
Ao fundo uma das entradas do Mercado de São José |
Não adianta criar leis e proteger o
patrimônio histórico apenas nos discursos. Faltam efetivamente à sociedade
brasileira como um todo, um apego e um entendimento de que os monumentos, que
em muitos lugares estão clamando por socorro, não são meros fragmentos da nossa
história; eles são muito mais do que isso: eles são retratos de corpo inteiro
de nós mesmos.
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