2 de janeiro de 2014

Pedagogia do atraso

Por Clênio Sierra de Alcântara

Com a recente divulgação do resultado do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês), exame esse que desde o ano 2000 é aplicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a fim de medir o desempenho de jovens estudantes de 65 países em leitura, ciências e matemática, assistimos novamente à baixa performance do alunado brasileiro e, estarrecidos, ficamos a nos perguntar que tipo de desenvolvimento social é esse, comandado pela senhora Dilma Rousseff, que não consegue mudar para melhor o quadro geral da educação no país como um todo.

Não, não foi a presidenta Dilma quem inventou o marasmo que assola a educação brasileira. Mas o Partido dos Trabalhadores está no comando do país há dez anos; e, de lá para cá, e a despeito da ampliação do Bolsa Família, que estabelece como contrapartida do auxílio financeiro a manutenção dos beneficiados frequentando a escola, os avanços foram mínimos. Sim, ocorreu a universalização do Ensino fundamental ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso. Sim, foram abertas mais escolas técnicas e universidades em regiões distantes das capitais. Sim, foi criada essa coisa superimportante que é o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Contudo, num contexto regional e mundial, o Brasil continua marcando passo de tartaruga num cenário em que nações como a China e a Coreia do Sul investem pesado e têm conseguido efetivamente melhorar a qualidade da educação que é oferecida aos seus cidadãos.

De acordo com os dados do Pisa, os alunos brasileiros alcançaram as seguintes pontuações no teste realizado no ano de 2012: leitura – 410 pontos (em 2009 foram 412); ciências – 405 pontos (mesma pontuação de 2009); matemática – 391 pontos (um avanço de cinco pontos em relação à prova aplicada em 2009). Embora esse desempenho pífio tenha sido comemorado com entusiasmo pelo ministro da Educação Aloizio Mercadante (Helena Borges. “Está faltando fôlego”. Revista Veja, edição 2351, 11 de dezembro de 2013, p. 180-183), o fato é que, no cômputo geral, o Brasil ficou na 57ª posição com 402 pontos – para efeito de comparação, Xangai (China), que obteve a 1ª colocação, somou 587 pontos. E agora um dado curioso que diz muito da irrelevância do Bolsa Família – quem fiscaliza a frequência dos alunos, me digam? – como suposto reforçador da presença dos alunos nas salas de aula: duas semanas antes de aplicar as provas do ano retrasado, a OCDE resolveu medir a taxa de comparecimento dos alunos às aulas; e os brasileiros figuraram entre os mais faltosos.

A baixa taxa de escolaridade é, de longe, o maior entrave para que um país consiga se desenvolver social e economicamente de maneira sólida. Índices de produtividade elevados são alcançados por mão de obra qualificada e não por pessoas que não conseguem entender, por exemplo, o que é dito num manual de instruções. As pessoas não devem ser educadas apenas para produzir riquezas para o país no qual vivem, isso é fato; mas também para alcançarem melhores empregos, para obterem efetiva qualidade de vida, para que sejam protagonistas de suas histórias e para que se compreendam como cidadãs de um vasto e diverso mundo. É verdade, o Brasil é a 6ª maior economia do mundo; mas, o que significa isso em termos reais? Temos milhões de dependentes do Bolsa Família; hospitais nos quais os pacientes amargam por vezes dias para ser atendidos; escolas ainda sem água, luz, professores e bibliotecas; estradas esburacadas... Enfim, o quadro socioeconômico em que vivem milhões de brasileiros não condiz em nada com o ranking no qual este país aparece tão bem colocado.

Em sua edição da segunda quinzena de outubro passado – edição nº 1052 -, a revista Exame, que é um dos e talvez o principal periódico do país voltado exclusivamente para questões da economia, colocou o tema educação como matéria de capa. Assinadas pelo repórter Daniel Barros, as matérias “A diferença começa na escola” (.p. 36-43) e “A luta pela qualidade” (p. 44-51) fazem uma descrição minuciosa do panorama da educação brasileira apontando iniciativas bem sucedidas que precisam ser disseminadas o quanto antes e indicando possíveis soluções para problemas tidos por muitos como insolúveis. Ilustrando os textos aparecem gráficos com informações que são no mínimo preocupantes. Alguns dados: uma pesquisa da consultoria McKinsey apurou que a carreira de professor é a mais desvalorizada pelos jovens brasileiros; o desinteresse pelas licenciaturas acabará gerando um déficit de 250.000 professores; é altíssimo o índice de evasão escolar; e é baixa a parcela dos estudantes com conhecimento adequado ao fim dos ciclos: no Ensino fundamental o índice é de 17% em Matemática e 27% em Português; no Ensino médio, 10% e 30% respectivamente. Assustador, não? E o que dizer de um levantamento que indicou que 14% - isso mesmo, 14% - das escolas públicas deste país possuem apenas uma sala de aula?

Quando, anos atrás, um homem da estirpe de Cristovam Buarque, um político que tem a educação como bandeira de luta, foi defenestrado do Ministério da Educação, eu disse aos meus botões:”Pronto, esse Governo aí vai tirar nota zero em educação”. E o que se viu foram episódios vergonhosos como a defesa do falar errado em um livro didático e um ataque ao idioma de Shakespeare. Um Governo que tem verdadeira ojeriza às elites só poderia mesmo protagonizar uma vanguarda do retrocesso. E aliado a essa mentalidade retrógrada aparecem os sindicatos de professores que mantêm uma aversão permanente à meritocracia. Eu vi o efeito disso em toda a minha vida escolar, realizada desde o princípio em escolas públicas: enquanto alguns professores se davam por inteiro aos seus alunos, outros faziam da sala de aula um campo estéril; isso quando apareciam, porque, até mesmo na faculdade, eu me deparei com profissionais descompromissados com o corpo discente, ocupados que ficavam com viagens e com interesses outros ligados à iniciativa privada, mesmo tendo eles de se manterem em regime de dedicação exclusiva.

O panorama educacional brasileiro não é nada auspicioso. O Governo pode até celebrar o fato de estar mandando levas e levas de alunos estudarem no exterior. Eu só quero ver quem é que vai arcar com a falta cada vez maior de professores, uma verdade inconveniente cujas consequências não foram ainda avaliadas detidamente. Ao descaso para com esse ponto, o Governo da presidenta Dilma Rousseff responde com promessas de recursos bilionários a ser gerados com a exploração do petróleo do pré-sal, algo tão incerto como contar com o ovo que ainda nem saiu da galinha. O discurso de que falta dinheiro para que este país possa ter enfim um sistema educacional que forme alunos com competências e não com deficiências, serve há décadas como desculpa pelos governantes para encobrir a incompetência de todos eles. Enquanto isso o Plano Nacional de Educação (PNE) 2011-2020, que deveria estar vigorando desde 2011, ainda não foi aprovado pelo Congresso Nacional. Enquanto isso, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) informa que a taxa de analfabetismo no país parou de cair pela primeira vez em 20 anos (Revista Nova Escola, edição nº 267 – novembro de 2013, p. 12).

Não se concebe que tenhamos um futuro promissor sem que promovamos melhorias em todos os níveis de ensino. Os desníveis sociais brasileiros continuarão acentuados enquanto a escola destinada ao grosso da população permanecer com a configuração de uma caverna amedrontadora porque desprovida de atrativos. Não se concebe que um país seja rico e possua uma população econômica e culturalmente pobre, muito pobre.

Em seu livro Educação e mudança (tradução de Moacir Gadotti e Lilian Lopes Martin. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 72) – adquiri um exemplar dias atrás, num sebo do Recife, por meros R$ 4,00 -, mestre Paulo Freire ressalta que a alfabetização é mais que o simples domínio mecânico de técnicas para escrever e ler: “É entender o que se lê e escrever o que se entende”. Considerando que atualmente este país abriga um contingente de dezenas de milhões de analfabetos funcionais, uma gente que não consegue ler e entender um texto simples, nos certificamos do quão distante a nossa sociedade está das que habitam as nações desenvolvidas.

Os diagnósticos são por demais conhecidos e as políticas públicas não conseguem reverter a situação calamitosa em que se encontra o quadro geral da educação brasileira. O Brasil precisa abandonar de uma vez por todas as amarras da pedagogia do atraso que vem impedindo que ele alcance e promova um verdadeiro desenvolvimento econômico e social.


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