12 de dezembro de 2013

Aos devotos de São Pedro e do Recife

Por Clênio Sierra de Alcântara



Fotos: o autor do texto


Um dos mais belos e marcantes templos do Recife está passando por um processo de restauro. Localizada na fronteira entre os bairros de Santo Antônio e São José, área central da cidade, a Igreja de São Pedro dos Clérigos está inserida num dos pouquíssimos pátios que restaram na capital pernambucana, um dos pouquíssimos que escaparam da sanha demolidora das reformas urbanas que trucidaram o Recife no decorrer do século passado. A placa indicativa dos trabalhos ora em curso informa que as obras de restauro se estenderão por dois anos.

Cartão-postal da capital pernambucana, a Igreja de São Pedro dos Clérigos é uma construção religiosa cuja erição teve início em maio de 1728, seguindo a planta concebida pelo mestre Manuel Ferreira Jácome. O templo foi erguido num terreno comprado pela Irmandade de São Pedro dos Clérigos – a irmandade se reunia primeiramente na Matriz do Corpo Santo; depois, seus membros passaram a se encontrar na Matriz de Nossa Senhora do Paraíso, ambas desaparecidas durante as obras de remodelação do traçado das ruas e abertura de avenidas no núcleo primitivo do Recife na primeira metade do século XX – na Rua das Águas Verdes, que era ocupado por uma horta e seis moradas. As obras se arrastaram por cinquenta e quatro anos por fatores diversos como dificuldades financeiras e a grande demora que era comprar e trazer material de construção de Lisboa. Vencidos todos os obstáculos, no dia 30 de janeiro de 1782 a Igreja de São Pedro dos Clérigos foi solenemente sagrada sob a presidência de Dom Tomás da Encarnação Costa e Lima, bispo diocesano e provedor da irmandade. A missa foi celebrada pelo deão Dom Manuel de Araújo Carvalho Gondim.




A história da construção com seus conceitos técnicos e fatos outros ligados a esse edifício eclesiástico foi muito bem narrada em pelo menos dois livros que considero importantes para uma compreensão abrangente do significado que tem a Igreja de São Pedro dos Clérigos como marco referencial e testemunho de como se processavam obras dessa natureza num tempo em que, por exemplo, trazer material de construção da Europa demorava às vezes um ano. O primeiro livro é Dois monumentos dos Recife: São Pedro dos Clérigos/Nossa Senhora da Conceição dos Militares, de autoria de um mestre que sempre conseguiu expor conhecimento técnico com grande clareza, que é José Luiz Mota Menezes. O outro é A Igreja de São Pedro dos Clérigos do Recife, de Amaury Medeiros. Foi lendo o livro de Amaury que fiquei sabendo que durante muitos anos a fuligem proveniente  de uma fábrica de café, que existia na Rua Direita, encobriu pinturas e prejudicou demais a igreja. Também foi percorrendo as páginas de sua obra  que encontrei depoimentos mais do que preciosos de José Ferrão Castelo Branco, o diligente funcionário do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) que tanto lutou pela preservação do patrimônio por este país afora.









Por mais regozijante que se apresente o esforço de salvaguarda de uma joia da arquitetura eclesiástica, como o é a Igreja de São Pedro dos Clérigos, não podemos esquecer que é preciso também promover a manutenção do que existe no entorno do monumento. Ao longo das últimas décadas várias foram as iniciativas visando ao engrandecimento do pátio de São Pedro com pintura do casario e instalação de centros culturais – como a Casa do Carnaval -, bares e restaurantes – como O Buraquinho, onde comi uma peixada e uma fritada de caranguejo ciceroneado por um apreciador da boa mesa que é o antropólogo Raul Lody – e de um posto de informações turísticas. Isso não não pode parar, porque é preciso manter aquele espaço vivo e bem cuidado para que atraia mais e mais frequentadores diariamente e não apenas quando o local abrigue shows.





Num momento em que se discute como promover o reavivamento do núcleo primitivo da cidade do Recife, que vem há muito tempo atravessando um sério processo de degradação, que é visível em calçadas deterioradas, prédios abandonados, ruas mal iluminadas e lixo por toda parte, pensar o espaço urbano para além dos monumentos, elementos estruturantes desse universo extremamente complexo que é a urbe, é traçar metas de como o Recife pode se desenvolver e se reinventar preservando os marcos históricos caracterizadores de sua identidade. Pensar, repensar a configuração de uma cidade degradada, como por ora se encontra o Recife, é avaliar detida e positivamente como ela pode voltar a ser desejada e reocupada por seus habitantes enquanto lugar também de morada.


Quem não acredita que a preservação de um monumento histórico como a Igreja de São Pedro dos Clérigos pode ajudar a restituir a dignidade de uma cidade, ignora completamente a força que tem a tradição no revigoramento de um povo e de um lugar por ele escolhido a partir de uma comunhão mútua de pertencimento: o lugar pertence ao povo; e o povo pertence ao lugar.

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