18 de dezembro de 2013

Sobre perdas e (principalmente) ganhos

Por Clênio Sierra de Alcântara


"Quem dera pudesse
A dor que entristece
Fazer compreender
Os fracos de alma
Sem paz e sem calma
Ajudasse a ver
Que a vida é bela
Só nos resta viver".
                              Só nos resta viver. Ângela Rô Rô




Bastou que eu lesse a primeira resposta dada por Luiza Brunet a uma entrevista concedida à repórter Juliana Linhares, da revista Veja ("Eu já superei o narcisismo", edição 2351, de 11 de dezembro de 2013, p. 198-199), para que eu me visse mergulhado num torvelinho de lembranças ruins e chorasse copiosamente. Revisitei naquele instante o dia em que minha mãe recolheu num monturo, antes de raiar o dia, para que não fosse vista em pleno flagrante de miséria, uma privada que ela própria instalou no banheiro de nossa casa de pau a pique, porque, até então, fazíamos nossas necessidades num buraco cimentado no chão. Minha mãe. Minha mãe. Que mãe poderosa que eu tenho! A leitura do depoimento da Luiza Brunet fez com que viesse à tona outra passagem negra de minha infância: o dia em que eu chorei muito no velório de uma minha tia que foi morta a facadas por um sujeito covarde com o qual ela não queria mais se relacionar.

Há quem diga que eu misturo as coisas. Misturo? Misturo mesmo; e quem quiser que separe o que vai sendo dito. Há quem me acuse de estar usando este espaço pra fazer revelações comprometedoras, ofensivas e desnecessárias. Será? Com isso eu não concordo. Dizer o que eu sou, o que penso e o que sinto fundamenta minha condição de intelectual e, principalmente, de cidadão consciente do papel que pode exercer em uma sociedade.Ora, eu tenho pleno entendimento de que posso vir a responder por eventuais atos falhos. Não é assim que o sistema tem de funcionar?

 Decerto que eu me calo sobre alguns dos meus demônios; e isso se dá porque eu ainda não consegui exorcizá-los. Não sou santo nem aspiro a sê-lo. Contudo, penso que já vivi situações suficientes, que já tenho um volume de experiências bastante significativo para encarar sem hesitação circunstâncias que em outros tempos me amedrontavam. A covardia e o medo do que os outros vão pensar por vezes faz com que deixemos de usufruir plenamente de vários aspectos fundamentais da vida que temos; e não é raro que, por conta disso, afastemos pessoas de nosso convívio, porque não é qualquer um que está disposto a suportar por tanto tempo uma ladainha aborrecedora pontuada sempre por um “eu sou assim e pronto”. É verdade, a vida não dá garantia de nada. E viver erguendo supostas barreiras de proteção contra os males do mundo, convenhamos, é deixar de aproveitar para valer a vida. Não é sensato e nem salutar conviver com alguém que, em vez de nos encorajar, nos amedronta, que, em vez de nos fortalecer, nos enfraquece, que, em vez de nos mostrar o caminho da liberdade, nos aprisiona.

Não sou o dono da verdade, epíteto esse com o qual também me atacam. Não sou o dono da verdade, mas prefiro estar subordinado a ela a permanecer refém e cativo da farsa e da mentira. Dizer a verdade ou mentir gera consequências: positivas ou negativas. Mentir me dá muito trabalho, me entristece e me constrange. Daí por que eu procuro praticar fundamentalmente o exercício da verdade; e espero que os que me rodeiam hajam da mesma forma, pelo menos para comigo.

Esforço-me diariamente para superar meus fracassos e avaliar o que resultou dos erros que cometi. Às vezes eu erro – quem pode evitar? – pensando que estou fazendo a coisa certa. Quando isso acontece, acendo uma luz, revejo meus passos... mas torno a errar mais adiante. Paciência, o viver é assim.

Nos últimos dias um compartimento de minha vida foi atingido por um tremor de pequena magnitude e ainda assim desmoronou por inteiro. Tudo vem abaixo quando está apoiado em alicerces frágeis. E, em casos como esse, não adianta reerguer paredes sobre a mesma base, porque, mais cedo ou mais tarde, o estrago se repetirá. Não recolhi nada; e nem vou revirar os destroços à cata de algo que poderia ser reaproveitado. Não vou. Afastei-me por completo daquele terreno. Não há mais nada a fazer ali. E, para o meu conforto, já se tornou inaudível a voz que durante anos me acusava de ser negligente, irresponsável, inconsequente, insensível e individualista, como seu eu tivesse erguido aquela construção sozinho. Eis um típico caso de perda convertida em ganho.

Lançar os olhos para as agruras do meu passado às vezes me deixa triste; mas de maneira alguma ele, o passado, faz com que eu perca o entusiasmo com o presente e deixe de lado a minha confiança no futuro.





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