29 de janeiro de 2014

Vamos dar um rolê



Por Clênio Sierra de Alcântara


Não se assuste, pessoa
Se eu lhe disser que a vida é boa
Enquanto eles batem
Dê um rolê e você vai ouvir
Apenas quem já dizia:
Eu não tenho nada [...]
E só tô beijando o rosto
De quem dá valor
Pra quem vale mais um gosto
Do que cem mil réis
Eu sou
Eu sou
Eu sou amor da cabeça aos pés.

                                                     Dê um rolê. Moraes Moreira/Galvão


Vou direto ao assunto. Num país que inventou uma modalidade criminosa denominada “arrastão”, não era para menos que pessoas metidas em paraísos artificiais – também chamados de shopping centers – se mostrassem assustadas vendo uma turba tomar os corredores das lojas ainda que metida em vistosas roupas de grife. Ora, até mesmo eu que, desde sempre, vivi e vivo no cerne das periferias da Região Metropolitana do Recife, com suas ruas de terra batida e/ou enlameadas, com suas montanhas de lixo, com seus ônibus superlotados, com seus covis de foras da lei, com seus racionamentos de água, com seus esgotos correndo a céu aberto, me assustaria. E, de verdade, ao contrário desse pessoalzinho aí, não estou nada satisfeito em ser suburbano; e não sou pobre do tipo que frequenta o programa da Regina Casé e diz que sente orgulho de sua condição social e glamouriza a periferia.

Os chamados rolezinhos têm seu quê de ópera bufa. Eles são o retrato em estado bruto, sem uso de Photoshop, do grau de alienação de uma parcela considerável dos jovens deste país. Eles não sabem resolver um problema de regra de três simples, mas têm conhecimento do vídeoclip do funk ostentação do momento; eles não conseguem escrever um pequeno texto nas redes sociais sem cometer no mínimo dez erros de ortografia, mas se preocupam em infernizar seus pais assalariados para que comprem tênis que custam R$ 500,00; eles provavelmente nunca participaram de reuniões de condomínios e/ou de associações de moradores, mas se mostram muito empenhados em organizar esses encontros em centros de compras, porque têm o consumo de supostos elementos de distinção como o norte de suas vidas.

Como sempre ocorre em episódios que envolvem jovens da periferia, sociólogos e quejando saíram em defesa das arruaças praticadas por alguns dos frequentadores dos rolezinhos, tachando de racistas e preconceituosos os administradores de shoppings que aumentaram seus esquemas de segurança desde que essas incursões tiveram início e/ou impediram que rolezistas entrassem nesses centros de compras. A culpa disso tudo, segundo esses intérpretes dos comportamentos sociais, é das elites. Meus caros, gente que, como eu, frequenta as Lojas Americanas e as Casas Bahia em busca de promoções com parcelas a perder de vista, não é elite coisíssima nenhuma.

Desde há muito que a maioria dos shopping centers brasileiros se tornou espaço de diversão e lazer para a população suburbana que, em pesquisas, sempre aponta o quesito segurança, que supostamente existe nesses lugares, como um dos seus principais atrativos. Aos domingos vejo famílias inteiras e grupos de adolescentes se dirigindo para esses locais. São pessoas que vão até eles não necessariamente para  fazer compras; muitas vão tão somente passear, jogar conversa fora, ver um filme no cinema, almoçar, fazer um lanche, por fim, vão para lá em busca de recreação.

Numa sociedade na qual se vive sob o império da violência e da impunidade dos delinquentes; numa sociedade na qual a polícia é discriminada por agir com a força devida para coibir atos de vandalismo e outras práticas criminosas que põem em risco a vida do cidadão de bem; numa sociedade na qual o Governo central incentiva a todo custo o consumo desenfreado de todo tipo de bem como único meio de movimentar o fraco desempenho da economia – os endividados do programa Minha Casa, Minha Vida puseram de vez corda no pescoço com o cartão de crédito Minha Casa Melhor que o Governo bondoso da senhora Dilma Rousseff lhes ofereceu -; numa sociedade na qual, enfim, a educação é tratada como artigo de segunda necessidade, os rolezinhos que, em alguns momentos, chegam a ser até divertidos, dadas a sua espetacularização e irrelevância como fenômeno social, devem ser vistos apenas pelo que realmente são: uma modalidade de diversão de uma juventude culturalmente pobre e desmiolada que se compraz em ostentar bonés, sapatos e roupas de grife. Só os chatonildos de plantão enxergam neles mais do que isso.

Dar um rolê é uma prática – como eu posso dizer? – do tempo da brilhantina. Eu mesmo - e quase sempre solitariamente – costumo dar meus rolezinhos pelas estradas a fora, correndo riscos, mas sem temer o perigo. E que me desculpem esses jovens maluquetes que pensam ser a cara da riqueza: os rolezinhos deles não estão com nada; o meu, sim, é que é o maior barato. Aliás, um barato total.


Nenhum comentário:

Postar um comentário