Por Clênio Sierra de Alcântara
Não
se assuste, pessoa
Se
eu lhe disser que a vida é boa
Enquanto
eles batem
Dê
um rolê e você vai ouvir
Apenas
quem já dizia:
Eu
não tenho nada [...]
E só
tô beijando o rosto
De
quem dá valor
Pra
quem vale mais um gosto
Do
que cem mil réis
Eu
sou
Eu sou
Eu sou
amor da cabeça aos pés.
Dê um rolê. Moraes Moreira/Galvão
Vou direto ao assunto. Num
país que inventou uma modalidade criminosa denominada “arrastão”, não era para
menos que pessoas metidas em paraísos artificiais – também chamados de shopping
centers – se mostrassem assustadas vendo uma turba tomar os corredores das
lojas ainda que metida em vistosas roupas de grife. Ora, até mesmo eu que,
desde sempre, vivi e vivo no cerne das periferias da Região Metropolitana do
Recife, com suas ruas de terra batida e/ou enlameadas, com suas montanhas de
lixo, com seus ônibus superlotados, com seus covis de foras da lei, com seus
racionamentos de água, com seus esgotos correndo a céu aberto, me assustaria.
E, de verdade, ao contrário desse pessoalzinho aí, não estou nada satisfeito em
ser suburbano; e não sou pobre do tipo que frequenta o programa da Regina Casé
e diz que sente orgulho de sua condição social e glamouriza a periferia.
Os chamados rolezinhos têm
seu quê de ópera bufa. Eles são o retrato em estado bruto, sem uso de
Photoshop, do grau de alienação de uma parcela considerável dos jovens deste
país. Eles não sabem resolver um problema de regra de três simples, mas têm
conhecimento do vídeoclip do funk ostentação do momento; eles não conseguem
escrever um pequeno texto nas redes sociais sem cometer no mínimo dez erros de
ortografia, mas se preocupam em infernizar seus pais assalariados para que
comprem tênis que custam R$ 500,00; eles provavelmente nunca participaram de
reuniões de condomínios e/ou de associações de moradores, mas se mostram muito
empenhados em organizar esses encontros em centros de compras, porque têm o
consumo de supostos elementos de distinção como o norte de suas vidas.
Como sempre ocorre em
episódios que envolvem jovens da periferia, sociólogos e quejando saíram em
defesa das arruaças praticadas por alguns dos frequentadores dos rolezinhos,
tachando de racistas e preconceituosos os administradores de shoppings que
aumentaram seus esquemas de segurança desde que essas incursões tiveram início
e/ou impediram que rolezistas entrassem nesses centros de compras. A culpa
disso tudo, segundo esses intérpretes dos comportamentos sociais, é das elites.
Meus caros, gente que, como eu, frequenta as Lojas Americanas e as Casas Bahia
em busca de promoções com parcelas a perder de vista, não é elite coisíssima
nenhuma.
Desde há muito que a maioria
dos shopping centers brasileiros se tornou espaço de diversão e lazer para a
população suburbana que, em pesquisas, sempre aponta o quesito segurança, que
supostamente existe nesses lugares, como um dos seus principais atrativos. Aos
domingos vejo famílias inteiras e grupos de adolescentes se dirigindo para
esses locais. São pessoas que vão até eles não necessariamente para fazer compras; muitas vão
tão somente passear, jogar conversa fora, ver um filme no cinema, almoçar,
fazer um lanche, por fim, vão para lá em busca de recreação.
Numa sociedade na qual se
vive sob o império da violência e da impunidade dos delinquentes; numa
sociedade na qual a polícia é discriminada por agir com a força devida para
coibir atos de vandalismo e outras práticas criminosas que põem em risco a vida
do cidadão de bem; numa sociedade na qual o Governo central incentiva a todo
custo o consumo desenfreado de todo tipo de bem como único meio de movimentar o
fraco desempenho da economia – os endividados do programa Minha Casa, Minha
Vida puseram de vez corda no pescoço com o cartão de crédito Minha Casa Melhor
que o Governo bondoso da senhora Dilma Rousseff lhes ofereceu -; numa sociedade
na qual, enfim, a educação é tratada como artigo de segunda necessidade, os
rolezinhos que, em alguns momentos, chegam a ser até divertidos, dadas a sua
espetacularização e irrelevância como fenômeno social, devem ser vistos apenas
pelo que realmente são: uma modalidade de diversão de uma juventude
culturalmente pobre e desmiolada que se compraz em ostentar bonés, sapatos e
roupas de grife. Só os chatonildos de plantão enxergam neles mais do que isso.
Dar um rolê é uma prática –
como eu posso dizer? – do tempo da brilhantina. Eu mesmo - e quase sempre
solitariamente – costumo dar meus rolezinhos pelas estradas a fora, correndo
riscos, mas sem temer o perigo. E que me desculpem esses jovens maluquetes que
pensam ser a cara da riqueza: os rolezinhos deles não estão com nada; o meu,
sim, é que é o maior barato. Aliás, um barato total.
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