Por Clênio Sierra de
Alcântara
Fotos: o autor do texto Flagrantes feitos na Av. Conde da Boa Vista, área central do Recife |
O
meu saudoso amigo dos tempos de faculdade, Valdemir Machado, com quem diversas
peguei carona, me dizia que era muito boa a comodidade proporcionada pelo
carro, porque o veículo possibilitava um grande ganho de tempo nos deslocamentos,
sobretudo para ele, que morava em Paulista e estudava no Recife. Mas havia um
senão. E certa feita ele me disse: “O ruim de andar sempre de carro, Clênio, é
que a gente se desliga do mundo, fica sem saber os assuntos que o povo comenta
nas ruas e nos ônibus; a gente perde isso, esse contato que é tão importante”.
Desde que eu me entendo por gente, ando de ônibus. E, como há treze anos resido na Ilha de Itamaracá, eu venço longas distâncias dentro de coletivos a fim de me deslocar para os municípios vizinhos. Sempre enxerguei os transportes públicos de passageiros – ônibus, trens, metrôs – como os meios de locomoção ideais para toda e qualquer sociedade que tem consciência do quão é daninho para as cidades, a superabundância de automóveis nas estradas, que provoca congestionamentos intermináveis, atropelamentos e colisões sem fim, e a poluição desenfreada do ar. Além disso, vê-se que, no Brasil, o espaço citadino é constantemente pressionado para acomodar mais e mais carros que diariamente entram em circulação nas vias de todo o país: alargam-se ruas e avenidas, constroem-se túneis e viadutos e o trânsito permanece caótico.
O
descaso para com os transportes públicos de passageiros neste país, aliada a
uma política que tenta incutir na população que todo e cada cidadão pode
adquirir um automóvel, fez com que as pessoas que dependem completamente desses
meios para tocarem suas vidas, quase sempre sofram com a dura realidade de
coletivos e vagões superlotados e inseguros, tarifas absurdas que não condizem
com a má qualidade do serviço que é oferecido e atrasos nos horários das
viagens. De modo que é quase impossível encontrar alguém que diga que está
satisfeito, como usuário, do sistema de ônibus, trens e metrôs. Eu,
particularmente, não estou.
No plano das ideias, o transporte público de passageiros deveria sempre passar pelos pontos de embarque e desembarque nos horários programados; não circularem lotados e muito menos superlotados; e oferecer conforto tanto aos passageiros como aos motoristas e cobradores. Mas, infelizmente, é o contrário desse cenário a realidade que se verifica na Região Metropolitana do Recife, cuja malha metroviária ainda é bastante diminuta em relação à demanda da população que, sem outra alternativa, sofre diariamente espremida em ônibus que integram um sistema – lembre-se que o transporte público de passageiros é uma concessão pública – que, francamente, não tem um mínimo de respeito para com o cidadão.
O intelectual irrequieto Jomard Muniz de Brito é um dos grandes personagens da cena cultural do Recife |
Entre
agruras e maus bocados eu vivenciei – e tenho vivenciado – uma porção de coisas
boas nos ônibus nos quais embarquei. Sentado ao lado da janela ou de pé durante
toda a viagem, por vezes eu me deixo levar pelas paisagens que os olhos
alcançam lá fora; mas, fundamentalmente, o que mais me interessa é o que vai, é
o que acontece dentro do ônibus.
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