17 de abril de 2014

Crônicas de ônibus (I)

Por Clênio Sierra de Alcântara



                           Fotos: o autor do texto              Flagrantes feitos na Av. Conde da Boa Vista, área central do Recife                                              

O meu saudoso amigo dos tempos de faculdade, Valdemir Machado, com quem diversas peguei carona, me dizia que era muito boa a comodidade proporcionada pelo carro, porque o veículo possibilitava um grande ganho de tempo nos deslocamentos, sobretudo para ele, que morava em Paulista e estudava no Recife. Mas havia um senão. E certa feita ele me disse: “O ruim de andar sempre de carro, Clênio, é que a gente se desliga do mundo, fica sem saber os assuntos que o povo comenta nas ruas e nos ônibus; a gente perde isso, esse contato que é tão importante”.







Desde que eu me entendo por gente, ando de ônibus. E, como há treze anos resido na Ilha de Itamaracá, eu venço longas distâncias dentro de coletivos a fim de me deslocar para os municípios vizinhos. Sempre enxerguei os transportes públicos de passageiros – ônibus, trens, metrôs – como os meios de locomoção ideais para toda e qualquer sociedade que tem consciência do quão é daninho para as cidades, a superabundância de automóveis nas estradas, que provoca congestionamentos intermináveis, atropelamentos e colisões sem fim, e a poluição desenfreada do ar. Além disso, vê-se que, no Brasil, o espaço citadino é constantemente pressionado para acomodar mais e mais carros que diariamente entram em circulação nas vias de todo o país: alargam-se ruas e avenidas, constroem-se túneis e viadutos e o trânsito permanece caótico.






O descaso para com os transportes públicos de passageiros neste país, aliada a uma política que tenta incutir na população que todo e cada cidadão pode adquirir um automóvel, fez com que as pessoas que dependem completamente desses meios para tocarem suas vidas, quase sempre sofram com a dura realidade de coletivos e vagões superlotados e inseguros, tarifas absurdas que não condizem com a má qualidade do serviço que é oferecido e atrasos nos horários das viagens. De modo que é quase impossível encontrar alguém que diga que está satisfeito, como usuário, do sistema de ônibus, trens e metrôs. Eu, particularmente, não estou.










No plano das ideias, o transporte público de passageiros deveria sempre passar pelos pontos de embarque e desembarque nos horários programados; não circularem lotados e muito menos superlotados; e oferecer conforto tanto aos passageiros como aos motoristas e cobradores. Mas, infelizmente, é o contrário desse cenário a realidade que se verifica na Região Metropolitana do Recife, cuja malha metroviária ainda é bastante diminuta em relação à demanda da população que, sem outra alternativa, sofre diariamente espremida em ônibus que integram um sistema – lembre-se que o transporte público de passageiros é uma concessão pública – que, francamente, não tem um mínimo de respeito para com o cidadão.

















O intelectual irrequieto Jomard Muniz de Brito é um dos grandes personagens da cena cultural do Recife







Entre agruras e maus bocados eu vivenciei – e tenho vivenciado – uma porção de coisas boas nos ônibus nos quais embarquei. Sentado ao lado da janela ou de pé durante toda a viagem, por vezes eu me deixo levar pelas paisagens que os olhos alcançam lá fora; mas, fundamentalmente, o que mais me interessa é o que vai, é o que acontece dentro do ônibus.

Nenhum comentário:

Postar um comentário