24 de abril de 2014

Desonestidade tem prazo de validade?



Por Clênio Sierra de Alcântara



Quando, neste país, órgãos fiscalizadores que deveriam a todo tempo estar a postos, mantendo diuturnamente as ações que lhe cabem, resolvem, de uma hora para outra, “intensificar” os trabalhos e mostrar serviço, não há quem não desconfie de que existe algo a mais do que empenho dessas instituições para aumentarem a produtividade de seus funcionários.

Nas últimas semanas a população da Região Metropolitana do Recife acompanhou a divulgação de ações fiscalizadoras levadas a cabo por representantes da Vigilância Sanitária e do Procon, que visitaram e interditaram vários supermercados que desrespeitavam normas básicas de armazenamento e comercialização de alimentos. E o que foi que os fiscais encontraram em tais estabelecimentos infratores? Toneladas de produtos vencidos; carnes que não tinham sido liberadas para a comercialização pelos órgãos competentes; revalidação de mercadorias; e inadequação da temperatura de aparelhos de refrigeração para a conservação de vários tipos de alimentos. E isso, caro leitor, não foi encontrado na mercearia de Dona Neta e nem na barraca de Seu Manuel; foi em negócio de gente grande, como o Carrefour e o Bompreço, entre outros.

Seja pelo motivo que tenha sido – como a proximidade da chegada dos milhares de turistas que virão assistir aos jogos da Copa do Mundo, dizem alguns -, o fato é que essa maior – e ela não terminou, felizmente – diligência dos órgãos de defesa do consumidor deixou muito claro o quanto que o cidadão é enganado por empresários inescrupulosos que visão tão somente ao lucro e que se dane o resto. A desfaçatez com que alguns deles dão a resposta pronta: “tomaremos as devidas providências para que isso não mais se repita”, quando suas empresas são pegas em flagrante delito, me chega somente como uma grande provocação, como uma tremenda zombaria, como se fôssemos uns basbaques, uns idiotas que não tivéssemos noção do quão grave é a questão e o risco de se ingerir alimentos impróprios para o consumo humano.

Quem já trabalho e/ou trabalha com a comercialização de produtos perecíveis, como foi o meu caso, conhece bem o modo como a política do lucro a qualquer custo é tomada por algumas empresas, que buscam incutir essa “lógica do mercado” nos seus funcionários. Duvido que, por medo de perder o emprego, alguém já não tenha sido “cúmplice” de algum empresário em pelo menos um episódio que objetivasse lesar o consumidor. Os fatos e somente os fatos divulgados a respeito da interdição de supermercados ocorrida dias atrás dizem isso por si só.

Em entrevista concedida ao muito atraente jornalzinho O Trem Itabirano – edição nº 103, de março passado -, o sociólogo Bolívar Lamounier declarou o seguinte em resposta à pergunta: “por que os nossos políticos, em geral, são tão ladrões de dinheiro público?”: “[...] A corrupção tem muitas formas e muitas causas, são muitos fatores interligados [...] Tenho duas certezas. Primeiro, ela não se deve a uma falha de caráter dos brasileiros. Nós não somos piores nem melhores que outros povos. Segundo, uma grande parte dela se deve à impunidade. Se não começarmos a botar gente de todas as classes na cadeia, não vai ter jeito [...]” (p. 10-11).

A corrupção no Brasil, como se sabe, não se restringe ao mundo dos políticos; ela está disseminada em todas as esferas da sociedade. Punir com severidade os corruptos deveria ser o básico, mas a Justiça brasileira é seletiva, pune de verdade alguns indivíduos e outros não, como se existissem cidadãos mais cidadãos que outros, ainda que eles tenham cometido delitos de mesma natureza.

Uma Justiça que passa a mão na cabeça de alguém que intencionalmente comercializa alimentos com prazo de validade vencido e/ou mantidos sob condições de conservação que comprometem a sua qualidade nutricional, pondo em risco a vida de um sem-número de pessoas, aplicando contra os criminosos apenas multas, convenhamos, não é justa, e, também ela, perdeu o seu prazo de validade.







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