Por Clênio
Sierra de Alcântara
Quando,
neste país, órgãos fiscalizadores que deveriam a todo tempo estar a postos,
mantendo diuturnamente as ações que lhe cabem, resolvem, de uma hora para
outra, “intensificar” os trabalhos e mostrar serviço, não há quem não desconfie
de que existe algo a mais do que empenho dessas instituições para aumentarem a
produtividade de seus funcionários.
Nas
últimas semanas a população da Região Metropolitana do Recife acompanhou a
divulgação de ações fiscalizadoras levadas a cabo por representantes da
Vigilância Sanitária e do Procon, que visitaram e interditaram vários
supermercados que desrespeitavam normas básicas de armazenamento e
comercialização de alimentos. E o que foi que os fiscais encontraram em tais
estabelecimentos infratores? Toneladas de produtos vencidos; carnes que não
tinham sido liberadas para a comercialização pelos órgãos competentes;
revalidação de mercadorias; e inadequação da temperatura de aparelhos de
refrigeração para a conservação de vários tipos de alimentos. E isso, caro
leitor, não foi encontrado na mercearia de Dona Neta e nem na barraca de Seu
Manuel; foi em negócio de gente grande, como o Carrefour e o Bompreço, entre
outros.
Seja
pelo motivo que tenha sido – como a proximidade da chegada dos milhares de
turistas que virão assistir aos jogos da Copa do Mundo, dizem alguns -, o fato
é que essa maior – e ela não terminou, felizmente – diligência dos órgãos de
defesa do consumidor deixou muito claro o quanto que o cidadão é enganado por
empresários inescrupulosos que visão tão somente ao lucro e que se dane o
resto. A desfaçatez com que alguns deles dão a resposta pronta: “tomaremos as
devidas providências para que isso não mais se repita”, quando suas empresas são
pegas em flagrante delito, me chega somente como uma grande provocação, como
uma tremenda zombaria, como se fôssemos uns basbaques, uns idiotas que não
tivéssemos noção do quão grave é a questão e o risco de se ingerir alimentos
impróprios para o consumo humano.
Quem
já trabalho e/ou trabalha com a comercialização de produtos perecíveis, como
foi o meu caso, conhece bem o modo como a política do lucro a qualquer custo é
tomada por algumas empresas, que buscam incutir essa “lógica do mercado” nos
seus funcionários. Duvido que, por medo de perder o emprego, alguém já não
tenha sido “cúmplice” de algum empresário em pelo menos um episódio que
objetivasse lesar o consumidor. Os fatos e somente os fatos divulgados a
respeito da interdição de supermercados ocorrida dias atrás dizem isso por si
só.
Em
entrevista concedida ao muito atraente jornalzinho O Trem Itabirano – edição nº 103, de março passado -, o sociólogo
Bolívar Lamounier declarou o seguinte em resposta à pergunta: “por que os
nossos políticos, em geral, são tão ladrões de dinheiro público?”: “[...] A
corrupção tem muitas formas e muitas causas, são muitos fatores interligados
[...] Tenho duas certezas. Primeiro, ela não se deve a uma falha de caráter dos
brasileiros. Nós não somos piores nem melhores que outros povos. Segundo, uma
grande parte dela se deve à impunidade. Se não começarmos a botar gente de
todas as classes na cadeia, não vai ter jeito [...]” (p. 10-11).
A
corrupção no Brasil, como se sabe, não se restringe ao mundo dos políticos; ela
está disseminada em todas as esferas da sociedade. Punir com severidade os
corruptos deveria ser o básico, mas a Justiça brasileira é seletiva, pune de
verdade alguns indivíduos e outros não, como se existissem cidadãos mais
cidadãos que outros, ainda que eles tenham cometido delitos de mesma natureza.
Uma
Justiça que passa a mão na cabeça de alguém que intencionalmente comercializa
alimentos com prazo de validade vencido e/ou mantidos sob condições de
conservação que comprometem a sua qualidade nutricional, pondo em risco a vida
de um sem-número de pessoas, aplicando contra os criminosos apenas multas,
convenhamos, não é justa, e, também ela, perdeu o seu prazo de validade.
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