17 de maio de 2014

Abreu e Lima: orgulho e vergonha nacional

Por Clênio Sierra de Alcântara


Praça da Bandeira: neste local teve início o movimento das Diretas Já! que tomou o país 


Não sou passadista. Estou sempre evocando o passado porque ele constitui a matéria dos meus ofícios: de pesquisador, de historiador e de escritor, sobretudo de escritor, porque me considero acima de tudo um escritor. O passado é o elemento principal, é o mote, é a base, é o estímulo, é o motivo, é mesmo a razão de praticamente tudo o que escrevo, porque é com o passado que eu busco compreender o tempo presente.









À maneira de um retirante toda a minha infância vivida em Abreu e Lima, cidade da Região Metropolitana do Recife, foi marcada pelas mudanças constantes de residência. Não possuíamos casa própria; e por não podermos pagar certos valores cobrados pelo aluguel de alguns imóveis, tínhamos de estar sempre em busca daqueles pelos quais se cobrassem menos. Em vista disso, somente no bairro do Timbó, que eu me lembre, residimos em três casas diferentes; na área central da cidade fixamos morada em dez pontos distintos; e ainda passamos um tempo no Alto da Bela Vista e na vila da Cohab, na Matinha.










Nesta foto e nas seguintes  registros feitos na Av. Duque de Caxias, área central da cidade


Certas paisagens de Abreu e Lima estão de maneira tal pintadas na minha memória, que o transcurso do tempo e as mudanças que ele normalmente provoca, não conseguiram sequer esmaecer essas lembranças. Ruas, prédios, sítios, rios, pessoas, acontecimentos, escolas, sabores, odores, fantasias... Abreu e Lima está em tudo o que vivo e sou, porque se encontra ali a substância mesma que me formou em quase todos os aspectos; e porque ela é o meu pedacinho de chão no mundo.



O tom um tanto quanto memorialístico que imprimi aos parágrafos iniciais deste artigo serviram como uma espécie de válvula de escape. Não, melhor seria dizer como um lenitivo ou algo que o valha, que servisse para aplacar a tristeza e o desapontamento provocados pelos episódios de saques e vandalismo registrados na cidade de Abreu e Lima nos últimos dias.








Tapumes em algumas lojas sinalizavam que a normalidade ainda não havia retornado ao comércio abreulimense






Num tempo como o atual em que, apesar de ainda contarmos com serviços públicos precários em vários setores como saúde, educação e segurança pública, visto que a oferta é incompatível com a demanda – a população brasileira cresceu algumas dezenas de milhões nas últimas três décadas – é inegável que, pelo menos para os da minha geração – que não tinham acesso a Bolsa Família e congêneres, a Prouni, a Enem, a facilidades de obtenção de crédito para a compra dos mais variados bens como carro e casa, que encontravam nos postos de saúde apenas quem extraísse seus dentes e nunca quem pudesse recuperá-los, etc. -, os brasileiros das camadas mais baixas da população estão gozando de um amparo social proporcionado pelos governos que não tem paralelo na história deste país. Daí por que me assustam os altos índices de criminalidade que são registrados em nossas cidades – gente, algumas capitais brasileiras figuram entre as metrópoles mais violentas do mundo! -, o crescimento dos casos de estupro de mulheres e a onda de linchamentos que nas últimas semanas estarreceram os cidadãos de bem desta nação.









Como explicar que a criminalidade recrudesça numa sociedade que tem mais acesso à informação, que tem um maior grau de escolaridade, que não enfrenta conflitos étnicos e religiosos, que viva sob um regime democrático que, enfim, não esteja imersa numa guerra civil?Como explicar que a criminalidade recrudesça numa sociedade que tem mais acesso à informação, que tem um maior grau de escolaridade, que não enfrenta conflitos étnicos e religiosos, que viva sob um regime democrático que, enfim, não esteja imersa numa guerra civil?






Homens retirando a grade fixada na porta da loja para evitar arrombamento










Bastaram três dias de paralisação dos policiais militares de Pernambuco – aliás, paralisação mais do que justa, porque reivindicatória de melhoria de salário e de condições gerais de trabalho, principalmente para os praças, inseridos num sistema que historicamente sempre privilegiou de todas as maneiras o oficialato, tratando-o não apenas como cidadãos de segunda classe, mas também como seres humanos inferiores, como bucha de canhão, como a ralé da tropa -, para que fossem registrados diversas ações de saques em lojas e supermercados em várias cidades – em Abreu e Lima ocorreram os primeiros saques; e foi nesse município que eles aconteceram em maior número -; e para que o medo e a sensação de insegurança tomassem conta da população. Nessas horas os espíritos de porco, os falsos moralistas e os defensores de marginais que estão em toda parte e que infestam um amplo contingente da imprensa, posando como escudos protetores de desajustados,  puseram o rabinho entre as pernas, porque eles sabem que numa situação como essa, todos nós ficamos à mercê da ação de criminosos.














Nos últimos tempos grande parte da imprensa deste país tratou de apresentar o policial militar como alguém que, em vez de proteger, “amedronta a população”; como alguém que não tem bom preparo e, por isso, “comete excessos”. Ocorre que, ao mesmo tempo em que demoniza de todas as formas esse policial, essa imprensa retrógrada e imbecilizante dá guarida e celebriza o marginal, o vândalo, o desajustado, o maconheiro, o traficante, o assassino, o estuprador, o saqueador, porque estes, segundo a ótica de uma imensa leva de jornalistas, são uns “coitadinhos que não tiveram chances na vida” e/ou então são pessoas que “estão lutando por um mundo melhor”. E é seguindo essa mesma absurda visão que os autodenominados defensores dos direitos humanos vivem a batalhar por melhoria das condições de vida dos delinquentes, enquanto que para os verdadeiros cidadãos de bem, aqueles que trabalham para sustentar a eles e aos seus, que pagam os seus impostos e sonham em ter uma vida melhor, resta suportar o peso dessa realidade amesquinhadora que subverte a escala de valores.




A partir desta foto os flagrantes foram feitos na Rua Ananias Lacerda, em Caetés Velho








Por mais que se diga que os diversos escalões da segurança pública deste país estão contaminados por alguns maus elementos, eu continuo acreditando na corporação, eu permaneço defendendo a autoridade, eu prefiro acreditar que os policiais militares vão para as ruas para garantir a minha segurança e a de toda a população, porque eles representam a ordem estabelecida pelas instituições e pelas leis. Dito isso, reforço o meu posicionamento de que os policiais militares não devem ir para a rua para apanharem e serem humilhados; não devem abaixar a cabeça para delinquentes causadores de desordem; não devem, por fim, permitir que a segurança da sociedade fique comprometida pela ação de baderneiros e marginais de toda espécie.


Unidade do Supermercado Arco-íris que foi saqueada em dois dias









Porta lateral do Supermercado Todo Dia




No intervalo de algumas poucas semanas a cidade de Abreu e Lima foi do céu ao inferno: figurou como um orgulho e como uma vergonha nacional. Dentro das comemorações pela efeméride dos trinta anos do movimento Diretas Já!, havidas em março, a cidade foi lembrada como o lugar que é considerado o epicentro desse evento histórico, porque foi na acanhada Praça da Bandeira – que devido a isso, a meu ver, deveria ser rebatiza como Praça da Bandeira da Liberdade – que ocorreu, em 31 de março de 1983, um comício organizado por alguns vereadores da cidade, então recentemente emancipada, no qual se discutiu publicamente pela primeira vez no Brasil a proposta de os brasileiros poderem voltar a eleger o Presidente da República, algo por demais audacioso tendo em vista que este país vivia sob um regime ditatorial; já nesta semana, no mesmo dia em que o município celebrava os trinta e dois anos de emancipação política – 14 de maio (e no dia seguinte) -, algumas de suas ruas – Av. Duque de Caxias e Rua Ananias Lacerda, além da Praça Antônio Vitalino – foram tomadas por hordas de meliantes que saquearam lojas, supermercados e até mesmo caminhões de carga que se encontravam na BR 101, que atravessa o espaço urbano passando por sua área central. As imagens das pessoas carregando de eletrodomésticos a pacotes de papel higiênico eram um assombro. E os rastros de destruição deixados nos estabelecimentos comerciais permaneceram como provas irrefutáveis da incivilidade de toda aquela gente.













A história de uma cidade é construída diariamente. Daqui a alguns anos, os episódios de selvageria que marcaram algumas das ruas de Abreu e Lima neste maio ainda em curso serão lembrados como uma ocasião em que indivíduos desonestos e desordeiros tomaram de assalto um lugar pacífico e envergonharam os honrados e honestos cidadãos que nele habitavam.




                      (Todas as fotos deste post foram feitas por mim na manhã de ontem).

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