Por Clênio Sierra de
Alcântara
Quinhentos
e catorze anos de um “processo civilizatório” que empregou mecanismos tais como
um regime escravocrata e um tribunal inquisitorial, a proibição durante séculos
da implantação de estabelecimentos de publicação de livros e décadas de
governos ditatoriais, culminaram neste triste quadro que é o Brasil: um país de
milhões de analfabetos – os que nada sabem ler e escrever; e os analfabetos
funcionais, que leem e escrevem com dificuldade – que não encontra, que não
consegue achar o caminho verdadeiro da civilização e do progresso social.
Frei
Vicente do Salvador certa feita declarou que a população que vivia no Brasil
nos primeiros tempos da colonização não buscava o interior do território: habitava
a costa “como caranguejos arranhando o litoral”. Sob outra ótica ainda hoje se
diz em grande parte do Nordeste, quando se quer apontar alguém que está fazendo
e/ou fez algo contrário ao senso comum, que fulano “anda para trás que nem
caranguejo”. Dadas as circunstâncias dos tormentosos dias que correm é de se
pensar que os brasileiros não temos um “complexo de vira-latas”, como
enfatizava Nelson Rodrigues; o que temos mesmo, creio eu, é um “complexo de
caranguejos”: não progredimos de fato, porque continuamos a dar enormes passos
para trás.
Prender
criminosos e ofertar a eles as mais diversas regalias, não é progresso.
Empregar dinheiro – no caso em questão, algo mais de 1 bilhão de reais – num
negócio de antemão tido como furado, não é progresso. Pressionar órgãos de
pesquisa para que não sejam divulgados dados que exponham a realidade e, por
conseguinte, revelem a inoperância do Governo, não é progresso. Investir
bilhões de reais na construção e reforma de estádios de futebol quando ao
cidadão não são oferecidos serviços públicos de qualidade nas escolas, nos
hospitais e nem segurança, não é progresso. Ser conivente e/ou cúmplice de
políticos malfeitores, não é progresso. Intimidar a imprensa livre e
independente, não é progresso. Apoiar regimes ditatoriais, inclusive com
dinheiro, não é progresso.
Aplicando a Lei de Lynch. Não vou cair aqui no discurso tolo de dizer que a
turba de linchadores que, de uns meses para cá apareceu no noticiário, se
originou e ganhou corpo porque os brasileiros não acreditam e nem confiam na
Justiça do seu país. Uma gente que não respeita sinais de trânsito, que
descaradamente joga lixo nas ruas, que burla o fisco, que furta água e energia,
que compra documentos falsos para pagar meia entrada, que não lê livros, que
gasta horas escrevendo e/ou “curtindo” bobagens e futilidades de toda ordem nos
Facebooks da vida, não é apenas fruto de uma Justiça deficiente. Gente assim é
resultado de uma educação precária – tanto escolar como familiar – na qual
valores éticos e morais não são postos na grade curricular. Daí por que nestas
plagas quem cumpre com todas as suas obrigações sociais é tachado de idiota.
Daí por que neste lugar quem não compactua com falcatruas é escanteado quando
não perseguido e retaliado.
Talvez
por não ter tido uma educação exemplar, eu permaneça carregando alguns
preconceitos. Talvez por não ter tido uma educação exemplar, eu continue
praticando algumas mesquinharias. Talvez por não ter tido uma educação
exemplar, meus raciocínios sejam deveras simplistas. Talvez por não ter tido
uma educação exemplar, eu às vezes me perca em divagações vazias.
Brutalidade,
covardia, barbárie, intolerância, ah, minha nossa, como eu me senti mal e
derrotado ao assistir a um vídeo que mostrava o linchamento da Fabiane Maria de
Jesus, ocorrido no Guarujá, em
São Paulo , no sábado passado. E chorei. Chorei sentindo a dor
provocada pela impotência, pelo inconformismo, pela incapacidade de compreender
tamanha crueldade, pela vergonha e pelo medo de viver em uma sociedade na qual
dezenas de indivíduos são capazes de cometer algo tão desumano, tão ignóbil,
tão abjeto. A sequência que exibia um homem empunhando um pedaço de madeira com
intenção de desferir golpes na indefesa mulher foi uma das coisas mais
terríveis que eu já vi.
Provavelmente
pelo resto da minha vida, as imagens do trucidamento da pobre Fabiane Maria de
Jesus, às quais eu assisti, ficarão rondando a minha cabeça como a lembrança
permanente de que a ignorância, a brutalidade e a intolerância podem fazer com
que pessoas retornem à condição primeva da animalidade e da selvageria.
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