Por Clênio Sierra de Alcântara
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Espelho, espelho meu... No Reino da Indiferença não importa que o espelho revele o que realmente somos |
Basta que saiamos de nossas
zonas de conforto – ainda que seja momentaneamente e/ou percebamos um
indicativo de saída – para que nos quedemos perturbados, aflitos, agressivos e
até tristes. Habituamo-nos e nos apegamos de maneira tal às coisas e situações
sobre as quais julgamos ter sob o nosso controle que qualquer ameaça, qualquer
movimento que modifique o mínimo que seja esse universo particular que vamos
diariamente construindo surge como um drama existencial.
Creio – a maioria não admite
isso - que possuímos – cada um de nós – uma reserva imensa de indiferença para
com o outro. Daí por que, num primeiro momento até nos deixamos ser tocados por
alguma midiática tragédia qualquer para, logo em seguida, retornarmos ao nosso
mundinho privativo, como se nada tivesse acontecido. Preocupados estamos quase
que todo o tempo com o nosso próprio umbigo que esquecemos que existe um mundo
repleto de conflitos de toda ordem ao nosso redor.
Nossa reserva de indiferença
é tão inabalável e imbatível que somos capazes de colocar num mesmo saco o
relato triste da morte do leão Cecil; a imagem do menino Aylan Shenu encontrado
inerte numa praia; os frequentes assassinatos e espancamentos e humilhações que
se destinam a negros e homossexuais por eles serem quem são; o desespero de
milhares de indivíduos cruzando arriscadamente fronteiras em busca de dias
melhores para as suas existências; os doentes acomodados no piso dos corredores
dos hospitais; o drama dos tantos que vagam em mendicância pelas ruas sem ter o
que comer e nem para onde ir; a morte diária de dezenas de jovens nas
periferias das grandes cidades brasileiras; o crescimento incessante de favelas
com suas condições precárias de moradia... E pensamos que, de uma hora para
outra, sem que movamos sequer uma palha, essa realidade tenebrosa se modificará
por si mesma e então enxergaremos um mundo tão somente colorido e feliz.
Nossas pequenas misérias
contam agora com a cumplicidade das telas de tablets e smartphones.
Como já se disse, não existe nada ruim que não possa ficar pior. Presos a uma
estúpida crença de que a conectividade internética nos torna pessoas melhores
e/ou interessantes, julgamos, além disso, que precisamos ocupar grande parte do
nosso tempo compartilhando mensagens e fotografias superimportantes que, na
verdade, não têm importância nenhuma. Não queremos ler um livro, uma revista,
um jornal ou um site de notícias, mas
nos dispomos a escrever e ler centenas de bobagens postadas nos Twitters, Facebooks, WhatsApps e
quetais. Com frequência nos recusamos a falar cara a cara com as pessoas que
nos têm realmente em conta e, por outro lado, compartilhamos virtualmente, com indivíduos
que não sabemos nem se são o que dizem ser, nossas intimidades mais comezinhas.
A vida é uma aventura tão perturbadoramente desafiante, frágil e preciosa e nós
nos entregamos ao absurdo de trocar o afago real, o abraço reconfortante e a
voz no ouvido por textos e mais textos breves que vão e vêm na velocidade
ditada pela qualidade de conexão da operadora de telefonia à qual nos filiamos.
Remorso talvez seja o mais
repulsivo dos sentimentos que constituem a natureza humana. Mas será que pode o
indiferente sentir remorso? Não sei por que eu reluto em admitir a minha
absoluta descrença na humanidade.
Parei de me punir por conta
de falas duras, de demônios dos quais não consigo - talvez por não querer – me
livrar, de minhas intolerâncias, de minhas indiferenças, de minhas ingratidões
e até do meu desamor. Reconheço que sou incapaz de ser um homem apenas justo,
correto e bom. O que, sim, eu venho me cobrando, é uma vigilância incessante
para que o mau não mate o que ainda há de justeza, correção e bondade em mim.
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