Fotos: do autor Aos 480 anos Igaraçu ainda conserva muito do esplendor que a tornou conhecida em todo o país. Setembro é festivo e as pessoas correm para as ruas a fim de aproveitar |
Todo pernambucano que se
interessa minimamente pela história de sua terra, desde cedo aprende que foi em
Igaraçu que teve início o povoamento de Pernambuco pelos portugueses. Sabe-se
que, já em 1516, Cristóvão Jacques estabelecera com os homens que o acompanhara
uma feitoria às margens do Canal de Santa Cruz. Segundo Sebastião de
Vasconcellos Galvão registrou em seu Dicionário
corográfico, histórico e estatístico de Pernambuco existe uma certa dúvida
quanto ao fato de se dizer que foi em 27 de setembro de 1530 que portugueses
duelaram e venceram franceses e também os índios potiguaras que com estes se
aliaram. Apoiado em fontes que ele não cita, Galvão acreditava que, na verdade,
o acontecimento se deu em 1535 ou, a ser conservada aquela data, o comandante
vencedor do embate tenha sido Pero Lopes de Souza, Martim Afonso de Souza ou
Cristóvão Jacques e não Duarte Coelho Pereira.
Antiga Casa de Câmara e Cadeia |
Parque de diversão é um dos itens obrigatórios na festa de Igaraçu |
Acompanhemos atentos o bom e
velho Sebastião Galvão. Ele nos conta ainda que o rei português Dom João III
tomou conhecimento daquela luta sangrenta e, por ocasião da divisão do Brasil
em capitanias, como uma recompensa pelo desempenho de Duarte Coelho naquele
enfrentamento e por outros serviços prestados na Índia, fez por carta régia de
10 de março de 1534, a doação das terras de Pernambuco ao valente Duarte, tendo
sido o foral lavrado em 24 de setembro do mesmo ano:
Em
9 de Março de 1535 fundeou a armada no porto de Itamaracá e Duarte Coelho
saltou com sua família e gente no sitio dos Marcos, á margem do rio Iguarassú
[também chamado de São Domingos, Monjope e Santa Cruz], limite de suas terras
com as de Itamaracá.
Igreja do Convento do sagrado Coração de Jesus |
Sobrado onde o Imperador Dom Pedro II teria pernoitado em 1859. Desde o mês de agosto o prédio abriga a Casa do Patrimônio |
Ainda no ano da chegada de
Duarte Coelho ao sítio onde se daria efetivamente o início do povoamento da terra
pernambucana pelos portugueses – é claro que não se está aqui querendo dizer
que esta terra era desabitada, que não existiam povos nativos ocupando ela -,
foi erguida uma capela que teve como oragos os santos Cosme e Damião, em
virtude de ser a eles consagrado o dia 27 de setembro. Transcorrido cinco
séculos e inúmeras transformações e reparos, o pequeno edifício eclesiástico
existe até hoje como orgulho máximo dos igraçuenses, que enchem o peito para
dizer que ela é “a igreja mais antiga do Brasil”.
A Igreja dos Santos Cosme e Damião: motivo de orgulho dos igaraçuenses |
Prédio da Biblioteca Pública Municipal |
Supõe-se que foi em 1550 que
Igaraçu obteve a categoria de freguesia. No mesmo século Dom João III lhe
conferiu o título de vila, denominando-a de “Muito nobre, sempre leal e mais
antiga villa da Santa Cruz de SS. Cosme e Damião”. O tempo foi passando e a prosperidade
da pequena vila começou a chamar a atenção de outros forasteiros. Em 1º de
março de 1632 holandeses comandados pelo general Werdenbourg e guiados por
Calabar adentraram na povoação e saquearam-na.
De acordo com a lei orgânica
dos municípios nº 52, de 3 de agosto de 1892, Igaraçu se constituiu município
autônomo em 28 de fevereiro de 1893. Três anos depois, segundo a lei nº 130, de
3 de julho de 1895, ela foi elevada à categoria de cidade.
A origem do topônimo Igaraçu
é indígena e significa “canoa grande”. Diz-se que foi assim que os índios
chamaram, admirados, as embarcações em que apareceram os primeiros europeus que
eles viram: igara, canoa – açu, grande.
Igreja do Convento de Santo Antônio |
Conforme a “Divisão
administrativa, em 1911”, citada pela Enciclopédia
Brasileira dos Municípios, Igaraçu compunha-se de três distritos: Igaraçu,
Itapissuma e Pilar (Ilha de Itamaracá). No quadro da divisão administrativa
relativo ao ano de 1933, publicado no Boletim
do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e no de divisão territorial
datado de 31 de dezembro de 1936, o município era formado pelos distritos de
Igarassu, Itapissuma, Chã de Estêvão e Itamaracá (sem Pilar). O quadro de
divisão territorial com data de 31 de dezembro de 1937 e o anexo ao Decreto-lei
estadual nº 92, de 31 de março de 1938, Igarassu permaneceu com os distritos do
mesmo nome e Itapissuma, Chã do Estêvão e Itamaracá; o que se nota de mudança
no referido quadro é que o distrito de Itamaracá se denomina Pilar. Por força
do Decreto-lei estadual nº 235, de 9 de dezembro de 1938, que estabelecia
divisão territorial para vigorar no quinquênio 1939-1943, o município – e,
consequentemente, o distrito – de Igarassu tiveram seu topônimo mudado para
Igaraçu; e, nessa divisão territorial, Igaraçu figurava com o distrito-sede e
os de Araçoiaba (ex-Chã do Estêvão), Itamaracá e Itapissuma; tal configuração
foi mantida na divisão territorial-administrativo-judiciária do Estado que
vigorou no quinquênio 1944-1948, fixada pelo Decreto-lei estadual nº 952, de 31
de dezembro de 1943. A Lei municipal nº 148, de 30 de maio de 1953 criou os
distritos de Nova Cruz e Três Ladeiras – o primeiro, com território da sede; e
o segundo, de Araçoiaba. Antes que o século XX terminasse, Igaraçu perderia
porções significativas de seu espaço territorial: Araçoiaba, Itapissuma e a
Ilha de Itamaracá se emanciparam e lograram o status de cidades.
O casario conservado de Igaraçu é algo encantador |
Ciclistas atravessando a ponte sobre o Rio São Domingos |
Ao fundo, a Capela de São Sebastião |
Distando a cerca de 30 km da
capital Recife, Igaraçu é nacionalmente conhecida em razão do rico patrimônio
edificado que abriga, como a já mencionada Igreja dos Santos Cosme e Damião; a
Capela de São Sebastião; a antiga Casa de Câmara e Cadeia, onde se instalou a
Câmara dos Vereadores; o Convento de Santo Antônio, onde estão expostos quatro
grandes painéis da primeira metade do século XVIII, que retratam acontecimentos
– além da ilustração aparecem textos breves – da história da localidade,
lembrando a intercessão dos santos padroeiros Cosme e Damião; o Convento e
Igreja do Sagrado Coração de Jesus e a Capela de Nossa Senhora do Livramento.
Além de um casario encantador encravado, junto com os edifícios mencionados,
num terreno de relevo acidentado que torna o sítio histórico um lugar ímpar.
Mas é claro que Igaraçu é bem maior que o seu cenário antigo. O município
engloba inúmeras localidades que abrangem paisagens tomadas por canaviais, um
parque industrial que cada dia ganha mais projeção na economia de Pernambuco e
um trecho de praia bastante procurado.
Numa página do seu famoso Guia prático, histórico e sentimental da
cidade do Recife, cuja 1ª edição saiu em 1934, mestre, o grande mestre
Gilberto Freyre, que tinha um apreço enorme pelo núcleo citadino igaraçuense,
assim recomendou um “Passeio a Olinda e Igaraçu”: “Demorando no Recife, o
turista não deixe de ir a Olinda. É a mãe do Recife. Podendo vá também a Igaraçu,
que é a avó” – imagino que foi com indisfarçável lamento que ele, logo em seguida
a essa dica turística tenha classificado o velho burgo como “Cidade morta” que,
não duvido, deveria se referir ao estado de abandono em que na época se
encontrava seu conjunto arquitetônico e paisagístico.
Hora da missa: os igaraçuenses agradecem aos santos-meninos |
Corre, corre, meninada, que os confeitos vão acabar!! |
Outro ilustre pernambucano
que incluiu Igaraçu em sua obra foi Lourenço da Fonseca Barbosa, o Capiba,
autor de uma variada produção musical que na composição “Igaraçu, cidade do
passado” – ela nasceu depois de uma visita feita em 1950 – evocou uma paisagem
não apenas física, mas também memorialística:
Olhando
os teus campos,
Teus
canaviais
Menino
inda hoje
Eu
sinto que sou.
Teu
povo tão bravo,
Teus
feitos heroicos,
Serão
para sempre
Lembrados
por nós
-
Toda vida –
Igaraçu!
Igaraçu!
Cadê
tuas moças bonitas
Que
em dia de festa cantavam
Melodias
de nossos avós?
Igaraçu!
Cadê
teus garotos levados,
Que
brincavam descalços na rua,
Mas
rezavam, de noite, ao deitar?
Igaraçu!
Cadê
tuas festas de igreja,
Onde
o povo fazia oração
Para
São Cosme, para São Damião?
Igaraçu,
cidade do passado,
Tu
viverás nos livros tristes,
Ninguém
foi mais do que tu!
Setembro fervilha em
Igaraçu. E faz tempo que é assim. A cidade se enfeita, traz parque de diversão
e cantores, celebra missas, passa uma demão de tinta nas paredes do casario
antigo – eu havia me dito que nessa crônica festiva e evocativa de tantas
coisas boas que me ligam a Igaraçu, não iria abordar o trato com o patrimônio
edificado da cidade, mas não resisti. Numa ocasião tão especial como essa, não
se cuidou de renovar as placas de sinalização dos monumentos, que estão
completamente apagadas; o prédio da Rua Dantas Barreto permanece, há mais de
dez anos, sem telhado e, tudo leva a crer, a caminho do desabamento; e a Municipalidade
teve a infeliz ideia (e olhem que o Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional mantém uma Casa do Patrimônio ali perto) de pôr um letreiro
na fachada do belo edifício que a abriga indicando que é lá a “Prefeitura de
Igarassu” – e espoca fogos de artifício, tudo em honra dos santos padroeiros
Cosme e Damião. Neste ano as comemorações se fizeram mais intensas, porque a
cidade completou 480 anos de existência.
Na tarde do último domingo,
exatamente no dia dos padroeiros, desembarquei no sítio histórico da cidade
para acompanhar parte das festividades. Subi e desci ladeiras empunhando minha
câmera fotográfica. Flagrei uma multidão de crianças, adolescentes e alguns
adultos correndo para pegarem bombons, pipocas e brinquedos que
tradicionalmente são distribuídos em louvor dos santos-meninos por pessoas como
paga por graças alcançadas. Cheguei à igreja dos padroeiros no momento em que
se celebrava uma missa. Fotografei um senhor de nome Orlando empunhando um
tabuleiro de pirulitos e um boneco articulado feito de papelão. Vi senhorinhas
sentadas nas calçadas. Registrei também um vendedor de algodão doce; e o vai e
vem das pessoas que por ali passavam: umas com trajes domingueiros, como se diz
por aqui, e outras como que paramentadas para acompanharem a procissão.
Ciclistas retornavam de um passeio quase romaria porque também alusivo aos
santos...
Orlando exibindo as suas mercadorias |
Olha o algodão doce!! |
Eu no "coração" da cidade: Igaraçu está indelevelmente conservada na minha memória afetiva |
Capela de Nossa Senhora do Livramento |
Senti a cidade pulsando viva
e sem se importar com o peso dos tantos anos que carrega nas costas. Cada
recanto daquele lugar me dizia de sua grandeza e importância para a história
não só de um estado, mas de todo um país. As ruas se animavam com as pessoas
que iam chegando... Poucas vezes eu fui tão feliz como naquela tarde que passei
em Igaraçu.
Parabens amigo Clenio, voce escreve muito bem, é um prazer ler seus artigos, solo que no caso deste artigo há informação errada. A igreja mais antiga do Brasil é a da Nossa Senhora da Conceição aquí na Vila Velha na Ilha de Itamaracá, existe prova contundente e irrefutavel da sua existencia em 1526 ! A noção errada de Cosme e Damião de Igarassu nace dum artigo do jornalista Mario Melo em 1926 na edição natalicio do Diario de Pernambuco. Tenho entendido que voce mora aquí na ilha, lhe convido me visitar aquí em Vila Velha quando, com o maior prazer, posso explicar a fascinante e quase desconhecido historia do povoado.
ResponderExcluirQue bom que tem gente que aprecia a nossa história. Gostaria muito de que nos conhecêssemos a fim de trocarmos impressões e "corrigir" equívocos históricos. Mande mensagem para o meu e-mail, informando o telefone. lafrontera@pop.com.br.
ExcluirGrato.
Boa noite Companheiro Sierra...estava lendo outras postagens do seu blog...é impressionante a riqueza de seus textos precisamos divulgar mais ainda os seu trabalhos...
ResponderExcluirSim companheiro já estava me esquecendo...estou enviando para seu e-mail o press release do lançamento do livro...sexta-feira volto ao trabalho!!!
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