15 de outubro de 2015

Precisamos mesmo de lava-jatos?


Por Clênio Sierra de Alcântara




Em algum momento iremos pagar muitíssimo caro por essa irresponsável cultura do desperdício que  parece nos dominar



A “política de governo” que professa de modo incessante que todo e qualquer cidadão, seja ele da classe social que for, deve possuir um carro – os incentivos fiscais para as montadoras e consumidores, como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados, é um dos mecanismos de convencimento dessa estúpida estratégia -, vem, há anos, deteriorando a cada dia mais os espaços de nossas cidades. As linhas de ação dessa política governamental demagógica é vender a ilusão de que os centros urbanos brasileiros têm capacidade de abrigar um número ainda bem maior de veículos automotivos do que os que já estão em circulação. E basta que experimentemos a dura realidade cotidiana de metrópoles como Rio de Janeiro, Salvador e Recife para nos certificarmos de quão enganosa é a propaganda governamental que, por outro lado, negligencia a melhoria do transporte público de passageiros.

Ao mesmo tempo em que estimula a aquisição desenfreada de automóveis, os governos federal, estadual e municipal não procuram a contento adequar as estradas à crescente demanda dos veículos. O processo de degradação ao qual as nossas cidades têm sido submetidas em razão do tráfego de carros se porta de tal maneira e com tamanha magnitude, que os instrumentos legais que existem, com vistas a protegê-las, são constantemente revistos quando não simplesmente ignorados. A política que estabelece a relação de que para cada indivíduo deve existir um carro, se lança sobre as cidades com tanta impetuosidade, fúria e fome de espaço que até mesmo edificações e paisagens históricas são postas abaixo e modificadas para que deem passagem aos possantes automotivos.

No extenso rol de malefícios causados às cidades pela superabundância de carros nas ruas – elevação do número de mortes por atropelamentos, colisões e capotamentos; trânsito praticamente parado por conta dos congestionamentos; construção incessante de estacionamentos; destruição de áreas construídas para abertura de vias e/ou alargamento das já existentes; etc. – um deles, em particular, além de contribuir para o aviltamento do território urbano é um dos responsáveis pela lógica leviana que acelera a degradação do meio ambiente. Num tempo em que se propala não somente a escassez como também o próprio custo elevado para a obtenção de água potável, os lava-jatos representam a própria cultura do desperdício: além de consumirem uma quantidade absurda de água, a imensa maioria desses estabelecimentos opera – pelo que se vê por aí - clandestinamente, sem alvarás de funcionamento e licenças ambientais, e desprovidos de caixas coletoras para óleos e graxas, que acabam contaminando o solo e, por conseguinte, os lençóis freáticos, quando não são despejados diretamente em córregos e mananciais. Por acaso isso não é crime ambiental?

Assim como farmácias e templos neopentecostais, os lava-jatos são um dos grandes filões do mercado que não sabem o que é crise econômica e, por isso, vêm se multiplicando numa velocidade espantosa. Muito contribui para a manutenção dessa degradante engrenagem, tanto a falta de fiscalização dos órgãos públicos como a facilidade com que atualmente se pode montar um negócio dessa natureza. Hoje em dia não se precisa mais de todo aquele aparato que se encontra, por exemplo, em postos de combustíveis que também oferecem serviço de lavagem de veículos. Basta que o sujeito adquira uma lavadora de pressão e disponha de uma torneira ou de qualquer recipiente onde possa armazenar água – tonel, bacia, balde, caixa-d’água, piscina portátil, etc. – e pronto, está montado mais um promissor e lucrativo lava-jato que, operando à margem da lei – e não raro nem sequer pagando pela água que consome e desperdiça -, cobra por vezes uma ninharia para executar o serviço que oferece, atraindo um tipo de consumidor que só se importa com a sua comodidade e satisfação pessoal, sem dar a mínima para as consequências ambientais e sociais que o consumo desse tipo de serviço acarreta. A alienação atingiu níveis tão elevados que há pessoas que frequentam semanalmente lava-jatos como quem busca um lugar de lazer.

Seja por pura incompetência, seja por uma de todo abjeta política de conivência, o fato é que as autoridades governamentais não vêm se importando com os estragos provocados pelos lava-jatos – a generalização pode parecer exagerada, mas de maneira alguma é descabida – onde quer que eles se instalem. Alguns casos são tão contrários ao bom senso que o cidadão que é consciente do seu papel em sociedade só pode pensar que ele está vivendo numa terra de ninguém, onde cada um faz o que quer e o que bem entende. Vejamos três casos verificados em duas cidades da Região Metropolitana do Recife: às margens da PE-35, em Igaraçu, um lava-jato despeja seus resíduos diretamente no rio que corre por trás do terreno onde ele foi instalado; na Ilha de Itamaracá, um famoso destino turístico que é uma verdadeira ilha de problemas urbanísticos, a Municipalidade parece ignorar que na Av. João Pessoa Guerra, há tempos se estabeleceu um lava-jato ao lado de uma escola; enquanto que na PE-01, outro funciona junto de um curso d’água.

A meu ver, sob todos os aspectos, os lava-jatos são símbolos máximos dessa cultura irresponsável que celebra o desperdício, em geral, e de água, em particular, como se ela fosse um recurso que nunca pudesse nos faltar. Enquanto lavouras estão esturricadas, imensos rebanhos de gado bovino morrem sem pastos e com rios secos e muita gente pena para conseguir água para beber, os lava-jatos proliferam cada dia mais. Por que não se se habitua a lavar os carros com água de reuso, em casa, com um balde e uma esponja e/ou flanela, em vez de se recorrer a mangueiras e aos lava-jatos?

Creio que já está mais do que na hora de o poder público repensar a existência de algo que, além de ser inteiramente dispensável para o quadro social, contribui drasticamente para a degradação do meio ambiente ao poluir os ecossistemas e desperdiçar volumes altíssimos de água, este, sim, um item indispensável para a nossa existência.



Nenhum comentário:

Postar um comentário