Por Clênio Sierra de Alcântara
Em algum momento iremos pagar muitíssimo caro por essa irresponsável cultura do desperdício que parece nos dominar |
A “política de governo” que
professa de modo incessante que todo e qualquer cidadão, seja ele da classe
social que for, deve possuir um carro – os incentivos fiscais para as montadoras
e consumidores, como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados, é um
dos mecanismos de convencimento dessa estúpida estratégia -, vem, há anos,
deteriorando a cada dia mais os espaços de nossas cidades. As linhas de ação
dessa política governamental demagógica é vender a ilusão de que os centros
urbanos brasileiros têm capacidade de abrigar um número ainda bem maior de
veículos automotivos do que os que já estão em circulação. E basta que
experimentemos a dura realidade cotidiana de metrópoles como Rio de Janeiro,
Salvador e Recife para nos certificarmos de quão enganosa é a propaganda governamental
que, por outro lado, negligencia a melhoria do transporte público de
passageiros.
Ao mesmo tempo em que estimula
a aquisição desenfreada de automóveis, os governos federal, estadual e municipal
não procuram a contento adequar as estradas à crescente demanda dos veículos. O
processo de degradação ao qual as nossas cidades têm sido submetidas em razão
do tráfego de carros se porta de tal maneira e com tamanha magnitude, que os
instrumentos legais que existem, com vistas a protegê-las, são constantemente
revistos quando não simplesmente ignorados. A política que estabelece a relação
de que para cada indivíduo deve existir um carro, se lança sobre as cidades com
tanta impetuosidade, fúria e fome de espaço que até mesmo edificações e
paisagens históricas são postas abaixo e modificadas para que deem passagem aos
possantes automotivos.
No extenso rol de malefícios
causados às cidades pela superabundância de carros nas ruas – elevação do
número de mortes por atropelamentos, colisões e capotamentos; trânsito
praticamente parado por conta dos congestionamentos; construção incessante de
estacionamentos; destruição de áreas construídas para abertura de vias e/ou alargamento
das já existentes; etc. – um deles, em particular, além de contribuir para o
aviltamento do território urbano é um dos responsáveis pela lógica leviana que acelera
a degradação do meio ambiente. Num tempo em que se propala não somente a
escassez como também o próprio custo elevado para a obtenção de água potável,
os lava-jatos representam a própria cultura do desperdício: além de consumirem
uma quantidade absurda de água, a imensa maioria desses estabelecimentos opera –
pelo que se vê por aí - clandestinamente, sem alvarás de funcionamento e
licenças ambientais, e desprovidos de caixas coletoras para óleos e graxas, que
acabam contaminando o solo e, por conseguinte, os lençóis freáticos, quando não
são despejados diretamente em córregos e mananciais. Por acaso isso não é crime
ambiental?
Assim como farmácias e
templos neopentecostais, os lava-jatos são um dos grandes filões do mercado que
não sabem o que é crise econômica e, por isso, vêm se multiplicando numa
velocidade espantosa. Muito contribui para a manutenção dessa degradante
engrenagem, tanto a falta de fiscalização dos órgãos públicos como a facilidade
com que atualmente se pode montar um negócio dessa natureza. Hoje em dia não se
precisa mais de todo aquele aparato que se encontra, por exemplo, em postos de
combustíveis que também oferecem serviço de lavagem de veículos. Basta que o
sujeito adquira uma lavadora de pressão e disponha de uma torneira ou de
qualquer recipiente onde possa armazenar água – tonel, bacia, balde, caixa-d’água,
piscina portátil, etc. – e pronto, está montado mais um promissor e lucrativo
lava-jato que, operando à margem da lei – e não raro nem sequer pagando pela água
que consome e desperdiça -, cobra por vezes uma ninharia para executar o
serviço que oferece, atraindo um tipo de consumidor que só se importa com a sua
comodidade e satisfação pessoal, sem dar a mínima para as consequências
ambientais e sociais que o consumo desse tipo de serviço acarreta. A alienação
atingiu níveis tão elevados que há pessoas que frequentam semanalmente
lava-jatos como quem busca um lugar de lazer.
Seja por pura incompetência,
seja por uma de todo abjeta política de conivência, o fato é que as autoridades
governamentais não vêm se importando com os estragos provocados pelos
lava-jatos – a generalização pode parecer exagerada, mas de maneira alguma é descabida
– onde quer que eles se instalem. Alguns casos são tão contrários ao bom senso
que o cidadão que é consciente do seu papel em sociedade só pode pensar que ele
está vivendo numa terra de ninguém, onde cada um faz o que quer e o que bem
entende. Vejamos três casos verificados em duas cidades da Região Metropolitana
do Recife: às margens da PE-35, em Igaraçu, um lava-jato despeja seus resíduos
diretamente no rio que corre por trás do terreno onde ele foi instalado; na
Ilha de Itamaracá, um famoso destino turístico que é uma verdadeira ilha de
problemas urbanísticos, a Municipalidade parece ignorar que na Av. João Pessoa
Guerra, há tempos se estabeleceu um lava-jato ao lado de uma escola; enquanto
que na PE-01, outro funciona junto de um curso d’água.
A meu ver, sob todos os
aspectos, os lava-jatos são símbolos máximos dessa cultura irresponsável que
celebra o desperdício, em geral, e de água, em particular, como se ela fosse um
recurso que nunca pudesse nos faltar. Enquanto lavouras estão esturricadas,
imensos rebanhos de gado bovino morrem sem pastos e com rios secos e muita
gente pena para conseguir água para beber, os lava-jatos proliferam cada dia
mais. Por que não se se habitua a lavar os carros com água de reuso, em casa,
com um balde e uma esponja e/ou flanela, em vez de se recorrer a mangueiras e
aos lava-jatos?
Creio que já está mais do
que na hora de o poder público repensar a existência de algo que, além de ser
inteiramente dispensável para o quadro social, contribui drasticamente para a
degradação do meio ambiente ao poluir os ecossistemas e desperdiçar volumes
altíssimos de água, este, sim, um item indispensável para a nossa existência.
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