7 de novembro de 2015

Voltando para casa

Por Clênio Sierra de Alcântara




As férias me proporcionaram alguns reencontros. Naquela casinha lá longe, no sítio do meu avô, revi um pedaço de minha infância


Tenho por mim a clara percepção de que a única coisa que fundamentalmente me conforta nessa existência – por mais paradoxal que isso possa soar para os muito poucos que me lerão – é, ao fim e ao cabo, a minha insubordinação a diversas exigências deste tempo em que vivo. Talvez tenha sido pelo fato de eu ter tido coragem e firmeza para não me sujeitar a elas – e até repeli-las – que eu consegui me manter de alguma forma em paz comigo mesmo. E com os fundamentos de todos os meus prazeres. E com os futuros que mantenho diariamente delineados. E com as certezas nas quais permaneço acreditando.

Essas divagações me chegaram numa hora de desaprumo, quando o ônibus em que eu viajava corria célere pela BR 101. A insegurança e a fragilidade da vida não me torturam e nem me imobilizam, porque, se assim o fosse, eu já teria enlouquecido ou perdido completamente o meu rumo. As perturbações e as incompreensões desencadeiam em mim reflexões que me fazem, na maioria das vezes, recordar dos passos que eu dei em falso. Mas o ciclo inevitavelmente se repete, porque escapa de mim, de nós, a sucessividade dos acontecimentos, e não somos os donos do amanhã.

Tive neste ano uma das férias mais repletas de redescobertas de toda a minha vida. Não viajei para um lugar que eu ainda não conhecia e nem tão pouco experimentei gostos e sensações que igualmente já não os conhecesse. Como eu disse, foram redescobertas; e também reencontros; e revivescências. Voltei a pisar num chão que eu há muito não via e nem sentia. Revi uma pessoa que já não mantinha na face as feições do retrato que dela eu guardara na memória. E chorei um choro manso de quem de certa forma se habituou a manter-se espantando a infelicidade que de si insiste em ir se aproximando. A paisagem daquelas terras que foram parte do cenário da minha infância se modificara consideravelmente, mas em meu coração se conservara, quase que inteiramente intacto, o pouco do sentimento que em mim nunca foi abundante, e abracei aquele homem como se eu pudesse compensar todos os dias, meses e anos de ausência. E eu senti naquele momento o quanto somos capazes de nos endurecer para suportar as intempéries do abandono afetivo.

Ainda nesses dias que compreenderam o distanciamento da rotina do trabalho, eu me vi tocado por uma narrativa de vida que inevitavelmente fez com que me chegassem lembranças de uma época em que, apesar de toda a minha inflexível dureza, eu me esforçava para acreditar que completaria o resto da minha passagem por este mundo cruel e maravilhoso, ao lado daquela pessoa que parecia – só parecia – estar em perfeita sintonia com o meu ser. Enquanto me narrava os descaminhos do seu desejo, aquela criatura errante deixava transparecer no brilho tímido dos seus olhos uma vontade enorme de ser realmente feliz. Recordei agora dos seus percalços, dos seus esconderijos e das suas insatisfações e isso só fez com que eu reforçasse a minha convicção de que por nada e nem por quem quer que fosse, eu manteria um convívio de aparências, sufocando minhas ânsias mais comezinhas e me lançando na busca de uma suposta felicidade clandestina.

Sei que mais dia menos dia eu vou definitivamente resolver a única – bem, eu creio que só resta ela – pendência que falta para eu acertar as contas com o meu passado. Não, não me peçam para reconsiderar a decisão que tomei de me afastar de pessoas que aprontaram comigo, que me deram rasteiras, que me sacanearam, que me enganaram e tudo o mais, se passando por minhas amigas, porque eu, na verdade, se pudesse, as apagaria por inteiro da minha consciência.


As férias, infelizmente, chegaram ao fim. No começo da tarde em que tomei o ônibus de volta para casa, estive muito, muito próximo de um sujeito que, tentando assaltar um senhor que consertava e vendia relógios, efetuou disparos com um pequeno revólver, provocando um tumulto daqueles. Eu já experimentara tal sensação, e é terrível sentir a morte nos espreitando bem de pertinho.

Como resposta às agruras opressoras do mundo eu mantenho um sorriso aberto em par com um permanente estado de rebelião: eu até me envergo, mas não quebro.

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