Por Clênio Sierra de Alcântara
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As férias me proporcionaram alguns reencontros. Naquela casinha lá longe, no sítio do meu avô, revi um pedaço de minha infância |
Tenho por mim a clara
percepção de que a única coisa que fundamentalmente me conforta nessa
existência – por mais paradoxal que isso possa soar para os muito poucos que me
lerão – é, ao fim e ao cabo, a minha insubordinação a diversas exigências deste
tempo em que vivo. Talvez tenha sido pelo fato de eu ter tido coragem e firmeza
para não me sujeitar a elas – e até repeli-las – que eu consegui me manter de
alguma forma em paz comigo mesmo. E com os fundamentos de todos os meus prazeres. E
com os futuros que mantenho diariamente delineados. E com as certezas nas quais
permaneço acreditando.
Essas divagações me chegaram
numa hora de desaprumo, quando o ônibus em que eu viajava corria célere pela BR
101. A insegurança e a fragilidade da vida não me torturam e nem me imobilizam,
porque, se assim o fosse, eu já teria enlouquecido ou perdido completamente o meu rumo. As
perturbações e as incompreensões desencadeiam em mim reflexões que me fazem, na
maioria das vezes, recordar dos passos que eu dei em falso. Mas o ciclo
inevitavelmente se repete, porque escapa de mim, de nós, a sucessividade dos
acontecimentos, e não somos os donos do amanhã.
Tive neste ano uma das
férias mais repletas de redescobertas de toda a minha vida. Não viajei para um
lugar que eu ainda não conhecia e nem tão pouco experimentei gostos e sensações
que igualmente já não os conhecesse. Como eu disse, foram redescobertas; e também
reencontros; e revivescências. Voltei a pisar num chão que eu há muito não via
e nem sentia. Revi uma pessoa que já não mantinha na face as feições do retrato
que dela eu guardara na memória. E chorei um choro manso de quem de certa forma
se habituou a manter-se espantando a infelicidade que de si insiste em ir se
aproximando. A paisagem daquelas terras que foram parte do cenário da minha infância se modificara consideravelmente, mas em
meu coração se conservara, quase que inteiramente intacto, o pouco do sentimento
que em mim nunca foi abundante, e abracei aquele homem como se eu pudesse
compensar todos os dias, meses e anos de ausência. E eu senti naquele momento o
quanto somos capazes de nos endurecer para suportar as intempéries do abandono
afetivo.
Ainda nesses dias que
compreenderam o distanciamento da rotina do trabalho, eu me vi tocado por uma
narrativa de vida que inevitavelmente fez com que me chegassem lembranças de
uma época em que, apesar de toda a minha inflexível dureza, eu me esforçava
para acreditar que completaria o resto da minha passagem por este mundo cruel e
maravilhoso, ao lado daquela pessoa que parecia – só parecia – estar em perfeita sintonia com o meu ser. Enquanto me narrava os descaminhos do seu desejo, aquela
criatura errante deixava transparecer no brilho tímido dos seus olhos uma
vontade enorme de ser realmente feliz. Recordei agora dos seus percalços, dos seus
esconderijos e das suas insatisfações e isso só fez com que eu reforçasse a
minha convicção de que por nada e nem por quem quer que fosse, eu manteria um
convívio de aparências, sufocando minhas ânsias mais comezinhas e me lançando
na busca de uma suposta felicidade clandestina.
Sei que mais dia menos dia
eu vou definitivamente resolver a única – bem, eu creio que só resta ela –
pendência que falta para eu acertar as contas com o meu passado. Não, não me
peçam para reconsiderar a decisão que tomei de me afastar de pessoas que
aprontaram comigo, que me deram rasteiras, que me sacanearam, que me enganaram
e tudo o mais, se passando por minhas amigas, porque eu, na verdade, se
pudesse, as apagaria por inteiro da minha consciência.
As férias, infelizmente,
chegaram ao fim. No começo da tarde em que tomei o ônibus de volta para casa,
estive muito, muito próximo de um sujeito que, tentando assaltar um senhor que
consertava e vendia relógios, efetuou disparos com um pequeno revólver,
provocando um tumulto daqueles. Eu já experimentara tal sensação, e é terrível
sentir a morte nos espreitando bem de pertinho.
Como resposta às agruras opressoras do mundo eu mantenho um sorriso aberto em par com um permanente estado de rebelião: eu até me envergo, mas não quebro.
Como resposta às agruras opressoras do mundo eu mantenho um sorriso aberto em par com um permanente estado de rebelião: eu até me envergo, mas não quebro.
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