Por Clênio Sierra de Alcântara
Fotos: do autor Num domingo memorável Selma do Coco foi celebrada por vários artistas na Praça do Carmo, em Olinda. |
Certamente não será por
falta de reconhecimento que o legado de Selma do Coco será esquecido. Falecida
em maio deste ano, a veterana artista da cultura popular, que nasceu em Vitória
de Santo Antão e se radicou em Olinda, onde fez fama e se consagrou como um dos
Patrimônios Vivos de Pernambuco, recebeu uma série de homenagens ao longo deste
2015 – além da mais recente, eu mesmo tomei parte em três: no Festival de Inverno
de Garanhuns, na Câmara Municipal do Recife e num seminário havido na Caixa
Cultural da capital pernambucana -, como o que teve lugar na Praça do Carmo, em
Olinda, no último domingo.
Só gente boa. Da esquerda para direita: Valmir, Biu, Mestre Biô e Dulce |
Eu com o Mestre Biô |
Batizada de Cocoreto – o mote foi aproveitar o
bonito coreto que existe na praça e que serviu de palco para os artistas: assim,
cocoreto era o coco no coreto -, a festa, que teve início no final da tarde e
que foi organizada para celebrar o aniversário de Selma, ocorrido no dia 10,
contou com apresentações de Lia de Itamaracá, Dona Glorinha, Coco de Roda
Canavial, de Nazaré da Mata,Coco de Selma, Aurinha do Coco e Biu e Dulce
Baracho, e com o apoio de uma plateia animada que não parava quieta, embalada
pela ciranda e, claro, pelo coco.
Eta burrinha arretada! |
A Burrinha do Rabo Azul foi a mestra de cerimônia. No coreto-palco, os músicos de Lia aquecem os instrumentos |
O pessoal estava começando a chegar |
Continuadoras de uma
linhagem paterna mais que talentosa – elas são filhas de ninguém menos que
Antônio Baracho, um ex-cortador de cana que foi brincante de maracatu de baque
solto e um pioneiro e maior dos mestres da ciranda pernambucana –, Biu e Dulce
soltaram a voz exaltando a figura de Selma do Coco com estes versos de uma
canção ainda sem título que Biu compôs:
No
dia 9 de maio
Olinda
ficou de luto
porque
Selma da rolinha
partiu
para o outro mundo.
Quem
parte deixa saudade
Quem
fica chora de dor.
Amiga,
eu estou cantando pra você
com
muito amor.
E as duas aguerridas e
determinadas irmãs, fazendo jus ao sobrenome que ostentam, foram bastante
aplaudidas.
Biu Negão mandando ver no trombone |
Lia chegando ao palco com Biu e Dulce |
Acredito que toda vez que
celebramos o legado de um artista mantemos não apenas o seu nome vivo, mas
também possibilitamos que pessoas que não o conheceram entrem em contato com a sua
arte; e ainda promovemos a possibilidade de que, inspirados e/ou estimulados
por ele, talentos surjam e levem adiante o seu fazer artístico. A questão da
preservação da memória que, neste país, enfrenta entraves de toda ordem, deve
ser mantida sempre na pauta diária da sociedade para que com isso tentemos
evitar que, deslumbrados com as coisas do tempo presente, por vezes de brilho
tão fugaz, percamos de vista os valores artísticos que realmente importam,
porque eles é que são detentores de um saber reconhecido como fonte referencial
e norteadora de uma práxis que revela
o que fomos, o que somos e no que podemos vir a nos transformar.
Lia acompanhada pelas filhas de Baracho Biu e Dulce |
Beto Hees, o incansável e obstinado produtor de Lia |
No domingo 20 de dezembro, a
Praça do Carmo, que alguns conhecem como Praça da Preguiça, foi o lugar da
apoteose de uma alegria verdadeiramente contagiante. Ver Dona Glorinha
esbanjando vitalidade com a idade que tem é muito entusiasmador, para dizer o
mínimo. Lia de Itamaracá estava virada num saco de pipoca: quando desceu do
coreto, onde contornara com elegância uma breve queda de energia, a negona se
pôs a dançar coco enquanto parava aqui e ali para fazer pose ao lado dos fãs. E
o que dizer do Mestre Biô, de Nazaré da Mata, que é cadeirante e conduz junto
com o irmão Valmir o seu folguedo com uma vibração danada? Bravo! Esplêndido!
Vamos dançar ciranda!! |
Ah, como foi bom e
revigorante aquele domingo! Cristiano Galvão e a sua Marize se empolgaram na
ciranda. Lílian e Anderson Nogueira, que fazia anos que eu não os via, me deram
a satisfação do aconchego dos seus abraços. Ricardo Amorim também chegou para
aproveitar a animação. Beto Hees e Milton Costa se empenharam freneticamente
para que tudo desse certo. A Burrinha do Rabo Azul estava assanhada que só
vendo. Antônio Preto era todo ouvidos às minhas tantas perguntas. As crianças
brincavam saciando sua incessante fome de existência. As luzes brilhavam com
intensidade iluminando faces de onde brotavam sorrisos largos e fartos porque
prudentemente ninguém ali fizera convite à insatisfação. Foram tantas as fotografias
que tiramos; e por demais sinceras as palavras que eu dirigi a algumas daquelas
pessoas que de tão acesa que estava em mim a vontade de viver, nenhuma delas
foi capaz de notar em meu rosto o mínimo traço da tristeza que me tomara na
manhã daquele dia. O que todo mundo ali sabia era que, em volta daquele coreto,
a alegria se espalhava ávida de querer ocupar inteiramente não só a praça, bem
como todas as ruas e ladeiras de Olinda.
Foto: Ricardo Amorim Dona Glorinha é indiscutivelmente uma força da natureza. Viva Dona Glorinha! |
Ricardo Amorim em seu momento tiete |
Foto: Ricardo Amorim Valmir comandando o Coco de Roda Canavial |
Foto: Ricardo Amorim Aurinha do Coco é uma dessas artistas que defendem com unhas e dentes o seu brinquedo. Palmas e mais palmas porque ela merece |
No alto do outeiro a Igreja
do Carmo era o complemento imponente do cenário da festa. Será que Dona Selma
fora até lá pedir a bênção ao padre? Ninguém ousou responder. Eu tenho para mim
que ali do alto ela estava era a dizer: “Ô, corre, corre, corre/Pega, pega a
minha rola! Avoa, avoa, avoa/Pega, pega a minha rola!”.
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