25 de dezembro de 2015

A rolinha fujona de Dona Selma pousou num coreto em Olinda


Por Clênio Sierra de Alcântara




Fotos: do autor   Num domingo memorável Selma do Coco foi celebrada por vários artistas na Praça do Carmo, em Olinda.


Certamente não será por falta de reconhecimento que o legado de Selma do Coco será esquecido. Falecida em maio deste ano, a veterana artista da cultura popular, que nasceu em Vitória de Santo Antão e se radicou em Olinda, onde fez fama e se consagrou como um dos Patrimônios Vivos de Pernambuco, recebeu uma série de homenagens ao longo deste 2015 – além da mais recente, eu mesmo tomei parte em três: no Festival de Inverno de Garanhuns, na Câmara Municipal do Recife e num seminário havido na Caixa Cultural da capital pernambucana -, como o que teve lugar na Praça do Carmo, em Olinda, no último domingo.



Só gente boa. Da esquerda para direita: Valmir, Biu, Mestre Biô e Dulce



Eu com o Mestre Biô


Batizada de Cocoreto – o mote foi aproveitar o bonito coreto que existe na praça e que serviu de palco para os artistas: assim, cocoreto era o coco no coreto -, a festa, que teve início no final da tarde e que foi organizada para celebrar o aniversário de Selma, ocorrido no dia 10, contou com apresentações de Lia de Itamaracá, Dona Glorinha, Coco de Roda Canavial, de Nazaré da Mata,Coco de Selma, Aurinha do Coco e Biu e Dulce Baracho, e com o apoio de uma plateia animada que não parava quieta, embalada pela ciranda e, claro, pelo coco.



Eta burrinha arretada!


A Burrinha do Rabo Azul foi a mestra de cerimônia. No coreto-palco, os músicos de Lia aquecem os instrumentos



O pessoal estava começando a chegar


Continuadoras de uma linhagem paterna mais que talentosa – elas são filhas de ninguém menos que Antônio Baracho, um ex-cortador de cana que foi brincante de maracatu de baque solto e um pioneiro e maior dos mestres da ciranda pernambucana –, Biu e Dulce soltaram a voz exaltando a figura de Selma do Coco com estes versos de uma canção ainda sem título que Biu compôs:

No dia 9 de maio
Olinda ficou de luto
porque Selma da rolinha
partiu para o outro mundo.

Quem parte deixa saudade
Quem fica chora de dor.
Amiga, eu estou cantando pra você
com muito amor.

E as duas aguerridas e determinadas irmãs, fazendo jus ao sobrenome que ostentam, foram bastante aplaudidas.







Biu Negão mandando ver no trombone



Lia chegando ao palco com Biu e Dulce

Acredito que toda vez que celebramos o legado de um artista mantemos não apenas o seu nome vivo, mas também possibilitamos que pessoas que não o conheceram entrem em contato com a sua arte; e ainda promovemos a possibilidade de que, inspirados e/ou estimulados por ele, talentos surjam e levem adiante o seu fazer artístico. A questão da preservação da memória que, neste país, enfrenta entraves de toda ordem, deve ser mantida sempre na pauta diária da sociedade para que com isso tentemos evitar que, deslumbrados com as coisas do tempo presente, por vezes de brilho tão fugaz, percamos de vista os valores artísticos que realmente importam, porque eles é que são detentores de um saber reconhecido como fonte referencial e norteadora de uma práxis que revela o que fomos, o que somos e no que podemos vir a nos transformar.


Lia acompanhada pelas filhas de Baracho Biu e Dulce



Beto Hees, o incansável e obstinado produtor de Lia

No domingo 20 de dezembro, a Praça do Carmo, que alguns conhecem como Praça da Preguiça, foi o lugar da apoteose de uma alegria verdadeiramente contagiante. Ver Dona Glorinha esbanjando vitalidade com a idade que tem é muito entusiasmador, para dizer o mínimo. Lia de Itamaracá estava virada num saco de pipoca: quando desceu do coreto, onde contornara com elegância uma breve queda de energia, a negona se pôs a dançar coco enquanto parava aqui e ali para fazer pose ao lado dos fãs. E o que dizer do Mestre Biô, de Nazaré da Mata, que é cadeirante e conduz junto com o irmão Valmir o seu folguedo com uma vibração danada? Bravo! Esplêndido!


Vamos dançar ciranda!!



Ah, como foi bom e revigorante aquele domingo! Cristiano Galvão e a sua Marize se empolgaram na ciranda. Lílian e Anderson Nogueira, que fazia anos que eu não os via, me deram a satisfação do aconchego dos seus abraços. Ricardo Amorim também chegou para aproveitar a animação. Beto Hees e Milton Costa se empenharam freneticamente para que tudo desse certo. A Burrinha do Rabo Azul estava assanhada que só vendo. Antônio Preto era todo ouvidos às minhas tantas perguntas. As crianças brincavam saciando sua incessante fome de existência. As luzes brilhavam com intensidade iluminando faces de onde brotavam sorrisos largos e fartos porque prudentemente ninguém ali fizera convite à insatisfação. Foram tantas as fotografias que tiramos; e por demais sinceras as palavras que eu dirigi a algumas daquelas pessoas que de tão acesa que estava em mim a vontade de viver, nenhuma delas foi capaz de notar em meu rosto o mínimo traço da tristeza que me tomara na manhã daquele dia. O que todo mundo ali sabia era que, em volta daquele coreto, a alegria se espalhava ávida de querer ocupar inteiramente não só a praça, bem como todas as ruas e ladeiras de Olinda.












Foto: Ricardo Amorim      Dona Glorinha é indiscutivelmente uma força da natureza. Viva Dona Glorinha!



Ricardo Amorim em seu momento tiete


Foto: Ricardo Amorim      Valmir comandando o Coco de Roda Canavial

Foto: Ricardo Amorim     Aurinha do Coco é uma dessas artistas que defendem com unhas e dentes o seu brinquedo. Palmas e mais palmas porque ela merece






No alto do outeiro a Igreja do Carmo era o complemento imponente do cenário da festa. Será que Dona Selma fora até lá pedir a bênção ao padre? Ninguém ousou responder. Eu tenho para mim que ali do alto ela estava era a dizer: “Ô, corre, corre, corre/Pega, pega a minha rola! Avoa, avoa, avoa/Pega, pega a minha rola!”.



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