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Bairro
de São José (Recife-PE). Muito embora seja comum entre
os feirantes o entendimento de que as feiras livres devam ser vistas
fundamentalmente como acontecimentos ligados ao mundo do trabalho e não como
algo com face lúdica e até folclórica, não se pode negar que nesses espaços
tudo isso está misturado e muito vivo.
Entre as inúmeras feiras que
existem na cidade do Recife, a que ocorre de segunda-feira a sábado no
tradicional bairro de São José, área central do burgo recifense, é bastante
reveladora do processo de mutação por que essas antigas atividades comerciais
passam.
Ocupando duas das quatro
ruas laterais do Mercado de São José – diferentemente de muitos mercados
públicos que ganharam outros usos e/ou desapareceram da paisagem de várias
cidades nordestinas, esse é uma construção imponente do século XIX que, mais do
que um prédio comercial, é um verdadeiro monumento e, como tal, uma atração
turística da capital pernambucana -, essa pequena feira se desenvolveu a partir
do mercado que ela envolve, o que é bastante curioso, porque o comum, aqui no
Nordeste, era que os mercados públicos fossem erguidos nas zonas de realização
das feiras, geralmente comercializando produtos não oferecidos pelos feirantes.
Em outros tempos a feira livre do bairro de São José – e o visitante ficará
encantado também com a imponente Basílica de Nossa Senhora da Penha à qual ela
está contígua na Praça Dom Vital. Ah, antes que eu esqueça: Nossa Senhora da
Penha é a padroeira do comércio do Recife – se derramava por outras ruas além
das que hoje ocupa; e não é demais dizer que os produtos que ora oferta eram
antes comercializados dentro do grande mercado. Não sei exatamente a partir de
que período ocorreu uma alteração no perfil do Mercado de São José e ele passou
a comercializar não mais frutas, verduras e legumes, e, sim, artesanatos os
mais diversos – bolsa e alpercatas de couro, chapéus, bonecos de barro, etc. -,
peixes e crustáceos, sacolas plásticas e outras coisas mais.
Numa página do Diario de Pernambuco publicada em 12 de
setembro de 1982, o poeta Mauro Mota escreveu que “O Mercado de São José
transbordou das próprias estruturas, saiu de dentro de si mesmo, em busca de
áreas circunvizinhas para ocupá-las com as suas e já com outras mercadorias”
(Mauro Mota. Cem crônicas escolhidas.
Recife: Cepe, 2011, p. 214. O título da narrativa é justamente “Mercado de São
José”). Gilberto Freyre, outro fervoroso amante das gentes e das coisas do
Recife, escreveu numa das edições do seu Guia
prático, histórico e sentimental da cidade do Recife que o Mercado de São
José “é uma das melhores tradições recifenses”; e que “o Recife tem nos seus
arredores [além dos mercados] feiras pitorescas” (Gilberto Freyre. Guia prático, histórico e sentimental da
cidade do Recife. 4ª ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora,
1968, p. 169 e 112).
Comportando se muito quarenta bancos – eles têm estrutura de ferro e madeira e são cobertos com lonas
plásticas – e alguns arremedos de bancos formados por pranchas de madeira
apoiadas sobre galeias, a pequena feira que se instala na Travessa do Macedo e na Rua da Praia abriga sobretudo vendedores de
frutas, verduras e legumes. Diferentemente do que se observa nas tradicionais
feiras livres nordestinas, nessa praticamente não se vê mercadorias expostas no
chão.
Encravada no coração de um
bairro que é, em grande parte, marcado pelo comércio popular, a feira livre do
bairro de São José divide espaço com barracas que dispõem de temperos, ervas e
plantas medicinais, frutas secas, defumadores, utensílios domésticos e uma
porção de outras mercadorias que contribuem para dar mais cor e cheiro ao local.
No último dia 13 de maio,
quando estive mais uma vez na feira, agora munido de minha câmera fotográfica,
circulei entre os feirantes e os fregueses que ainda estavam chegando – eis outro
traço definidor dessa feira: ela se movimenta para valer à medida que vai
chegando o povo que ruma para aquele recanto do Recife em busca das lojas e
armazéns, cujo horário de funcionamento em geral tem início às 08:00 h. Daí por
que, como eu cheguei bem cedo, ainda não era grande a circulação de pessoas
pela feira.
Sempre que eu vou ao bairro
de São José eu dou uma volta pela feira livre. Aprecio o colorido das frutas,
gosto de sentir os cheiros misturados das coisas e de observar o vai e vem das
pessoas e a interação delas com os feirantes. As feiras livres permanecem
exercendo sobre mim um grande fascínio.
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