10 de dezembro de 2015

Feiras livres (11)

Por Clênio Sierra de Alcântara




Fotos: do autor


Bairro de São José (Recife-PE). Muito embora seja comum entre os feirantes o entendimento de que as feiras livres devam ser vistas fundamentalmente como acontecimentos ligados ao mundo do trabalho e não como algo com face lúdica e até folclórica, não se pode negar que nesses espaços tudo isso está misturado e muito vivo.

Entre as inúmeras feiras que existem na cidade do Recife, a que ocorre de segunda-feira a sábado no tradicional bairro de São José, área central do burgo recifense, é bastante reveladora do processo de mutação por que essas antigas atividades comerciais passam.






Ocupando duas das quatro ruas laterais do Mercado de São José – diferentemente de muitos mercados públicos que ganharam outros usos e/ou desapareceram da paisagem de várias cidades nordestinas, esse é uma construção imponente do século XIX que, mais do que um prédio comercial, é um verdadeiro monumento e, como tal, uma atração turística da capital pernambucana -, essa pequena feira se desenvolveu a partir do mercado que ela envolve, o que é bastante curioso, porque o comum, aqui no Nordeste, era que os mercados públicos fossem erguidos nas zonas de realização das feiras, geralmente comercializando produtos não oferecidos pelos feirantes. Em outros tempos a feira livre do bairro de São José – e o visitante ficará encantado também com a imponente Basílica de Nossa Senhora da Penha à qual ela está contígua na Praça Dom Vital. Ah, antes que eu esqueça: Nossa Senhora da Penha é a padroeira do comércio do Recife – se derramava por outras ruas além das que hoje ocupa; e não é demais dizer que os produtos que ora oferta eram antes comercializados dentro do grande mercado. Não sei exatamente a partir de que período ocorreu uma alteração no perfil do Mercado de São José e ele passou a comercializar não mais frutas, verduras e legumes, e, sim, artesanatos os mais diversos – bolsa e alpercatas de couro, chapéus, bonecos de barro, etc. -, peixes e crustáceos, sacolas plásticas e outras coisas mais.


























Numa página do Diario de Pernambuco publicada em 12 de setembro de 1982, o poeta Mauro Mota escreveu que “O Mercado de São José transbordou das próprias estruturas, saiu de dentro de si mesmo, em busca de áreas circunvizinhas para ocupá-las com as suas e já com outras mercadorias” (Mauro Mota. Cem crônicas escolhidas. Recife: Cepe, 2011, p. 214. O título da narrativa é justamente “Mercado de São José”). Gilberto Freyre, outro fervoroso amante das gentes e das coisas do Recife, escreveu numa das edições do seu Guia prático, histórico e sentimental da cidade do Recife que o Mercado de São José “é uma das melhores tradições recifenses”; e que “o Recife tem nos seus arredores [além dos mercados] feiras pitorescas” (Gilberto Freyre. Guia prático, histórico e sentimental da cidade do Recife. 4ª ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1968, p. 169 e 112).













Comportando se muito quarenta bancos – eles têm estrutura de ferro e madeira e são cobertos com lonas plásticas – e alguns arremedos de bancos formados por pranchas de madeira apoiadas sobre galeias, a pequena feira que se instala na Travessa do Macedo e na Rua da Praia abriga sobretudo vendedores de frutas, verduras e legumes. Diferentemente do que se observa nas tradicionais feiras livres nordestinas, nessa praticamente não se vê mercadorias expostas no chão.








Encravada no coração de um bairro que é, em grande parte, marcado pelo comércio popular, a feira livre do bairro de São José divide espaço com barracas que dispõem de temperos, ervas e plantas medicinais, frutas secas, defumadores, utensílios domésticos e uma porção de outras mercadorias que contribuem para dar mais cor e cheiro ao local.












No último dia 13 de maio, quando estive mais uma vez na feira, agora munido de minha câmera fotográfica, circulei entre os feirantes e os fregueses que ainda estavam chegando – eis outro traço definidor dessa feira: ela se movimenta para valer à medida que vai chegando o povo que ruma para aquele recanto do Recife em busca das lojas e armazéns, cujo horário de funcionamento em geral tem início às 08:00 h. Daí por que, como eu cheguei bem cedo, ainda não era grande a circulação de pessoas pela feira.




































































































Sempre que eu vou ao bairro de São José eu dou uma volta pela feira livre. Aprecio o colorido das frutas, gosto de sentir os cheiros misturados das coisas e de observar o vai e vem das pessoas e a interação delas com os feirantes. As feiras livres permanecem exercendo sobre  mim um grande fascínio.


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