Por Clênio Sierra de Alcântara
A escalada do sinistro, o
alcance da destruição, a dimensão da tragédia e os efeitos nefastos provocados
pelo rompimento de uma barragem na qual eram armazenados rejeitos provenientes
de extração de minério de ferro no distrito de Bento Rodrigues, na cidade
mineira de Mariana, ocorrido há exatamente um mês, com toda certeza nunca serão
efetivamente estimados. Nunca.
Distrito que possuía mais de
trezentos anos de existência – exatamente 317 -, Bento Rodrigues estava
encravado num território que no século XVII integrava a rota conhecida como
Estrada Real. Vilarejo onde residia cerca de 600 habitantes, o lugar abrigava
construções históricas que junto com memórias pessoais e um expressivo “patrimônio
rural” foi devastado completamente, soterrado pelo volume gigantesco de lama
que também ceifou a vida de várias pessoas – alguns corpos continuam
desaparecidos.
Além de Bento Rodrigues, a
lama arrasou outros sete distritos marianos. Contaminou os rios Gualaxo do
Norte, do Carmo e Doce, impedindo a captação de águia potável em inúmeras áreas
de Minas Gerais e do Espírito Santo. Provocou a morte de milhares de anfíbios e
peixes. Levou embora a mata ciliar que protegia os cursos d’água. E seguiu como
um monstro guloso e medonho destruindo e contaminando o que podia no longo
caminho que percorreu para chegar ao mar.
Durante todos esses dias eu acompanhei
inúmeras reportagens tanto na televisão como em jornais e revistas e diante de
tudo o que vi e li, mais uma vez me ficou a sensação e o entendimento de como
somos um país que insiste em manter os pés fincados no passado no sentido do
atraso, no sentido de tratar o meio ambiente como uma coisa qualquer, da qual
não dependêssemos completamente. Transcorridos mais de quinhentos anos o Brasil
permanece sendo a terra que vive de exportar matéria-prima: no período colonial
abastecíamos outros países com pau-brasil e outras madeiras, frutas e metais
preciosos; nos dias que correm a pauta das exportações brasileiras segue
dominada por aquilo que os especialistas chamam de commodities: minério de ferro, carnes, soja... Parece até que nos
comprazemos em ser uma fazenda e/ou um grande celeiro para o resto do mundo
dito civilizado, que se serve de matérias-primas para fabricarem produtos de
alto valor agregado que adquirimos bestificados e satisfeitos, ignorando a
nossa falta de desenvolvimento mental.
A tragédia havida em Marina,
que pôs a mineradora Samarco como a grande vilã do momento - e estudiosos já
alarmaram que outras barragens correm risco de também romperem -, exemplifica
não apenas a questão macroeconômica de manutenção do Produto Interno Bruto
nacional, de que falei em linhas atrás, mas também a falta de zelo, o pouco
caso, a maneira mambembe, primária e eu diria até irresponsável, com que o
poder público trata os recursos naturais, a natureza propriamente dita. Ah, mas
o Ibama aplica multas milionárias às empresas e indivíduos que cometem crimes
e/ou danos ambientais! Acontece que, além de não compensarem de modo algum as
perdas – alguém aí saberia me dizer se há dinheiro que pague a contaminação de
um rio que abastece não sei quantos milhares de pessoas e é a fonte de sustento
de outros tantos? -, elas são contestadas judicialmente e, mesmo quando pagas,
não barram a degradação ambiental. Tanto é assim que o desmatamento da Floresta
Amazônica segue de modo ininterrupto sem que nenhum arcabouço legal e nenhuma
ação institucional consigam detê-lo. À inépcia governamental soma-se a
facilidade com que fiscais vendem licenças ambientais e, sem demora, tudo é
posto a perder. Diante disso, o que dizer do fato de moradores de Mariana terem
saído em passeata defendendo a permanência da Samarco, porque compreendem que a
economia da cidade está fundamentalmente ligada à mineradora? Resta-nos apenas
lembrá-los de que em anos passados ocorreram outros rompimentos de barragens de
rejeitos na região e que outros certamente ocorrerão.
Chegou-me agora a imagem de
um homem mostrado numa reportagem de televisão recolhendo nos escombros de uma
casa o retrato enlameado de um seu conhecido; retirando-o com cuidado da
parede, o rapaz disse ao repórter que ia entregar o objeto à família, porque aquilo
era uma “relíquia”. Quiçá, num futuro distante, quando arqueólogos promoverem
escavações na área onde um dia existiu um lugar chamado Bento Rodrigues,
encontrarão, em meio a tantos artefatos e apetrechos denunciadores de que um
dia pessoas habitaram aquele local, uma escultura de ferro fundido mostrando um
homem tentando empurrar uma enorme rocha que o quer esmagar na qual foi incrustada
a palavra progresso.
(Artigo publicado também in O Monitor [Garanhuns], Nº 181, dezembro de 2015, Opinião, p. 2).
(Artigo publicado também in O Monitor [Garanhuns], Nº 181, dezembro de 2015, Opinião, p. 2).
Lamentável o que houve em Mariana/MG. Infelizmente vivemos em um país onde as pessoas não se preocupam/importam com uma coisa essencial ao ser humano, O Meio ambiente.
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