5 de dezembro de 2015

Pelo progresso tudo?

Por Clênio Sierra de Alcântara



Foto: Jeremy Bigwood   O minério de ferro levou riqueza para Mariana e junto com ela uma tragédia de grande dimensão que varreu do mapa um vilarejo, sepultando vidas e testemunhos, monumentos históricos e um patrimônio rural considerável

A escalada do sinistro, o alcance da destruição, a dimensão da tragédia e os efeitos nefastos provocados pelo rompimento de uma barragem na qual eram armazenados rejeitos provenientes de extração de minério de ferro no distrito de Bento Rodrigues, na cidade mineira de Mariana, ocorrido há exatamente um mês, com toda certeza nunca serão efetivamente estimados. Nunca.

Distrito que possuía mais de trezentos anos de existência – exatamente 317 -, Bento Rodrigues estava encravado num território que no século XVII integrava a rota conhecida como Estrada Real. Vilarejo onde residia cerca de 600 habitantes, o lugar abrigava construções históricas que junto com memórias pessoais e um expressivo “patrimônio rural” foi devastado completamente, soterrado pelo volume gigantesco de lama que também ceifou a vida de várias pessoas – alguns corpos continuam desaparecidos.

Além de Bento Rodrigues, a lama arrasou outros sete distritos marianos. Contaminou os rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce, impedindo a captação de águia potável em inúmeras áreas de Minas Gerais e do Espírito Santo. Provocou a morte de milhares de anfíbios e peixes. Levou embora a mata ciliar que protegia os cursos d’água. E seguiu como um monstro guloso e medonho destruindo e contaminando o que podia no longo caminho que percorreu para chegar ao mar.

Durante todos esses dias eu acompanhei inúmeras reportagens tanto na televisão como em jornais e revistas e diante de tudo o que vi e li, mais uma vez me ficou a sensação e o entendimento de como somos um país que insiste em manter os pés fincados no passado no sentido do atraso, no sentido de tratar o meio ambiente como uma coisa qualquer, da qual não dependêssemos completamente. Transcorridos mais de quinhentos anos o Brasil permanece sendo a terra que vive de exportar matéria-prima: no período colonial abastecíamos outros países com pau-brasil e outras madeiras, frutas e metais preciosos; nos dias que correm a pauta das exportações brasileiras segue dominada por aquilo que os especialistas chamam de commodities: minério de ferro, carnes, soja... Parece até que nos comprazemos em ser uma fazenda e/ou um grande celeiro para o resto do mundo dito civilizado, que se serve de matérias-primas para fabricarem produtos de alto valor agregado que adquirimos bestificados e satisfeitos, ignorando a nossa falta de desenvolvimento mental.

A tragédia havida em Marina, que pôs a mineradora Samarco como a grande vilã do momento - e estudiosos já alarmaram que outras barragens correm risco de também romperem -, exemplifica não apenas a questão macroeconômica de manutenção do Produto Interno Bruto nacional, de que falei em linhas atrás, mas também a falta de zelo, o pouco caso, a maneira mambembe, primária e eu diria até irresponsável, com que o poder público trata os recursos naturais, a natureza propriamente dita. Ah, mas o Ibama aplica multas milionárias às empresas e indivíduos que cometem crimes e/ou danos ambientais! Acontece que, além de não compensarem de modo algum as perdas – alguém aí saberia me dizer se há dinheiro que pague a contaminação de um rio que abastece não sei quantos milhares de pessoas e é a fonte de sustento de outros tantos? -, elas são contestadas judicialmente e, mesmo quando pagas, não barram a degradação ambiental. Tanto é assim que o desmatamento da Floresta Amazônica segue de modo ininterrupto sem que nenhum arcabouço legal e nenhuma ação institucional consigam detê-lo. À inépcia governamental soma-se a facilidade com que fiscais vendem licenças ambientais e, sem demora, tudo é posto a perder. Diante disso, o que dizer do fato de moradores de Mariana terem saído em passeata defendendo a permanência da Samarco, porque compreendem que a economia da cidade está fundamentalmente ligada à mineradora? Resta-nos apenas lembrá-los de que em anos passados ocorreram outros rompimentos de barragens de rejeitos na região e que outros certamente ocorrerão.

Chegou-me agora a imagem de um homem mostrado numa reportagem de televisão recolhendo nos escombros de uma casa o retrato enlameado de um seu conhecido; retirando-o com cuidado da parede, o rapaz disse ao repórter que ia entregar o objeto à família, porque aquilo era uma “relíquia”. Quiçá, num futuro distante, quando arqueólogos promoverem escavações na área onde um dia existiu um lugar chamado Bento Rodrigues, encontrarão, em meio a tantos artefatos e apetrechos denunciadores de que um dia pessoas habitaram aquele local, uma escultura de ferro fundido mostrando um homem tentando empurrar uma enorme rocha que o quer esmagar na qual foi incrustada a palavra progresso.

(Artigo publicado também in O Monitor [Garanhuns], Nº 181, dezembro de 2015, Opinião, p. 2).

Um comentário:

  1. Lamentável o que houve em Mariana/MG. Infelizmente vivemos em um país onde as pessoas não se preocupam/importam com uma coisa essencial ao ser humano, O Meio ambiente.

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