| Fotos: do autor Antônio Preto é um símbolo de resistência da cultura popular pernambucana que conseguiu passar para alguns dos seus filhos o amor pelas tradições do seu povo |
No dia 20 de dezembro de
2015 aconteceu na Praça do Carmo, em Olinda, um evento em homenagem a Selma do
Coco que contou com a participação de vários artistas: Dona Glorinha, Lia de
Itamaracá, Aurinha do Coco, Coco de Roda Canavial e o Coco de Selma, que é
basicamente formado pelas netas daquela saudosa representante da cultura
popular que faleceu em maio do ano passado. Percorrendo os bastidores, me pus a
conversar com Valdir José Galdino, conhecido como Mestre Biô, que, junto com o
irmão Valmir, conduz o Coco de Roda Canavial, que é de lá de Nazaré da Mata. No
meio do nosso papo, ele me falou que seu pai fora mestre cirandeiro e se
encontrava ali. Como já faz tempo que eu aprendi que antiguidade é posto,
deixei literalmente o Mestre Biô de lado e me pus a entrevistar o patriarca da
família.
Nascido em 1º de março de
1955, em Nazaré da Mata, Antônio Severino João primeiro me contou por que é
chamado de Antônio Preto: “Na minha rua tinha outro Antônio e o povo trocava os
nomes, confundia eu e ele. Então, como ele era mais claro do que eu, passou a
ser chamado de Antônio Alvo e eu de Antônio Preto”. Muito atento e respondendo
pacientemente às minhas perguntas, Antônio Preto descreveu em quadros de
evocação de seu passado o envolvimento que durante anos manteve com o folguedo
ciranda. Segundo sua narrativa, foi seu pai José Severino João que o chamou
para formarem uma ciranda na localidade em que moravam. E assim foi que nasceu
a Ciranda Carimbó, um nome para mim curioso, porque carimbo é uma dança típica
do Pará. A propósito indaguei-o se seu pai gostava de carimbó ou do Pinduca, o
mais conhecido difusor desse folguedo, e ele não soube responder. O fato é que a
ciranda foi formada e se apresentava no terreiro de sua casa ou nas imediações; e sempre atraía
muita gente. Por essa época Antônio ainda era adolescente, tendo somente
dezesseis anos de idade. Recordou que Antônio Baracho, o grande e famoso mestre
cirandeiro que também nasceu em Nazaré, fora antes mestre de maracatu de baque
solto: “Eu cheguei a ir pra sambada de maracatu dele na época. Ele começou a
cantar ciranda quando saiu de lá. Baracho foi um cirandeiro bom. Foi ele quem
botou a ciranda pra todo mundo ver”. E Lia, o senhor conhecia? “Desde que eu
comecei na ciranda eu ouvia falar de Lia. Eu via ela na televisão”. Ele também
se lembrou que outros cirandeiros, como João Limoeiro e Zé Galdino se
apresentavam na cidade: “Eu acho que era a Prefeitura que chamava eles. Que eu
saiba, ela sempre pagava a eles, nunca deixou de pagar, não”.
| Reunião de parte do clã. Da esquerda para a direita: Valmir, Valdir [Mestre Biô], Valdenise e o patriarca Antônio Preto |
A lida na lavoura da
cana-de-açúcar sempre foi uma realidade quase que inescapável na vida de
Antônio Preto; seu pai era canavieiro e ele logo se viu também ligado a essa
rotina. E trabalhava o ano inteiro e não só no período de corte da cana,
capinando, plantando e fazendo de tudo nos imensos canaviais da Usina São José [não seria Usina Matary?]. Ele recorda: “A vida era muito difícil. Meu pai cortava cana; e eu comecei aos
dezesseis anos. Construí minha casa com dinheiro da cana. Eu ia trabalhar e
minha mulher, Maria José Galdino, ia pegar areia no Rio Pegi” [ou Pagi?]. Durante quatro
anos, levado pelo filho José Carlos – ele teve cinco rebentos com Maria José,
todos com os nomes iniciados com a letra V de vitória: Valdir, Valdemir,
Valdenise, Valdênio e Valdécio, criados no meio dos folguedos; e assumiu como
seus José Carlos e Antônio Carlos, que sua mulher já tinha antes de se casar
com ele -, Antônio trabalhou como servente de pedreiro em Candeias, Jaboatão
dos Guararapes; mas quando a firma faliu, ele voltou a labutar no canavial.
Antônio Preto, como era a
sua ciranda? “Antigamente as cirandeira ajudava a gente. A ciranda era cerrando
[disse isso fazendo movimentos com os braços]. Era mais bonita. A ciranda mudou
muito. Essas cirandas de hoje são muito atrapalhada. Eu nem sei cantar. A
dança de agora é tudo pulando”. Eu pedi e ele cantou uma das cirandas do seu
tempo depois de dizer que “A ciranda a gente mesmo tirava”. (Antes de eu
apresentar a ciranda do Antônio quero esclarecer para os não iniciados que
ciranda nomeia tanto a dança como a cantiga; e que além dos mestres cirandeiros
que as conduzem, igualmente podem ser chamados de cirandeiros, as pessoas que
brincam ciranda). Eis os versos do Antônio Preto: “Não há quem possa subir e
descer/ a ladeira do limão./ Eu peço às minhas cirandeira/ que pisem devagar no
chão”.
Embora bastante prestigiada
a Ciranda Carimbó só existiu durante dez anos; e durante esse tempo, além de
Nazaré da Mata, foi apresentada em cidades como Aliança e Condado. Antônio
Preto contou que a ciranda teve fim porque ele passou a ser brincante de
maracatus de baque solto, tendo passado por vários ao longo de vinte anos – não
se pode esquecer que Nazaré da Mata é a “terra dos maracatus”. Antônio deixou
de ser brincante - “Eu tô velho, não aguento mais isso" ele me confidenciou com
sua fala mansa – e atualmente é diretor do Maracatu Águia de Ouro. E como o
senhor vê o panorama da cultura popular lá em sua cidade? “Eu acho que ela tá
bem representada em Nazaré. Você precisa ir lá no Carnaval. Antigamente o
maracatu andava a pé para chegar nos lugar onde ia fazer apresentação. Hoje em
dia tem carro, tem ônibus, tem muito apoio”.
Depois que me concedeu a
entrevista, Antônio Preto se pôs a caminhar entre a multidão que fora
prestigiar a homenagem a Dona Selma, anunciando o dvd do coco dos seus filhos
que estava sendo vendido a R$ 10,00. Com seu jeito simples e sua encantadora
espontaneidade, Antônio Preto revela no brilho dos seus olhos o orgulho que ele
sente de ver a terceira geração de sua família envolvida com as tramas da
cultura popular que são tecidas com fios de muitos saberes, cores, coragem,
determinação, alegria, devoção e, sobretudo, muita resistência.
| Eu ao lado de Antônio Preto, mais um mestre da cultura popular que tive o privilégio de conhecer e compartilhar de seus saberes e vivências |
(Artigo publicado também in O Monitor [Garanhuns], nº 185, abril de 2016, Opinião, p. 2.)
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