23 de abril de 2016

Camaradas, tem coisas que a gente não esquece

Por Clênio Sierra de Alcântara

                                                  
Pensas, ó amigo, que a democracia
só existe para eleições, para a política,
para os políticos?

                                      Walt Whitman



Será que chegamos ao fundo do poço? É melhor pensar que não e nos mobilizarmos para que a atual conjuntura política e socioeconomômica seja resolvida e devolva alguma dignidade aos brasileiros de bem 



Brasília, domingo, 17 de abril de 2016. Depois de empurras-empurras e uma série de pronunciamentos, às 17:44 h, com o “sim” do deputado Washington Reis, do PMDB do Rio de Janeiro, teve início a votação na Câmara dos Deputados pela admissibilidade e/ou arquivamento do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. E a partir daí o que se viu foi uma sequência de sins e de nãos acompanhados por vezes de falas raivosas, de xingamentos, de disparates e de tudo o mais que pudesse ser dito por parlamentares que queriam aproveitar a ampla exposição midiática para de algum modo aparecerem. Se a olhos vistos o espetáculo ou a espetacularização, digamos assim, de um processo tão importante para a maturidade da democracia deste país teve lances patéticos e enfezados – Zeca Dirceu (PT–PR) só faltou incluir no rol de homenageados o seu pai José Dirceu, que anda prestando contas com a Justiça pelos crimes que cometeu. Com sua conhecida boçalidade Jair Bolsonaro (PSC-RJ) evocou até um dos carrascos da Ditadura Militar, Carlos Alberto Brilhante Ustra. Cabo Daciolo (PTdoB-RJ), numa demonstração de confiança extrema em sua fé, profetizou o fim da Rede Globo, olhando para a área destinada a assistência, procurando os repórteres da emissora. Glauber Braga (PSOL-RJ) chamou Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o encrencado presidente da Câmara, de gângster. E o próprio Eduardo Cunha querendo fazer boa figura em meio aos tantos insultos que lhe dirigiram, soltou um “Que Deus tenha misericórdia desta nação”, na ocasião em que anunciou o seu voto -, nos bastidores e/ou longe das câmeras a coisa foi ainda pior. Diz-se que Jean Willis (PSOL-RJ), que em seu pronunciamento classificou os defensores do impeachment de canalhas, cuspiu em Jair Bolsonaro, que teria puxado um dos seus braços quando ele se dirigia ao microfone. E que Silvio Costa (PTdoB-PE), tadinho, ficou a chorar pelos cantos, por conta da supremacia do sim sobre o não.

Quando, às 23:07 h, deu-se a votação por encerrada, o painel eletrônico totalizou 367 sins, 137 nãos, 7 abstenções e 2 ausências. A esta altura eu, que me encontrava diante da TV ao longo das várias horas que durou a sessão, senti um misto de alívio pela conclusão daquela etapa do processo e de incerteza quanto ao que estava por vir.

Ficou bastante claro durante as seis horas de votação, que os deputados e deputadas que disseram sim à continuidade do processo de impeachment, pelo menos em sua maioria, dado o tom dos discursos proferidos, assim o fizeram menos pelo exame do mérito da questão propriamente dita, ou seja, se a presidente cometeu ou não o crime de responsabilidade fiscal, e mais por juntar a isso o “pacote PT”, que engloba os escândalos do mensalão e da Petrobras, os desacertos da política econômica do Governo que até agora já pôs mais de dez milhões de brasileiros na fila dos desempregados, a volta da inflação e as investigações envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O modo como a arte da política está sendo feita na sociedade brasileira é eivado por conchavos, jogos de interesses, traficâncias e conluios sinistros pensados por gente que tem muita fome e sede de poder com objetivos nada republicanos. De maneira que político probo e de reputação ilibada é seguramente animal difícil de ser encontrado na selva de corrupção, escândalos e maracutaias da vida pública deste Brasil varonil. Quer uma prova entre muitas de que político neste país quase sempre só se move por interesse pessoal e não pelo bem comum que o fato de o cara ser eleito para deputado federal ou estadual e abrir mão de legislar para assumir um ministério ou uma secretaria e ainda poder voltar a assumir o mandato quando bem quiser? É óbvio que isso deveria ser proibido por lei, porque o parlamentar deveria assumir única e exclusivamente o cargo para o qual foi eleito e não ficar nessa esteira de conveniências.

Quem acompanha a vida política brasileira com um mínimo de atenção tem conhecimento do comportamento sempre aproveitador do PMDB. É um partido que se move quase que única e exclusivamente pela desonestidade e pelo oportunismo, vide as investigações em curso envolvendo o presidente do Senado Renan Calheiros e o presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha. A ideologia que impulsiona os peemedebistas é a de se dar bem a qualquer custo se alinhando com quem quer que esteja no comando do país. O PMDB não lança candidatos à presidência da República e sempre se torna aliado de quem vence as eleições exigindo o maior número de ministérios, secretarias e cargos outros que forem possíveis. E ainda se mete em ações corruptas que dizem muito de sua natureza daninha para a política nacional. Agora mesmo, depois de se aproveitar o quanto puderam do governo corrupto dos petistas, os peemedebistas passaram a ser arvorar de defensores dos princípios mais elementares que devem nortear a conduta de um partido político e, por extensão, de todos os seus membros que estão a tratar da coisa pública, e a se portar como salvadores do país que se encontra mergulhado no desemprego e num cenário econômico que só tem dado indicadores ruins. As articulações e o empenho do senhor Michel Temer visando assumir a presidência, caso a senhora Dilma Rousseff seja mesmo afastada do cargo, é uma prova cabal do oportunismo peemedebista. Dá para confiar no PMDB? É claro que não, porque o seu histórico é bastante desabonador para dizer o mínimo.

Em meio a uma sociedade que parece estar inteiramente bipolarizada entre os que de um lado apoiam a presidente Dilma Rousseff e os que, de outro, querem que ela seja afastada do cargo, olhamos ao redor e não vemos nomes e nem líderes que nos passem um mínimo de confiança de que tudo será posto nos eixos se por acaso um deles assumir o comando do país. E essa ausência de lideranças íntegras e confiáveis é o grande nó de todo esse momento de instabilidade que estamos a atravessar.

Walt Whitman, o aclamado poeta norte-americano que acompanhava de perto a vida política de seu país, e que era pleno de confiança nas instituições democráticas e no futuro da democracia, acreditava também com confiança no homem comum, mas compreendia que eram necessários nos postos de comando – de comando e não de domínio – a presença do homem incomum; incomum não pelo saber de um acadêmico ou de um gênio literário ou estético de sábio ou de artista distanciado da vida cotidiana, como observou Gilberto Freyre, e sim pela capacidade superior de direção e, ao mesmo tempo, de ser capaz de identificar, como líder, as necessidades e aspirações da comunidade. De tiranetes e sequiosos do poder pelo poder este país está cheio. Não devemos dar ouvido a figurões que posam de líderes e passam por cima de valores que eles diziam ostentar, como o fez o antes humilde ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva que, depois de ser presidente, tornou-se um milionário à custa, segundo ele, apenas de pagamentos por supostas palestras que ele proferiu para grandes empresas, e há quem enxergue nisso normalidade. Não é possível que esse senhor continue acreditando que toda a confiança que milhões de brasileiros depositaram nele permanece intacta e que ele não destruiu neles um sonho de há muito acalentado, porque ele, ao fim e ao cabo, se revelou ser da mesma matéria de todos os picaretas que ele dizia ocupar o Congresso Nacional. Ainda para lembrar Walt Whitman leiamos o que ele escreveu dos Estados Unidos em 1871 e que cabe muito bem para a atual conjuntura política que os brasileiros estamos vivenciando: “Vivemos numa atmosfera de hipocrisia geral [...] A depravação das classes de homens de negócios do nosso país não é menor do que se supõe, mas infinitamente maior”.

Enquanto em Brasília se processava a votação pela continuidade ou paralisação do processo de impeachment e multidões em várias cidades torciam contra e a favor, o SBT do mascate Sílvio Santos, um dos ricos empresários deste país que não estão nem aí para a alienação de grande parte dos brasileiros, exibia uma entrevista do cantor Amado Batista no programa da Eliana. Parafraseando uma das mais conhecidas canções do repertório desse artista, “Meu ex-amor”, eu diria aos políticos criminosos e aos que legislam em causa própria e que são renhidamente zelosos de seus interesses pessoais, que tem coisas que a gente não esquece e ninguém merece tantos desmandos e tanta ladroagem.

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