8 de abril de 2016

Patrimônio & Descaso (VI)

Por Clênio Sierra de Alcântara




Incomodo-me sobremaneira quando leio ou escuto alguém dizer que os cidadãos brasileiros – o povo, a população, a sociedade – não lutam pela salvaguarda e proteção do patrimônio histórico edificado. Dar-se o incômodo pelo seguinte: como se pode exigir tal tipo de ação e/ou comprometimento da parte de um indivíduo que, assim como cada um de nós, não foi educado para tanto? Sabe-se – e não é de hoje – que o que se deu no âmbito geral da nossa sociedade foi justamente o contrário; o que sempre ou quase sempre se alardeou é que “construções velhas” – principalmente se elas estão abandonadas e deterioradas – devem ser demolidas para que deem lugar a edificações novas.

A noção que o cidadão comum tem do passado como algo de valor e/ou valioso está muito ligada a um caráter venal. Por essa percepção, um anel de ouro do ano de 1920 tem um valor considerável, mas uma carta assinada pelo escritor fulano de tal naquele mesmo ano, não. Do mesmo modo, um relógio que foi fabricado em 1901 certamente deve valer um bom trocado, mas um vestido usado na última festa havida na Ilha Fiscal, não. Sem dúvida, a meu ver, é a questão da venalidade que determina o apreço e/ou indiferença que a maioria das pessoas sente por determinados artefatos de um tempo, digamos, remoto. Sob essa perspectiva, como esperar que alguém levante a voz em defesa da conservação do prédio número tal, localizado na rua que fica por trás da barbearia do Seu Antônio?

Muito mais do que uma ação de Estado, a defesa, divulgação, conservação e salvaguarda do patrimônio histórico, artístico e cultural de uma nação deve ambicionar ser um projeto de integração nacional; as pessoas precisam ser chamadas, convocadas a tomar parte nesse processo de uma maneira que se constitua, que se forme uma corrente multiplicadora de um entendimento que ponha o patrimônio – o material e o imaterial -, digo melhor, a defesa do patrimônio na prática diária de nossa cidadania. Daí por que, acredito, se faz necessário que a chamada “educação patrimonial” passe a integrar os conteúdos curriculares desde os primeiros anos da vida escolar dos alunos, para que a familiarização com a temática se dê de forma gradativa e natural e eles possam compreender e se apropriar de uma visão do passado para além das aulas de História, identificando sobrevivências e testemunhos de um tempo longínquo no presente cotidiano de suas vidas.

Nós precisamos de todas as maneiras promover um discurso legitimador e proficiente em defesa do patrimônio, para que dessa forma consigamos atingir e convencer o grande público da importância da preservação; do contrário, continuaremos assistindo aos repetidos casos de abandono, descaso e destruição fundamentalmente do patrimônio edificado que pouco a pouco vai desaparecendo de nossas cidades sem que esbocemos qualquer sinal de protesto ou insatisfação perante esse estado de coisas.

Reajamos contra tudo que queira se posicionar em favor do amesquinhamento e desaparecimento dos testemunhos do nosso passado. Não sejamos cúmplices do império da indiferença e nem militemos em prol da ignorância.





Fotos: do autor        Rua Beaurepaire Rohan - Centro - João Pessoa - PB, 12 de março de 2016.  Sem que recebam qualquer intervenção que garanta a sua integridade, edificações antigas vão desaparecendo das cidades brasileiras sem que a sociedade esboce nenhum tipo de protesto contra esse estado de coisas.


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