14 de maio de 2016

Agora os lobos são lobos mesmo

Por Clênio Sierra de Alcântara



Novamente a democracia brasileira se vê vilipendiada pela horda peemedebista, que chega à presidência da República por via indireta



Quando teve início o processo visando ao afastamento da presidente Dilma Rousseff, acredito que até no pensamento do mais ardoroso militante petista martelava a incômoda e triste certeza de que ela seria mesmo apeada do poder. E por quê? Porque não era somente o suposto crime de responsabilidade fiscal que lhe era imputado – e que ela e os seus correligionários negavam veementemente, desqualificando a acusação e classificando-a de “golpe”  -; acrescentou-se a ele o conjunto de malfeitorias executado por outros membros de seu partido e ela acabou tendo de pagar o pato. Ao processo de cassação do mandato da presidente da República inegavelmente foram atrelados todas as falcatruas, todas as manobras, todas as roubalheiras e todas as tentativas infames das hostes do Partido dos Trabalhadores que pretendiam, à sua maneira e ao seu modo ideal de democracia,  se manter por tempo indeterminado no poder, porque pensavam eles ser os mais legítimos, os mais capazes e os únicos que realmente pensavam no bem-estar dos brasileiros verdadeiramente mais necessitados. Mas, e aos outros? Ora, excetuando-se os grandes empreiteiros e alguns outros empresários escolhidos para enriquecer enquanto o país empobrecia, foi restando o aumento da inflação e do desemprego e a certeza de que o PT começou bem e acabou sendo mais do mesmo, perdeu-se nas veredas sombrias da corrupção inebriado pela gana de querer se manter no poder a todo custo.

Houve quem desde o início enxergasse algo de muito ruim no horizonte do projeto petista de governo. O simples fato de o senhor Luiz Inácio Lula da Silva precisar refazer sua própria imagem e alterar seu discurso para finalmente alcançar a presidência do país por si só diz muito de como o PT principiou a abrir mão de seus fundamentos para ganhar um pleito tão almejado. Lula foi eleito e toda uma nação de desvalidos e de intelectuais crentes de que pobre é tudo bom e honesto e que toda elite financeira e capitalista é desumana e corrupta, sentiu-se festivamente satisfeita e representada, porque um homem verdadeiramente saído do seio do povo, um homem humilde que enfrentara agruras indizíveis, um cidadão que conhecia realmente de perto o que é a pobreza extrema chegara ao Palácio da Alvorada iluminado pelo severo e benfazejo e auspicioso sol do cerrado. Lula era o homem certo. Lula acabaria com as multidões de esfomeados. Lula ergueria casas para os sem-tetos. Lula melhoraria a educação. Lula fortaleceria as estatais. Lula criaria uma TV que só exibiria a verdade. Lula poria fim ao imposto sindical. Lula, enfim, promoveria uma grande transformação social no Brasil, que passaria, então, a ser um exemplo para o resto do mundo.

Acontece que a realidade é dona de suas vontades e nem sempre está disposta a seguir um script. Enquanto promovia sua pequena revolução social distribuindo cartões do Bolsa Família a mancheia, lançava projetos pomposos e vistosos como Fome Zero, Minha casa, minha vida e Programa de Aceleração do Crescimento e incentivava o consumo desenfreado de tudo o que fosse possível com o crédito facilitado, os petistas foram silenciosamente agindo na escuridão para ao mesmo tempo em que se locupletavam, garantissem a permanência no poder. Apesar do escândalo do mensalão, que começou a mostrar para que, de fato, o PT lutara tanto para eleger Lula e comandar o país, as benesses e as benfeitorias sociais já haviam conquistado uma legião imensa, uma massa de manobra que não apenas conseguiu reeleger Lula como o levou a fazê-la acreditar que a senhora Dilma Rousseff não só continuaria mantendo os benefícios sociais como os ampliaria. E Dilma foi eleita. E reeleita, mesmo sem ter méritos.

Aos que diziam que ela não passava de um fantoche ou de um poste apagado, Lula rebatia apresentando Dilma Rousseff como uma administradora eficiente, durona, intolerante com os corruptos e preguiçosos, cobradora de bons resultados, uma dinâmica e brilhante gerentona. Mas a realidade, além de ter vontade própria, não se põe a esconder os fatos. Não demorou para que o engodo Dilma Rousseff se mostrasse como a encarnação em pessoa da ineficiência: ela não conseguiu afastar de perto de si aproveitadores de todo tipo; não teve discernimento para perceber que a economia do país caminhava para o fundo do poço; não soube ou não quis promover as reformas de que o Brasil precisava e ainda precisa; e viu a sua imagem ser dia a dia desconstruída não somente por um coro misógino, bem como pelas ações criminosas de membros do seu partido e, principalmente, pela sua mais que evidente incapacidade de tomar as rédeas de seu governo que acabou, com o perdão do trocadilho, desgovernado, manchado e corroído ao extremo por um caso de corrupção gigantesco ainda em investigação.

Na madrugada da quinta-feira 12 de maio, por 55 votos a favor e 22 contra, o Senado aprovou o afastamento de Dilma Rousseff da presidência da República, um desfecho deveras melancólico para aquela que foi a primeira mulher a chegar à chefia do mais elevado cargo do país. E como se o afastamento não fosse por si só algo a lamentar em termos de representatividade feminina e de simbolismo mesmo, ele deu ensejo para que outra vez a horda do PMDB chegasse à presidência da nação por via indireta, corroborando a máxima que diz que o que está ruim pode ficar pior.


Como é triste tudo isso. Triste, lamentável, vergonhoso e desanimador. O PT conseguiu de uma só tacada acabar com os sonhos de milhões de militantes e de outros tantos que a ele se afeiçoou ao perceber, lá no início, que a coisa apontava para um futuro promissor, e nos deixar sob o comando de um partido que tem entre os seus membros, autoridades que não valem o que o gato enterra porque, não é de hoje, vivem metidos em atividades criminosas. Restou-nos pelo menos a desilusão, porque agora sabemos que nessa imensa seara os lobos são lobos mesmo, não estão escondidos sob peles de cordeiros.

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