Por Clênio Sierra de Alcântara
Libertos das amarras das convenções e imposições sociais podemos dar à nossa vida a direção que nos for verdadeiramente satisfatória e favorável |
Continuo mantendo o apoio
firme àquela disposição de se dizer o que se pensa ou o que se quer em
determinado momento ou circunstância. Dizer é um ato de coragem. Falar é um ato
de coragem. E eu admiro quem se põe a enfrentar velhas concepções de
moralidade, falsos pudores, preconceitos de todo o tipo, imposições de crenças
e gostos e tudo o mais que for incompatível com o eu de cada um.
Viver é indiscutivelmente um
embate diário contra muitas coisas. Contra pessoas que praticam maldades que
podem nos ceifar a vida. Contra os atropelos do trânsito caótico. Contra as
doenças. Contra a desumanidade de muitos. Contra a força bruta das instituições
que querem nos padronizar. E contra até mesmo os pensamentos de autodestruição
que nos acometem. A postura afirmativa não pode ser tomada – como frequentemente
é – como uma ação impensada. É claro que falar e escrever requer um filtro de
nós mesmos, porque o que é dito e escrito pode trazer inúmeras consequências positivas
ou negativas. Está claro que nesse exercício de afirmação cada um de nós deve
ter plena consciência de seus atos. Agora, a meu ver, essa prática reflexiva
não deve ser tolhida por uma, digamos, visão distorcida da realidade e nem por
um temor generalizado como se estivéssemos a todo momento vigiados por uma
outra consciência que não a nossa.
A mim me causa certo pavor
simplesmente imaginar que algum pensamento meu ou uma ideia seja reprimida por
certa perturbação da minha própria consciência, motivada por um temor
injustificado, como se alguém ou algo estivesse a vigiar os meus passos
diuturnamente. Quando nos deixamos ser perseguidos pela autocensura e pela
autorreprovação, tolhendo nossas ações de maneira que limitemos
consideravelmente o raio de alcance daquilo que pretendemos dizer – seja pela
escrita, seja pela fala – tendemos não só a diminuir de maneira drástica o
encadeamento de nossos pensamentos, como também passamos a considerar que
estamos metidos numa prisão que nos amesquinha, desencoraja e embrutece, porque
nos aniquila ao ponto de nos enxergarmos como meros autômatos cumpridores de
tarefas, que não precisam pensar para existirem. Mas acontece que eu
paulofreireanamente me eduquei para a prática da liberdade e da autonomia do
pensar e, em virtude disso, não permito que ponham cabrestos em mim.
Procuro não me furtar de
assumir e externar minhas convicções e anseios; repeti isso aqui algumas vezes,
em outras ocasiões. Mas eu, por outro lado, não faço pregação da
obrigatoriedade da fala, da revelação, do esclarecimento e da opinião seja
sobre o que for. Não compartilho a ideia de que, mesmo vivendo num tempo em que
a superexposição pessoal parece ser uma imposição, uma necessidade social total
e não somente de quem acessa a internet e as chamadas redes sociais, tenhamos
que nos mostrar de corpo inteiro nos universos real e principalmente virtual,
escrevendo ou postando fotos, áudios e vídeos. Por isso, o que tomo como
autopatrulhamento é justamente a quase paranoia de quem se julga na obrigação
de dizer de si para os outros. Ora, se eu tiver que me sujeitar a uma realidade
dessas para única e exclusivamente me sentir pertencente a um grupo, a uma
turma ou ao que seja, estejam certos, eu não entrarei. Eu quero fazer se eu
tiver vontade, se eu sentir necessidade, se eu me interessar, e não porque fulaninho
e fulaninha estão ali fazendo e acontecendo.
Vou continuar seguindo o meu
caminho e construindo a minha história de vida, empenhado em preservar a
integridade da minha liberdade de ir e vir e fundamentalmente de pensar. Não me
vejo na obrigação de dizer de mim, de me explicar, de me filiar, de relacionar
os homens e as mulheres que me amaram, de deixar marcados meus itinerários, de
mencionar a cor da qual eu mais gosto, de apontar o espaço vazio no meu
registro de nascimento, de fazer um rol de minhas fraquezas, de contar meus
fracassos, de iluminar minhas alegrias, de revelar a dimensão dos meus desejos
e de sublinhar os nomes de todos aqueles que tudo fizeram para que eu deles me
desprendesse. Não vou sair da minha posição de contra-ataque porque em meio às
maravilhas que estão à nossa volta, se encontra também a obstinada perseverança
da maldade, essa senhora que fará com que nos deparemos, até o fim dos nossos
dias, com gente ferreamente determinada em não conviver com deficientes
físicos, com negros e nem com homossexuais porque para elas só assim o mundo
ficará perfeito e todas as pessoas serão felizes.
Não vou sair da minha
posição de conta-ataque. Eu também sei ser duro, sei dizer não, sei me calar e
sei fazer ouvidos surdos.
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