13 de junho de 2016

Contra a força bruta da intolerância, uma resistência perene e absoluta

Por Clênio Sierra de Alcântara



Mesmo que me arranquem o sexo,
minha honra, meu prazer,
te amar eu ousaria.

                                Avesso. Jorge Vercilo



A morte veio, mas o arco-íris não mudou de cor e nem vai mudar


Não tivessem a resistência perene e absoluta que têm, os gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros já teriam desde há muito sido varridos da face da Terra, tamanha e onipresente são as instâncias da intolerância que a todo tempo lançam sobre eles suas garras impiedosas e dilaceradoras. Tal qual a Hidra de Lerna, o monstro da mitologia grega, a intolerância tem várias cabeças; e cada uma delas permanece diuturnamente buscando justificativas nos campos religioso, moral, ético, filosófico, político e, claro, biológico para as ações de repúdio e completa e total aversão a todo e qualquer indivíduo que seja homossexual.

Ao longo da História, a homossexualidade foi quase sempre vista como uma doença, um comportamento de contranatura, uma perversão, uma degeneração, uma falta de vergonha, uma safadeza, um pecado mortal; em em razão de tudo isso, os homossexuais nunca deixaram de ser alvo de ataques de pessoas que, se julgando acima do bem e do mal e de tudo o que existe, lhes infligem os mais absurdos e cruéis “castigos”. Por serem gays ainda hoje, em diferentes partes do mundo, homens e mulheres são espancados nas ruas; são assassinados aos magotes, como acontece no Brasil; são humilhados nas unidades prisionais; são rejeitados e/ou dispensados de certos empregos, cargos e funções. Enfim, se ser gente num mundo exacerbadamente falocêntrico, machista, seletivo, competitivo e violento é extremamente difícil e não é para qualquer um, para os homossexuais então o peso do fardo de viver vem em carga dobrada.

Na madrugada do último sábado para o domingo, em Orlando, na Flórida, nos Estados Unidos, um fundamentalista islâmico, americano de nascimento e filho de afegãos, adentrou armado na boate gay Pulse e despejou ali toda a sua frustração e inadequação a este mundo, matando a tiros quarenta e nove pessoas que, a seu modo, celebravam e festejavam a liberdade e a alegria que tinham de viver. Todas as vítimas foram mortas simplesmente porque eram gays e não por outra razão. Omar Mateen, o justiceiro, o herói da boa causa, o fundamentalista cumpridor de sua missão, o vingador dos grupos extremistas, o radical com alto poder de fogo que conseguiu por duas vezes enganar os investigadores do FBI, o desgraçado, o impiedoso, o covarde Omar Mateen ceifou quarenta e oito vidas como se aquelas pessoas não tivessem sentimentos nem valores morais e éticos, não fizessem parte de famílias, não traçassem caminhos para o futuro, não amassem, não desejassem, não fossem cidadãos, não tivessem fé religiosa e fossem como coisas, como objetos imprestáveis que, quando não se quer mais, joga-se na lata de lixo.

Como sempre acontece quando se deparam com massacres ocasionados por armas de fogo em seus quintais, agora também as autoridades norte-americanas, incluindo o presidente Barack Obama, se puseram a dizer que é preciso discutir seriamente a facilidade que se tem para a compra e venda de armas nos Estados Unidos, discussão essa que nunca avança devido ao forte lobby que as grandes empresas de armamento mantêm no Congresso daquele país. De modo que não apenas os gays, mas todos aqueles que não se “enquadram” na visão distorcida da realidade de indivíduos como esse Omar Mateen, são alvos em potencial, visto que na terra do Tio Sam, as pessoas compram armas com a mesma disposição de quem vai a um supermercado.

Depois de ter sua história marcada pelo emblemático acontecimento havido em 1969 no bar Stonewall Inn, em Nova York, que acabou se tornando um dos desencadeadores das lutas por direitos civis para os homossexuais, a comunidade gay dos Estados Unidos terá agora que carregar mais essa tragédia como símbolo de suas caminhadas de resistência contra tudo e contra todos que insistem em silenciá-la, vilipendiá-la, desmoralizá-la e afastá-la completamente dos grandes debates sociais, como se nem a condição de cidadãos os gays merecessem ter, algo que em maior ou menor grau se observa em todos os países do mundo.

Assim como não se consegue evitar o mal, ninguém é capaz de se manter o tempo todo vigilante a fim de escapar a toda sorte de atos infames, mesquinhos, violentos, covardes e brutais provindos dos que são movidos pela intolerância. Se eles acreditam que as chacinas, os massacres, as carnificinas, as fogueiras e os cadafalsos são legítimos e necessários, continuemos resistindo e persistindo no avesso.


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