Por Clênio Sierra de
Alcântara
Desilusão,
desilusão
danço
eu, dança você
na
dança da solidão.
Dança da solidão. Paulinho da Viola
Desilusão. O
encontro se deu como tantos outros encontros se deram na vida de muitos de nós:
sem nada de especial; e aconteceu num momento em que o desejo sexual, muitíssimo
mais do que a necessidade de afeto, era o que estava na linha de frente,
ansiando por consumar-se. E lá fomos nós nos satisfazermos.
À medida que os corpos foram
se aproximando e, mais do que a necessidade do gozo, foi se estabelecendo em um
deles uma real e urgente vontade de apego, de conforto, de unidade, de
cumplicidade, enfim, de amorosidade, eu vi que principiava a acreditar que
aqueles encontros poderiam ter um bom futuro. Ainda sozinho e querendo
confortar de algum modo também o meu coração, cheguei a confidenciar àquele ser
que, talvez sem querer, começava a me cativar, que eu não sabia ainda o que era
aquilo que estávamos vivenciando, que sentimentos ou intenções estavam a nos
mover e que eu queria muito me animar com a ideia de mantermos um
relacionamento para além de encontros fortuitos. O que se seguiu a essa minha
fala foi um silêncio que meu íntimo compreendeu como um indicativo do
desinteresse que havia na outra parte em relação ao esclarecimento sobre as
expectativas que nutríamos um pelo outro.
Ainda assim eu insisti. Eu
queria pagar para ver aonde o rio da libido e da fantasia ia desaguar. Apostei
no carinho, no companheirismo, no ir se conhecendo aos poucos, na comunhão de
entendimento do mundo, no ultrapassar a questão da diferença de idade, nos
interesses comuns, no entusiasmo a ser compartilhado, no esforço de uma alegria
propiciadora de sorrisos, no estar juntos para afugentar a enfermidade, no
olhar a cidade pela janela do apartamentinho cantando e tentando nos mover em
uma dança... E reconheço que eu desenhei, na verdade, o retrato de uma pessoa
que não era aquela. Eu estava começando a baixar a guarda para quem não me
queria. Eu buscava uma atenção que ela não se dispunha a me dar. Eu acreditei
numa satisfação que era fugaz. Eu vislumbrava um caminho pelo qual ela não
pretendia seguir, pelo menos não comigo. Eu estava outra vez me apegando a uma
grande ilusão. E, curiosamente, essa pessoa não mencionava o meu nome: ela me
dirigia a palavra me chamando de Amor.
Demorei a decifrar os
sinais. Como alguém pode estar interessado em você se esse alguém não se dispõe
a ouvir o que você tem a dizer? Como alguém pode pretender manter um
relacionamento, digamos, sério, com você, se esse alguém cria caso para não
estar com você? Demorei a perceber as evidências. Não existiam ali nem
confiança e nem qualquer coisa que verdadeiramente se assemelhasse àquela
beleza dos encontros que nos elevam em arrebatamento profundo e duradouro. Não.
Era a fugacidade a sua característica marcante. E eu tolamente, tolamente
mesmo, quis apostar meu capital sentimental naquele vazio cômodo cardíaco.
Demorei a ligar os pontos do joguinho do verdadeiro ou falso.
O desprezo veio em forma de
sumiço e de silêncio até quando eu pretendi quebrar essa barreira efetuando uma
ligação telefônica. A criatura não queria nada mais comigo, ora, por que então
eu cismava em querer uma explicação se, àquela altura, qualquer que fosse ela
não teria validade e nem modificaria a clareza do meu tardio entendimento de
que aquele pouco que vivenciamos se acabara definitivamente?
Vou dar agora uma pausa
nesta escrita para fechar os olhos e reconstruir no pensamento cada pedacinho
daquele rosto bonito, saborear mais uma vez na lembrança o gosto delicado
daquela boca e me embriagar com o cheiro daquele corpo que eu agarrava com
tanta firmeza. Retornei. E de digo de mim para mim que permanecerei mantendo o
hábito de deixar tudo muito claro com as pessoas com as quais me relaciono
intimamente para que não se apeguem a ilusões e fantasiem algo que não vai
acontecer: eu digo – e espero ouvir isso também – se o caso é para namoro ou só
para amizade – mesmo que uma amizade colorida - ou para nada mais além do
encontro que experimentamos. Ninguém gosta de ser enganado. Ninguém gosta que
brinquem com seus sentimentos. É preferível que sempre saibamos desde o início
com que tipo de envolvimento nós estamos lidando.
Eu busquei a fala. Eu queria
ouvir o porquê da dissolução, do afastamento e da indiferença... Eu me
conformei com a perda porque não tenho mais tempo nem idade para pensar na vida
que poderia ter sido e que não foi e, sim, para aproveitar o bom que porventura
venha. E como cessou o diálogo, seguiu rápida a mensagem de texto via celular:
“Desculpe-me por ter te conhecido”.
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