4 de junho de 2016

Personas urbanas (12)

Por Clênio Sierra de Alcântara


Desilusão, desilusão
danço eu, dança você
na dança da solidão.

                                      Dança da solidão. Paulinho da Viola




Desilusão. O encontro se deu como tantos outros encontros se deram na vida de muitos de nós: sem nada de especial; e aconteceu num momento em que o desejo sexual, muitíssimo mais do que a necessidade de afeto, era o que estava na linha de frente, ansiando por consumar-se. E lá fomos nós nos satisfazermos.

À medida que os corpos foram se aproximando e, mais do que a necessidade do gozo, foi se estabelecendo em um deles uma real e urgente vontade de apego, de conforto, de unidade, de cumplicidade, enfim, de amorosidade, eu vi que principiava a acreditar que aqueles encontros poderiam ter um bom futuro. Ainda sozinho e querendo confortar de algum modo também o meu coração, cheguei a confidenciar àquele ser que, talvez sem querer, começava a me cativar, que eu não sabia ainda o que era aquilo que estávamos vivenciando, que sentimentos ou intenções estavam a nos mover e que eu queria muito me animar com a ideia de mantermos um relacionamento para além de encontros fortuitos. O que se seguiu a essa minha fala foi um silêncio que meu íntimo compreendeu como um indicativo do desinteresse que havia na outra parte em relação ao esclarecimento sobre as expectativas que nutríamos um pelo outro.

Ainda assim eu insisti. Eu queria pagar para ver aonde o rio da libido e da fantasia ia desaguar. Apostei no carinho, no companheirismo, no ir se conhecendo aos poucos, na comunhão de entendimento do mundo, no ultrapassar a questão da diferença de idade, nos interesses comuns, no entusiasmo a ser compartilhado, no esforço de uma alegria propiciadora de sorrisos, no estar juntos para afugentar a enfermidade, no olhar a cidade pela janela do apartamentinho cantando e tentando nos mover em uma dança... E reconheço que eu desenhei, na verdade, o retrato de uma pessoa que não era aquela. Eu estava começando a baixar a guarda para quem não me queria. Eu buscava uma atenção que ela não se dispunha a me dar. Eu acreditei numa satisfação que era fugaz. Eu vislumbrava um caminho pelo qual ela não pretendia seguir, pelo menos não comigo. Eu estava outra vez me apegando a uma grande ilusão. E, curiosamente, essa pessoa não mencionava o meu nome: ela me dirigia a palavra me chamando de Amor.

Demorei a decifrar os sinais. Como alguém pode estar interessado em você se esse alguém não se dispõe a ouvir o que você tem a dizer? Como alguém pode pretender manter um relacionamento, digamos, sério, com você, se esse alguém cria caso para não estar com você? Demorei a perceber as evidências. Não existiam ali nem confiança e nem qualquer coisa que verdadeiramente se assemelhasse àquela beleza dos encontros que nos elevam em arrebatamento profundo e duradouro. Não. Era a fugacidade a sua característica marcante. E eu tolamente, tolamente mesmo, quis apostar meu capital sentimental naquele vazio cômodo cardíaco. Demorei a ligar os pontos do joguinho do verdadeiro ou falso.

O desprezo veio em forma de sumiço e de silêncio até quando eu pretendi quebrar essa barreira efetuando uma ligação telefônica. A criatura não queria nada mais comigo, ora, por que então eu cismava em querer uma explicação se, àquela altura, qualquer que fosse ela não teria validade e nem modificaria a clareza do meu tardio entendimento de que aquele pouco que vivenciamos se acabara definitivamente?

Vou dar agora uma pausa nesta escrita para fechar os olhos e reconstruir no pensamento cada pedacinho daquele rosto bonito, saborear mais uma vez na lembrança o gosto delicado daquela boca e me embriagar com o cheiro daquele corpo que eu agarrava com tanta firmeza. Retornei. E de digo de mim para mim que permanecerei mantendo o hábito de deixar tudo muito claro com as pessoas com as quais me relaciono intimamente para que não se apeguem a ilusões e fantasiem algo que não vai acontecer: eu digo – e espero ouvir isso também – se o caso é para namoro ou só para amizade – mesmo que uma amizade colorida - ou para nada mais além do encontro que experimentamos. Ninguém gosta de ser enganado. Ninguém gosta que brinquem com seus sentimentos. É preferível que sempre saibamos desde o início com que tipo de envolvimento nós estamos lidando.

Eu busquei a fala. Eu queria ouvir o porquê da dissolução, do afastamento e da indiferença... Eu me conformei com a perda porque não tenho mais tempo nem idade para pensar na vida que poderia ter sido e que não foi e, sim, para aproveitar o bom que porventura venha. E como cessou o diálogo, seguiu rápida a mensagem de texto via celular: “Desculpe-me por ter te conhecido”.

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