Eu não acredito em deuses. Em
nenhum. De onde eu vim? Para onde vou? Por que eu existo? Nenhuma dessas
indagações norteia a minha vida. A minha existência é toda ela pautada pela
compreensão e pelo entendimento do que eu sou e como eu ajo entre os meus
semelhantes. O meu caminhar é guiado pelas regras e pelos instrumentos legais
laicos; pelas normas que estabelecem que se eu infringir tal determinação eu
pagarei uma multa, ficarei com o nome sujo e/ou serei impedido de obter um
financiamento; minha conduta segue o preceito que diz que se eu praticar tal
ato isso será tipificado como crime e eu arcarei com as consequências disso.
Eu não acredito em deuses. Em
nenhum. E busco viver alinhando os direcionamentos das minhas necessidades
intelectuais e materiais e orgânicas de uma maneira que todas elas caibam na
dimensão das minhas posses, do meu alcance e das minhas limitações. O meu
estilo de vida até aqui se apoiou nos regulamentos e não nas convenções sociais.
Não vou ter um filho porque um coro exalta que todo homem tem que ser pai e
constituir uma família. Não, eu só vou ter um filho se eu quiser tê-lo. E de
nada adianta que as vozes se ponham a alardear que eu sou um fracassado porque
eu não comprei isso e nem conquistei aquilo, porque eu não viajei para tal
lugar e nem uso tal marca de roupa, porque isso não funciona comigo.
Eu não acredito em deuses.
Em nenhum. E me incomodo e me aflijo sobremaneira com as ações nefastas de
todos aqueles que dizem agir em nome e em defesa de uma divindade ou de um seu
intercessor, pregando o ódio, a intolerância, a submissão, o obscurantismo, a
perseguição, o castigo físico e a morte banalizada, ritualizada e executada da
maneira mais espetacular e cruel e desumana que for possível. É ignominiosa e
completamente vil e covarde essa prática de provocar a dor e o sofrimento no
seio de pessoas que compartilham crenças, opiniões e comportamentos de outrem,
que não se encaixam em certas visões de mundo e militam no campo da
diversidade, da pluralidade, do respeito mútuo e, sobretudo, da liberdade de
consciência. É desprezível, abominável e inteiramente execrável essa constante
operacionalidade que estabelece a morte e o extermínio em massa como semeadura
de um mundo onde só assim existirão homens e mulheres vivendo em conformidade
com um suposto rito de alcance da salvação. É chocante, opressora e amedrontadora
uma filosofia de vida que incita e que pratica uma maldade sanguinária e insana
como fundamento de uma verdade dita absoluta que algum dia há de prevalecer
para que, enfim, a humanidade se estabeleça em bases firmes de respeito e
subserviência aos mandamentos do que quer que seja que os arautos proclamem que
veio do céu.
Eu não acredito em deuses. Em
nenhum. E tenho absoluta certeza de que, mesmo que minha natureza fosse
diferente, e eu acendesse velas e jejuasse; e orasse e rezasse; e destinasse
oferendas; e louvasse; e desfiasse as contas de um rosário; e vestisse branco e
azul; e carregasse livros ditos sagrados debaixo do braço; e deixasse a minha
barba crescer sem não mais retirá-la; e me cobrisse dos pés à cabeça; e não comesse isso e aquilo; e frequentasse o templo e a igreja;
e saísse em peregrinação; e fizesse votos de castidade; e aprendesse a perdoar;
e pagasse o dízimo; e me batizasse; e dissesse um milhão de vezes “livrai-me de
todo o mal”, o mal nunca deixaria de vir.
A crueldade não precisa de justificativa para mostrar a sua face. Paris, Nice, Bruxelas, Orlando, Munique... Continuaremos assistindo à matança em massa de pessoas, como se fosse em imolação, porque não temos como impedir que o mal se estabeleça entre nós.
A crueldade não precisa de justificativa para mostrar a sua face. Paris, Nice, Bruxelas, Orlando, Munique... Continuaremos assistindo à matança em massa de pessoas, como se fosse em imolação, porque não temos como impedir que o mal se estabeleça entre nós.
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