O
rio está sempre manso e submisso.
As suas
águas se espreguiçam silenciosas
e não
cantam nos pés das pontes da cidade.
Dia virá,
porém, que elas passarão a gritar,
deixarão
de ser um simples sussurro,
mas um
forte e doloroso rugido.
Os bondes
da “Tramways” já não existirão.
Só homens
aflitos e inermes
assistirão
à revolta do manso rio...
O rio da minha cidade. Souza Barros
Da
língua tupi – capibara, porco
selvagem; e uby ou ipe, lugar – nome Capibaribe significa
lugar de capivaras ou capibaras, conforme vai dito no Dicionário corográfico, histórico e estatístico de Pernambuco, de
Sebastião de Vasconcellos Galvão. Capibaribe é como se chama o principal e
maior rio que atravessa grande parte da cidade do Recife. Com sua nascente
localizada na Lagoa da Estaca entre as serras do Acaí e do Jacarará, em terras
que compreendem o município de Pesqueira, antes de começar a percorrer o
território recifense a fim de desaguar no Oceano Atlântico, o Rio Capibaribe
desce sinuoso engrossando com as águas que recebe de vários dos seus afluentes,
e passando por dezenas de cidades, como Toritama, Santa Cruz do Capibaribe, Limoeiro,
Paudalho, São Lourenço da Mata e Camaragibe.
Durante
muito tempo o Rio Capiberibe – Capibaribe!, como enfatizou o poeta Manuel
Bandeira em 1925 no magistral “Evocação do Recife” – desempenhou um papel de
enorme relevância dentro da lógica de vivência e exploração econômica que se verificava
no Recife de antanho. Esse protagonismo se revelava, por exemplo, com o fato de
que grandes e imponentes moradias das ricas famílias do lugar ser construídas
com suas fachadas voltadas para ele e, também, por esse rio ser utilizado para
o escoamento de produtos agrícolas e outras mercadorias através de barcaças,
canoas e outros tipos de embarcação, numa época em que, como é sabido, nos chamados
arredores da capital pernambucana – Arredores
do Recife é, aliás, o título de uma das obras do prolífico Francisco
Augusto Pereira da Costa na qual ele nos apresenta essas terras afastadas do
centro da cidade -, como Várzea, Dois Irmãos e Casa Forte. Mario Sette, o fiel
amante das coisas recifenses, em seu simpático e singelo livrinho Terra pernambucana escreveu sob o título
“As barcaças de capim”, um capítulo em que registrou a ação do casal José
Mariano e Dona Olegarinha que dava guarida a escravos fugidos onde os dois
moravam, no Poço da Panela, e, como militantes da causa abolicionista, chegavam
a despachar os negros escondidos em barcaças cobertos de capim para a Província
do Ceará, onde a abolição havia se estabelecido em 1884.
Esse,
digamos, passado de glória que unia em quase simbiose o Rio Capibaribe à população
que habitava o Recife foi paulatinamente sendo convertido não somente em
narrativas de caráter literário e histórico, mas também num total e completo
desprezo do recifense para com esse curso d’água, transformando-o em depósito
de lixo e destinatário de toneladas de esgoto in natura que diariamente são despejadas nele; realidade essa que,
para além do “ciclo do caranguejo” evidenciado por Josué de Castro em 1937 no
seu Documentário do Nordeste, e das
inúmeras pontes e monumentos da Manguetown, as fotografias dos famigerados
cartões-postais não registram.
Na última
quarta-feira, dia 13, a sede da TGI Consultoria foi novamente o cenário que
abrigou mais uma edição da série de debates “O Recife que precisamos” promovida
pelo Observatório do Recife e pela Revista
Algomais. Com o tema “O Rio Capibaribe e o Recife como cidade-parque”, a
palestrante da noite, a professora Circe Gama Monteiro, discorreu sobre o
projeto Parque Capibaribe – Recife 500 anos. Circe enfatizou que essa
iniciativa propõe-se fundamentalmente a promover um resgate do corredor
ambiental ecológico do rio, agregando a isso um sistema de mobilidade ativo e
uma transformação urbanística. Ela acredita que as pessoas, de um modo geral,
anseiam por uma cidade que oferte mais áreas verdes para o lazer: “Você não vai
atrair ninguém para uma cidade que não ofereça qualidade de vida”, destacou. Realista
a palestrante disse ainda que leis que contrariam os interesses das
imobiliárias não vão adiante, algo extremamente pertinente e preocupante numa
metrópole como o Recife, que escolheu um modelo de desenvolvimento que prioriza
uma verticalização que ignora inteiramente a paisagem natural da cidade e os
fundamentos de sua história.
Esta foto e a seguinte: Observatório do Recife A professora Circe Gama Monteiro no momento em que fazia sua explanação: o Recife precisa de todos nós para que consiga renascer |
Quando o microfone foi aberto para os questionamentos da plateia vários deles dimensionaram o quanto é complexo o organismo citadino e como são diversas e desafiadoras as demandas dos atores sociais. Eis algumas das questões: será que o processo de gentrificação que certamente acompanhará uma possível revitalização do Rio Capibaribe não excluirá as populações ribeirinhas? E as palafitas? Será que o Parque Capibaribe irá mesmo ser implantado, já que outros projetos, como o Capibaribe Melhor, ficaram pelo caminho? E os mangues? E os afluentes poluídos, como o Riacho do Cavouco? Por que não se incentivam a formação de conselhos de bairro? E eu lhe pergunto leitor: quem, senão nós, há de promover o resgate físico, histórico e simbólico do Rio Capibaribe?
Décadas
de degradação e descaso transformaram o Rio Capibaribe num curso d’água
agonizante e em permanente espera por ações que promovam efetivamente a sua
revitalização. O progresso do Recife não pode deixar de lado o cuidado para com
a preservação dos seus recursos naturais, notadamente para com um rio que
constitui parte significativa da identidade da cidade. O “cão sem plumas” dos
versos de João Cabral de Melo Neto resiste bravamente às adversidades, como
todo pernambucano. Mas, até quando?
Primeiramente gostaria de agradecer pelo belíssimo texto Clênio Sierra. Concordo com muitas reflexões que foram feitas no texto mesmo ele ter sido escrito em 2016. Sou do campo da história e como recifense abordo aspectos das relações entre as comunidades pobres do Recife e o Rio Capibaribe. Fico triste por perceber assim como você que um rio que têm uma significativa ligação com a identidade do povo pernambucano está morrendo lentamente.
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