Por Clênio Sierra de Alcântara
A
vida é um milagre.
Cada
flor,
Com sua
forma, sua cor, seu aroma,
Cada
flor é um milagre [...]
O tempo
é um milagre.
A memória
é um milagre.
A consciência
é um milagre.
Tudo
é milagre.
Tudo,
menos a morte.
-
Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres.
Preparação para a morte. Manuel
Bandeira
A consciência que temos da
nossa finitude física não tira de nós o pesar incomensurável da morte. Imersos numa
rotina que nos toma por completo com trabalho, estudos, lazer e enfrentamento
das maiores e/ou menores adversidades, nós temos, de fato, pouco tempo para
refletirmos acerca da inevitabilidade da morte.
A morte é inevitável – assim
como a dor – e, por isso, nossa existência é um exercício precário e incerto;
mas, ainda assim, vivemos acreditando que teremos longos anos de vida pela
frente; e, para os que creem, religiosamente falando, isso aqui que
atravessamos é apenas um plano que os conduzirá para uma vivência prazerosa e
infinita. Concepções de fé e mesmo as desprovidas desse sentido nos levam a
manter um apego com relação à vida por vezes com uma gana de quem se julga ser realmente imortal. Daí por que nos lançamos em tantos desafios: construímos
edifícios altíssimos; desenvolvemos máquinas incríveis; saímos da órbita do
planeta buscando vida em outras esferas; promovemos guerras; instituímos
ditaduras... Tudo nós fazemos para nos impor sobre a face da Terra. E por que
assim agimos fundamentalmente não sabemos responder. Falta-nos – e isso apesar
do grau de inteligência que alcançamos – a compreensão inteira da matéria mesma
de nossas vontades, de nossos impulsos criadores e destruidores, de nossos
desejos de perpetuação, de nossas ânsias de vingança... Falta-nos um completo
entendimento sobre tudo o que nos engrandece e também a respeito do que nos
amesquinha.
Essas simplórias reflexões
sobre a precariedade da vida e a inevitabilidade da morte me chegaram num instante
de grande tristeza e consternação, em virtude do assassinato do sargento
Ivanildo, do Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco, ocorrido no bairro de
Rio Doce, em Olinda, na noite da última quinta-feira. Ivanildo era uma das
pessoas mais respeitosas e comprometidas com a sua profissão que eu conheci;
alguém que não se deixava abater pelas frustrações cotidianas – fossem elas de
ordem laboral, fossem elas advindas da vida prática -; e quer fosse com uma
narrativa, quer fosse com um sorriso de satisfação, ele deixava sempre evidente
para os seus interlocutores o quanto que era apegado à vida, à vida que para
ele tinha em sua família o centro de tudo. Ivanildo era um pai - e igualmente um
avô - zeloso, carinhoso e feliz. Religioso, mantinha uma rotina de estudos bíblicos
que visivelmente lhe enchia de entusiasmo. O sargento Ivanildo vai deixar
certamente uma saudade imensa entre os seus companheiros de farda que o
conheciam bem de perto.
Recebi a notícia da morte do
Ivanildo através de um programa de televisão, bem na hora do almoço. Assassinado com tiros de revólver de maneira estúpida e covarde na porta de sua casa, o sargento
do Corpo de Bombeiros foi mais uma entre as centenas de pessoas que perderam
suas vidas apenas neste ano, neste Pernambuco onde a violência protagonizada
pelos foras da lei expõe diariamente a face impiedosa de uma realidade na qual
a suposta rede de proteção social da dita segurança pública não se mostra
eficiente e não passa, na verdade, de um campo minado no qual o Estado caminha
com dificuldade deixando à mostra não somente a ineficácia de suas ações de
combate à criminalidade de um modo geral, como também a incapacidade de
garantir o direito de ir e vir aos cidadãos de bem, demonstrando, ao fim e ao
cabo, que nós estamos entregues à própria sorte.
A morte brutal de um ser humano deveria ser vista como um ataque à própria dignidade existencial de toda a
sociedade. Ocorre que a banalidade da morte se impôs de tal maneira entre nós
que o sentimento da perda, que se alinhava com a tristeza, não demora a ser
tragado e absorvido pela indiferença e pelo esquecimento.
Meus pêsames à família do sargento Ivanildo.
Meus pêsames à família do sargento Ivanildo.
(Artigo publicado também in Informa Garanhuns [Garanhuns], nº 4, novembro de 2016, Opinião, p. 2).
💭💭😢
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