Por Clênio Sierra de
Alcântara
Dizer
não é dizer sim
Saber
o que é bom pra mim
Não
é só dar um palpite.
Dizer
não é dizer sim
Dar
um não ao que é ruim
É
mostrar o meu limite.
Dizer não é dizer sim. George
Israel/Paula Toller
Também
é preciso dizer não. Algumas pessoas que eu conheço bem de perto
já me confessaram a dificuldade que elas têm de dizer não em várias
circunstâncias: na vida afetiva, no ambiente de trabalho e, principalmente, na
esfera das relações de amizade. A maioria delas me disse que o que
fundamentalmente pesa na hora decisiva de dar a resposta é um receio de magoar
o interlocutor, como se o não fosse sempre algo ruim e desestruturador; e, o
que é pior do que o receio de magoar, se sentir culpado em desapontar o outro.
Quem age ou insiste em
continuar agindo dessa maneira, como eu em outros tempos agia, sabe como é
desgastante – e torturante até – dizer um sim para alguém sobre qualquer mínima
coisa – emprestar dinheiro e/ou um objeto, dispor-se a realizar uma tarefa e/ou
tomar o lugar da pessoa em determinada situação, etc. – e, logo em seguida, se
pôr a remoer a decisão tomada, ficando numa inquietação e numa angústia que
beira o arrependimento – e arrependimento, vamos combinar, é um fardo que
ninguém merece carregar.
Depois de ter sofrido alguns
reveses e algumas contrariedades em razão de sins que eu disse a fulano, a
beltrano e a sicrano, eu passei a dizer não com uma facilidade impressionante –
e sem nenhum peso na consciência, que é outro fardo indesejável do qual devemos
sempre abrir mão. Um dos exercícios que eu venho praticando para o meu bem
viver consiste em barrar logo e de imediato qualquer tentativa de fulano,
beltrano e sicrano se aproveitarem da minha bondade. Decerto que não se pode
acertar todas; mas penso que eu tenho me poupado de constrangimentos e de aborrecimentos; e
isso me deixa aliviado. Não tenho dito mais frequentemente: “Eu vou pensar no
seu caso”. Julgo-me hoje com um grau de discernimento que me permite dizer logo
no ato da indagação a resposta para o pedido. Por experiência própria eu sei
que adiar decisões simples acaba também sendo estressante.
Quanto a isso a vida me
ensinou a manter uma postura firme. A um sujeito que teve a petulância de
novamente me pedir dinheiro emprestado eu disse: “Não, porque você já me deu um
calote e perdeu a minha confiança”. A um outro que queria passar uns dias com
um dos meus livros eu disse: Não, porque eu zelo bastante por eles e vejo o
quanto que você é relaxado no cuidado para com os seus”. Eu procuro não deixar
as coisas no ar e sem clareza. Dias atrás eu disse um sim acompanhado por estes
termos: “Eu vou fazer isso por você, mas, desde já, fique ciente de que eu não
sou de relevar deslizes e, muito menos, de dar segundas chances. Então, trate
de ser correto comigo, como eu tenho sido com você”. E ponto.
Eu já disse não à vergonha
pelos fracassos. Eu já disse não aos estereótipos. Eu já disse não ao
politicamente correto. Eu já disse não à opressão sexual. Eu já disse não às
lições de moral. Eu já disse não aos disfarces. Eu já disse não à paternidade –
à minha e à do meu pai. Eu já disse não à timidez. Eu já disse não à
indiferença. Eu já disse não à intimidação. Eu já disse não à hipocrisia. Eu já
disse não a tentativas de chantagem. Eu já disse não à infelicidade. Eu já
disse não ao preconceito. Eu já disse não ao patrulhamento. Eu já disse não à
clandestinidade. Eu já disse não a alcoviteiros de plantão. Eu já disse não a
propostas de sociedade em negócios – escusos ou não. Eu já disse não à
insatisfação. Eu já disse não aos que me foram desleais. Eu já disse não aos
pensamentos de destruição. Eu já disse não a falsas amizades. Eu já disse não à
covardia. Eu já disse não a aproveitadores. Eu já disse não a quem dizia querer
me abrigar em seu coração mas que tinha medo de ser o que era...
A propósito eu conversava
com o meu amigo Josenildo Ferreira, o homem mais bem disposto a amar que eu
conheço, e ele me disse assim: “Sierra, eu acredito que a minha dificuldade em
dizer não às pessoas seja devido ao meu histórico de abandono. No meu íntimo,
eu penso que se eu disser não, as pessoas vão me abandonar”. Ouvindo isso eu
também lhe dei um testemunho: “Pois comigo, Ferreira, se dá justamente o
contrário. Eu digo não para que coisas ruins que aconteceram na minha vida não
tornem a se repetir, inclusive o abandono”.
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