15 de outubro de 2016

Uma reforma mais do que necessária

Por Clênio Sierra de Alcântara




A educação neste país nunca foi prioridade, daí por que os estudantes brasileiros continuamente fracassam nos exames de avaliação internacional como o Pisa. Será que a anunciada reforma do Ensino Médio vai surtir algum efeito? Bom, do jeito que ele está é que não pode continuar


Afora a minha amarga experiência como estudante de uma escola pública em franca decadência, o que certamente contribuiu para o meu entendimento do panorama educacional deste país e dos fundamentos da educação em si foi o conhecimento de grande parte da obra do educador pernambucano Paulo Freire, os mais de dez anos como leitor da revista Nova Escola, assim como a leitura de inúmeros artigos de autoria, entre outros, de Claudio de Moura Castro e Gustavo Ioschpe.

Olhando para trás eu fico mesmo admirado com o fato de, junto com alguns dos meus colegas de classe, termos conseguido continuar mantendo o estímulo para os estudos tendo tido o nível precário de ensino e de atenção escolar que tivemos durante boa parte do Ensino Médio que, em nosso tempo, ainda se chamava 2º Grau. Sem exagerar e sem carregar nas tintas, considero aquele período como o pior de toda a minha vida estudantil. E sabem por quê? Porque durante os três cruciais anos houve meses em que ficamos sem professor de uma e outra disciplina. Como poderíamos almejar o ingresso numa universidade se não estávamos nem vendo certos conteúdos curriculares? A única resposta que me dou para o fato de eu ter conseguido por conta própria preencher alguns dos vazios dessa formação insuficiente foi que eu tinha uma vontade de saber que estava alinhada com um enorme receio de ser a continuação de um fracasso em minha família; eu ambicionava “ser alguém” para escapar da realidade adversa em que eu vivia. Paro o meu flashback por aqui.

Não é de hoje que renomados especialistas em educação apontam para o verdadeiro estado de calamidade pública em que se encontra o maior montante do ensino/aprendizagem que é ofertado nas escolas brasileiras mantidas pelos governos municipal e estadual – unidades federais e muitas das particulares têm conseguido superar a mediocridade. Completando uma estrutura física vergonhosa que é ela própria uma das faces perversas do todo – leitor, nos dias que correm, nos quais se celebra as novidades tecnológicas como os telefones celulares e os tablets, crianças e adolescentes desta nação ainda frequentam escolas que não dispõem de energia elétrica, água encanada e nem de banheiros -, encontramos unidades de ensino que não conseguem completar o quadro docente. Faltam professores em várias disciplinas, mas, como se sabe há anos, o déficit maior é para Matemática, Física e Química. Como contornar isso? Bom, recorre-se a arranjos do tipo escalar alguém formado em Geografia para ministrar aulas de aritmética. Ora, se a prática e o constante aprimoramento são o que nos fazem maturar o conhecimento adquirido na academia, como ensinar o que não foi aprendido?

Uma prova mais do que evidente de que temos uma escola que não é nem atraente e nem estimulante para os jovens são as elevadas taxas de reprovação e de evasão que se verificam nas pesquisas – só para termos uma ideia, segundo dados do Ministério da Educação e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, metade dos alunos que ingressam no ciclo médio não completam os estudos; e um milhão e setecentos mil jovens entre 15 e 17 anos de idade estão fora da sala de aula. Não é um espanto? É mais do que isso, é preocupante porque claramente se observa que não temos conseguido formar satisfatoriamente os nossos jovens para os desafios de uma vida que é bastante complexa porque repleta de demandas de toda ordem.

Atualmente a grade curricular nacional do Ensino Médio comporta o elevadíssimo número de onze disciplinas. Ainda que considerando que é a diversidade que nos proporciona a possibilidade de ampliação de entendimento de mundo, é, por outro lado, algo ingênuo imaginar que os alunos consigam se manter interessados por assuntos tantos e, principalmente, reter eficazmente e a contento tantos conteúdos.

Dias atrás, com o anúncio de uma medida provisória, o Governo federal fez saber que finalmente será efetuada uma reforma geral no Ensino Médio, mudança desde há muito acalentada por quem realmente entende do assunto, como Maria Helena Guimarães, secretária executiva do Ministério da Educação. Evidentemente que a coisa não vai ser instituída assim de uma hora para outra, sem que sejam realizadas reuniões entre os secretários de educação dos estados e municípios e sem a colaboração de educadores e estudiosos; seguramente, até a sua implantação, muita água ainda vai rolar por baixo da ponte que separa o ensino deficiente e reconhecidamente fraco do Brasil do de países como Coreia do Sul e Singapura.
Ao oferecer aos alunos a possibilidade de escolher para além das disciplinas obrigatórias – Matemática, Língua Portuguesa e Inglês -, dentre um leque de opções, as que se ajustem aos seus gostos e aptidões, o novo modelo de currículo se portará, no mínimo, como algo mais próximo da realidade de cada um deles. Imagino que a inserção desse mecanismo de elaboração do próprio currículo por si só deverá sepultar uma pergunta-padrão dos insatisfeitos que é “por que eu tenho de estudar isso?”, porque, a partir de então, o próprio estudante elencará as disciplinas do campo de estudo que for do seu interesse.

Apesar de ser um grande entusiasta dessa reforma a ser feita no Ensino Médio, não me iludo a ponto de acreditar que ela será a panaceia para todos os males da educação brasileira. A reforma em questão deve ser acompanhada de uma ampla recomposição da estrutura física das escolas. Ou vocês acreditam que, por exemplo, só porque certo aluno optou por estudar processos químicos isso por si só o encherá de entusiasmo para frequentar uma escola que não disponha de um laboratório onde ele possa fazer algum experimento? Tanto quanto de um currículo nacional flexível e de um corpo docente realmente conhecedor da matéria que leciona, este país precisa de escolas bem equipadas e aparelhadas e não de depósitos de estudantes.


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