Por Clênio Sierra de
Alcântara
Afora a minha amarga
experiência como estudante de uma escola pública em franca decadência, o que
certamente contribuiu para o meu entendimento do panorama educacional deste
país e dos fundamentos da educação em si foi o conhecimento de grande parte da
obra do educador pernambucano Paulo Freire, os mais de dez anos como leitor da
revista Nova Escola, assim como a
leitura de inúmeros artigos de autoria, entre outros, de Claudio de Moura
Castro e Gustavo Ioschpe.
Olhando para trás eu fico
mesmo admirado com o fato de, junto com alguns dos meus colegas de classe, termos
conseguido continuar mantendo o estímulo para os estudos tendo tido o nível
precário de ensino e de atenção escolar que tivemos durante boa parte do Ensino
Médio que, em nosso tempo, ainda se chamava 2º Grau. Sem exagerar e sem carregar
nas tintas, considero aquele período como o pior de toda a minha vida
estudantil. E sabem por quê? Porque durante os três cruciais anos houve meses
em que ficamos sem professor de uma e outra disciplina. Como poderíamos almejar
o ingresso numa universidade se não estávamos nem vendo certos conteúdos
curriculares? A única resposta que me dou para o fato de eu ter conseguido por
conta própria preencher alguns dos vazios dessa formação insuficiente foi que
eu tinha uma vontade de saber que estava alinhada com um enorme receio de ser a
continuação de um fracasso em minha família; eu ambicionava “ser alguém” para
escapar da realidade adversa em que eu vivia. Paro o meu flashback por aqui.
Não é de hoje que renomados
especialistas em educação apontam para o verdadeiro estado de calamidade
pública em que se encontra o maior montante do ensino/aprendizagem que é
ofertado nas escolas brasileiras mantidas pelos governos municipal e estadual –
unidades federais e muitas das particulares têm conseguido superar a mediocridade.
Completando uma estrutura física vergonhosa que é ela própria uma das faces
perversas do todo – leitor, nos dias que correm, nos quais se celebra as
novidades tecnológicas como os telefones celulares e os tablets, crianças e adolescentes desta nação ainda frequentam
escolas que não dispõem de energia elétrica, água encanada e nem de banheiros
-, encontramos unidades de ensino que não conseguem completar o quadro docente.
Faltam professores em várias disciplinas, mas, como se sabe há anos, o déficit
maior é para Matemática, Física e Química. Como contornar isso? Bom, recorre-se
a arranjos do tipo escalar alguém formado em Geografia para ministrar aulas de
aritmética. Ora, se a prática e o constante aprimoramento são o que nos fazem
maturar o conhecimento adquirido na academia, como ensinar o que não foi
aprendido?
Uma prova mais do que
evidente de que temos uma escola que não é nem atraente e nem estimulante para
os jovens são as elevadas taxas de reprovação e de evasão que se verificam nas
pesquisas – só para termos uma ideia, segundo dados do Ministério da Educação e
da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, metade dos alunos
que ingressam no ciclo médio não completam os estudos; e um milhão e setecentos
mil jovens entre 15 e 17 anos de idade estão fora da sala de aula. Não é um
espanto? É mais do que isso, é preocupante porque claramente se observa que não
temos conseguido formar satisfatoriamente os nossos jovens para os desafios de
uma vida que é bastante complexa porque repleta de demandas de toda ordem.
Atualmente a grade
curricular nacional do Ensino Médio comporta o elevadíssimo número de onze disciplinas.
Ainda que considerando que é a diversidade que nos proporciona a possibilidade
de ampliação de entendimento de mundo, é, por outro lado, algo ingênuo imaginar
que os alunos consigam se manter interessados por assuntos tantos e,
principalmente, reter eficazmente e a contento tantos conteúdos.
Dias atrás, com o anúncio de
uma medida provisória, o Governo federal fez saber que finalmente será efetuada
uma reforma geral no Ensino Médio, mudança desde há muito acalentada por quem
realmente entende do assunto, como Maria Helena Guimarães, secretária executiva
do Ministério da Educação. Evidentemente que a coisa não vai ser instituída
assim de uma hora para outra, sem que sejam realizadas reuniões entre os
secretários de educação dos estados e municípios e sem a colaboração de
educadores e estudiosos; seguramente, até a sua implantação, muita água ainda
vai rolar por baixo da ponte que separa o ensino deficiente e reconhecidamente
fraco do Brasil do de países como Coreia do Sul e Singapura.
Ao oferecer aos alunos a
possibilidade de escolher para além das disciplinas obrigatórias – Matemática,
Língua Portuguesa e Inglês -, dentre um leque de opções, as que se ajustem aos
seus gostos e aptidões, o novo modelo de currículo se portará, no mínimo, como
algo mais próximo da realidade de cada um deles. Imagino que a inserção desse
mecanismo de elaboração do próprio currículo por si só deverá sepultar uma
pergunta-padrão dos insatisfeitos que é “por que eu tenho de estudar isso?”,
porque, a partir de então, o próprio estudante elencará as disciplinas do campo
de estudo que for do seu interesse.
Apesar de ser um grande
entusiasta dessa reforma a ser feita no Ensino Médio, não me iludo a ponto de
acreditar que ela será a panaceia para todos os males da educação brasileira. A
reforma em questão deve ser acompanhada de uma ampla recomposição da estrutura
física das escolas. Ou vocês acreditam que, por exemplo, só porque certo aluno
optou por estudar processos químicos isso por si só o encherá de entusiasmo
para frequentar uma escola que não disponha de um laboratório onde ele possa
fazer algum experimento? Tanto quanto de um currículo nacional flexível e de um
corpo docente realmente conhecedor da matéria que leciona, este país precisa de
escolas bem equipadas e aparelhadas e não de depósitos de estudantes.
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