15 de dezembro de 2016

A vendedora de tapioca

Por Clênio Sierra de Alcântara



Foto: do autor   Não foi em decorrência de uma forte ventania e nem de uma enxurrada que esse banco ficou preso à árvore dessa praça; ele parou ali por pura e simples falta de respeito ao espaço público


De um modo geral as Municipalidades dispõem de instrumentos legais que podem coibir ações arbitrárias de indivíduos que se julgam no pleno direito de se apropriar e/ou ocupar o espaço público como se fosse uma extensão dos seus quintais. No Brasil, seja por uma quase que completa falta de compromisso para com uma boa e eficiente gestão da coisa pública, seja por conivência pura e simples, políticos, pensando tão somente em se manter no cargo de Prefeito para dele subtrair as benesses todas que forem possíveis, fecham os olhos para as arbitrariedades com o receio de desagradar os eleitores que praticam abusos contra o espaço urbano e, dessa forma, mesmo que maltratando, degradando, prejudicando e enfeiando a imagem da cidade, pensam, esses “administradores”, estar garantindo um punhado de votos para as eleições seguintes.

Em tempos de transição – em alguns casos isso não ocorreu, visto que o mecanismo da reeleição permitiu que centenas de prefeitos continuassem no comando do executivo municipal pelos próximos quatro anos – da chefia de inúmeras Prefeituras por este país afora, não é incomum ouvirmos clamores nas ruas de gente que diz que “torce para que o novo prefeito ponha ordem na cidade”. Ocorre que, normalmente, a pessoa que faz um discurso de esperança como esse, é a mesma criatura que habitualmente dá sua contribuição diária para a transformação da cidade em que mora numa terra de ninguém; ela faz isso, por exemplo, quando constrói em áreas públicas e quando obstrui a passagem de rios e córregos; e ainda tem a petulância e o descaramento de dizer que todos os males que assolam o território citadino são culpa única e exclusivamente do prefeito e de seus auxiliares.

Flagrantes de desrespeito à ocupação correta do espaço urbano são facilmente encontráveis em nossas cidades, desde a capital de um estado até aquele rincão mais acanhadinho que está como que escondido no interior do país e que nós não sabemos por que ele é chamado de cidade. E em menor ou maior, digamos assim, grau de degradação e de desrespeito às leis urbanísticas de uso e ocupação do solo e do ordenamento de toda espécie – afixação de placas de propaganda e de letreiros de estabelecimentos comerciais, comercialização de produtos, circulação de veículos, altura de prédios, etc. -, esses flagrantes contribuem de modo considerável para que não consigamos ver crescer no Brasil o imperativo do pleno desenvolvimento de nossas cidades, que conjugue a transformação e/ou reestruturação de seus espaços respeitando as demandas da natureza, direcionando o seu crescimento com um planejamento sério que seja seguido à risca e/ou alterado caso se revele contraproducente em par com o avanço do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de seus habitantes, porque, quando uma cidade é bem cuidada, consequentemente isso resulta na melhoria da qualidade de vida das pessoas que a ocupam.

Vejam a que ponto chega a falta de respeito, ou melhor, o desprezo para com o que determinam as posturas municipais e como nos é precária a compreensão do que é comportar-se como cidadão, sobretudo quando cremos que o nosso direito individual se sobrepõe ao do restante da sociedade.

Diminuta e muito pouco atraente, a Praça José Mário Cordeiro Galvão fica à margem de um trecho da Av. Benigno Cordeiro Galvão, no bairro de Jaguaribe, na Ilha de Itamaracá, um município localizado no litoral norte pernambucano e que integra a Região Metropolitana do Recife. Ali, naquela pracinha, moradores e visitantes do famoso balneário assistem diariamente a uma cena inusitada, daquelas que geralmente figuram em filmes e em noticiários de catástrofes: numa das poucas árvores da praça pode ser visto um banco de madeira preso a ela, como se tivesse ido parar lá levado por uma forte ventania ou por uma grande enxurrada. Mas basta que nos aproximemos do cenário para que constatemos que, na verdade, o banco está preso à árvore com uma corrente e com um cadeado. E sabem quem é a responsável por tamanha e desrespeitosa proeza? Uma vendedora de tapioca que, depois de comercializar o seu produto ali mesmo, “guarda” seu banco naquele espaço público destinado ao lazer da população, como se não estivesse praticando uma ilicitude e isso fosse a coisa mais normal do mundo. E ai de quem se atrever a ir até ela dizer que não está certo deixar o banco na praça e ainda mais naquela circunstância, porque, no mínimo, vai ser xingado disso e daquilo e ouvi-la dizer que aquilo não é nada demais. Bom, se os agentes municipais diariamente testemunham – e isso há muitos anos – a favelização de barracas na entrada – isso mesmo, na entrada – da Escola Estadual Alberto Augusto de Morais Pradines, que fica defronte à Prefeitura e não fazem nada para removê-las, se há décadas existem bares contíguos ao prédio da Câmara Municipal e se é liberado o funcionamento de um lava-jato ao lado de uma unidade de ensino - esta no bairro do Rio Âmbar -, sinceramente, não é absurdo pensarmos que a vendedora de tapioca continuará “guardando” seu banco de madeira na arvorezinha da Praça José Mário Cordeiro Galvão sem nem seque ser advertida pelo cometimento de tal infração.

Quando se tem consciência de que o espaço púbico é fundamentalmente público e não privado, não se busca uma apropriação indevida dele.

Nós precisamos urgentemente aprender a cuidas das nossas cidades.


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