6 de dezembro de 2016

Ausência de Edson Nery da Fonseca e outras ausências

Por Clênio Sierra de Alcântara


O homem é a única e quase inconcebível realidade
 que existe sem possuir esse ser irremediavelmente
predefinido, que não é desde o início o que é, mas
que precisa escolher para si seu próprio ser. 

                                         José Ortega y Gasset. Missão do bibliotecário




Foto: Edmond Dansot        Edson Nery da Fonseca na ocasião em que foi inaugurada a biblioteca do Senac do Recife batizada com o nome dele, em março de 1999


Durante muito tempo eu só conhecia Edson Nery da Fonseca através das páginas dos livros e jornais, saboreando sua inspiradora e instigante escrita cheia de vigor e de coragem. Há seis anos tive o grande, o imenso, o desmedido privilégio de conhecê-lo pessoalmente; e conhecer alguém como ele é o mesmo que encontrar um grande tesouro.
Edson Nery da Fonseca me fascinou completamente: o seu porte de lorde inglês; a sua memória de muitos gigabytes; a sua generosidade desmedida; o seu muito gostar de gatos, que é um gosto que eu também tenho; e a sua disposição para ouvir e para falar com quem quer que fosse até a sua casa disposto a entrevistá-lo, jogar conversa fora ou simplesmente conhecê-lo.

Amante ardoroso dos livros assim como o era o seu amigo Gilberto Freyre, Edson cultivava o hábito da leitura não somente como um meio de aquisição de conhecimento, mas, mais do que isso, creio eu, a leitura era para ele uma necessidade vital, um suporte imprescindível para uma existência que foi quase toda ela marcada por um convívio muito próximo, digo melhor, muito íntimo com os livros. E isso ficava deveras evidente não apenas pelo conhecimento por vezes enciclopédico que ele expunha aos seus interlocutores, como também pelas amizades que fez, pela profissão de bibliotecário que desempenhou, pelo ofício de escritor que exerceu e pela ambiência que tinha a sua derradeira morada, na Rua de São Bento, em Olinda, onde eu efetivamente o conheci e posso dizer, sem exagero, que desfrutei de alguns dos momentos mais singulares e fecundos da minha vida.

O elo que em princípio me ligou a Edson Nery da Fonseca foi o nosso interesse e admiração pela vida e pela obra do autor de Casa-grande & senzala; mas, desde que eu estive pela primeira vez em sua casa, esse liame ganhou outra dimensão e força. A partir daquele dia inesquecível a presença dele em minha consciência de existir reconfigurou algumas de minhas pretensiosas certezas e se pôs a me mostrar a justa medida do meu lugar no mundo e a iluminar o caminho que eu precisava seguir para de alguma maneira conseguir pisar firme no chão e deixar algum mínimo sinal de minha passagem. Edson não era só meu amigo; ele era também meu confidente, meu incentivador, meu exemplo a ser seguido, minha admoestação, meu “ponha-se no seu lugar” e meu porto intelectual e afetivo.

Eis agora a descrição de um sonho que vivenciei semanas atrás: estávamos, eu e Edson, sentados num banco de uma praça que parecia ser a do Carmo, em Olinda, numa tarde diáfana na qual os raios do sol pareciam estar direcionados apenas para nós dois. Tendo-o ali ao meu lado, tão vigoroso e são, eu me pus a chorar copiosamente. E ele, com a meiguice que também sabia ofertar, buscava me consolar dizendo que eu não tivesse medo do mundo; que eu tivesse, isso sim, coragem para enfrentar as adversidades que me fossem aparecendo. Inconformado, como seu eu soubesse que estava dentro de um cenário onírico, me quedava de tal maneira inconsolável que acabei despertando e trazendo as lágrimas do sonho para a realidade.

Toda aquela matéria de vida permanece em mim condensada na forma de uma lembrança que nunca há de ser desfigurada: a fachada da casa pintada de branco e azul; Edson concentrado em alguma leitura; Lúcia Nery da Fonseca cochilando na poltrona antes de despertar para dizer o Angelus com o irmão; os gatos ditando seus gostos e vontades em quase todos os cantos da residência; a pitangueira florida no quintal; Seu Vino preparando o lanche da tarde; a atmosfera de nostalgia a dominar o ambiente...

Sinto muita falta de Edson Nery da Fonseca.


Nenhum comentário:

Postar um comentário