Por Clênio Sierra de
Alcântara
Foto: divulgação A morte de George Michael encerra um ano de grandes perdas de artistas do universo da música pop |
Enquanto nos Estados Unidos
dos vibrantes anos 80 do século passado a música pop era intensamente marcada
pela potência criadora e inventiva de um Michael Jackson, pelo talento de um
multi-instrumentista chamado Prince e pelas vertigens e peripécias de uma
Madonna, no Reino Unido, primeiro formando a dupla Wham! com Andrew Ridgeley e,
depois, despontando em ascendente carreira solo, George Michael surgiu atraindo
a muitos holofotes e conquistando fãs ao redor do mundo, legião na qual desde
cedo eu me incluí.
Reunindo uma beleza magnetizante
com uma voz que era também ela de enorme poder de atração, George Michael era a
um só tempo o boa pinta que enchia os olhos das garotas – e dos garotos também,
claro, porque beleza não faz mal nenhum a ninguém – e o rapaz que cantava, como
se dizia naquele tempo, muito direitinho, o que era um mel na sopa para uma
indústria fonográfica sempre ávida e disposta a descobrir e lançar nomes novos
no mercado, ainda que, por vezes, esses ditos talentos acabassem não passando
do segundo disco.
Não foi esse o caso de
George Michael que, tendo já conquistado o sucesso na companhia de Ridgeley,
alçou voos ainda mais altos com discos que conjugavam sempre baladas românticas
com canções de forte apelo dançante. Sucedendo ao megasucesso “Careless
whisper”, digna de figurar em qualquer lista de programas radiofônicos de love songs, vieram pequenas joias do
cancioneiro pop cantado em inglês, como “Father figure”, “Heal the pain”,
“Freedom 90” e “Fastlove”, músicas essas que confirmavam que George não era apenas
um rostinho bonito, mas também um compositor talentoso que amadurecia
artisticamente criando melodias em perfeita sintonia com versos que, de alguma
maneira, buscavam não somente retratar um estado de ânimo, bem como o espírito
do seu tempo.
Eu falei de maturidade aqui querendo
entrar no campo das turbulências da vida pessoal que, inevitavelmente,
deixariam em George Michael sinais reveladores de que as coisas não iam nada
bem para com ele. Se Prince era o artista atormentado que talvez se sentisse
não inteiramente compreendido e/ou reconhecido pelo tamanho talento que tinha –
quem não se lembra, por exemplo, da época em que ele passou a querer ser
“chamado” não pelo nome de batismo e sim por um símbolo? – e Madonna era a
mulher que, apesar da baixa estatura física – ela mede pouco mais de um metro e
sessenta de altura -, se apresentava como uma fêmea gigante que dia a dia ia
construindo uma imagem e fazendo sua plateia crer que ela era realmente tudo
aquilo que dizia ser, George era, assim como Michael Jackson, um homem que, não
duvido, sofria terrivelmente com uma homossexualidade que por uma ou algumas
razões – quem sabe integralmente o que se passa na cabeça de alguém e ainda
mais se esse alguém é um astro do show business?
– era reprimida; e, no seu caso, a revelação de que ele se relacionava
sexualmente com homens acabou vindo a público, em 1998, de uma forma bastante
constrangedora, para dizer o mínimo – denunciador de sua falta de tato para
lidar com o episódio foi o clipe da música “Outside”, em que ele buscou fazer
troça e debochar do ocorrido e que, a meu ver, resultou em algo ainda mais
constrangedor porque o deboche até que valeria, se ele fosse um cara bem resolvido
sexualmente e, assim como Elton John, seu grande amigo, não estivesse nem aí
para o que pensavam dele. É curioso esse seu comportamento em relação à
aceitação da homossexualidade porque, além de o pop inglês contar com outro
astro daquele tempo declaradamente gay, que era Boy George, no início da década
de 90, George Michael aparecerá ao lado dos remanescentes do grupo Queen
cantando para arrecadar fundos destinados a instituições de luta contra a AIDS,
uma síndrome devastadora que surgia como uma “doença da comunidade gay”, e que
faria do incomparável Freddie Mercury, vocalista daquela banda, uma das
primeiras celebridades mortalmente vitimadas por ela.
As tormentas da vida de
George Michael ficaram como que condensadas no álbum Older, lançado em 1996, que foi dedicado a dois brasileiros: a Tom
Jobim “who changed the way I listened to music”; e a Anselmo Feleppa, o homem
que ele conheceu no Brasil e que se tornaria seu namorado e “who changed the
way that look at my life”. Sim, George Michael estava mais velho, porque o
tempo passa para todos e cada um de nós; e nesse disco-reflexão ele decerto
procurou expurgar-se de seus sofrimentos, numa expiação que tem algo de muita
melancolia. A certa altura da música “Move on” – na verdade, finalizando-a –
ele proclamou: “I’m gonna be lucky in love someday”. Talvez esse lamento
estivesse ligado à perda de Anselmo, que morrera e que levou George a compor também
uma das mais belas canções de toda a sua carreira e que abre Older – assim como a coletânea Ladies & gentlmen, de 1998 – como se
fosse um rito de uma religiosidade que era só dele: “Jesus to a child”, que
traz um testemunho digno de quem realmente conheceu um amor intenso e
verdadeiro: “you will always be... my love”.
Num ano em que o mundo da
música pop perdeu alguns dos seus nomes mais expressivos, como David Bowie e
Prince, George Michael também nos deixou no domingo passado, aos 53 anos de
idade, vítima de um enfarte, segundo o noticiário. O talentoso artista que em “Heal
the pain” dizia “be good to yourself/because nobody else/has the power to make
you happy”, ao que parece, estava mergulhado num sofrimento infindo que muito
certamente se devia à inconformidade com a perda de sua mãe Lesley, ocorrida
anos atrás. Calou-se aquele que um dia foi chamado de “golden boy” e que em
dueto com a superdiva Aretha Franklin ouviu-a entoar expressivamente estes
versos tão animadores da canção “I knew you were waiting (for me)” que bem
poderiam ter sido escritos por ele: “Like a warrior that fights/and wins the
battle/I know the taste of victory”.
George Michael que, em “Freedom
90”, pregou a plenos pulmões a suprema liberdade dizendo que “all we have to do
now/is take these lies and make them true somehow/all we have to see/is that I
don’t belong to you/and you don’t belong to me”, percorreu os últimos anos de
sua vida prisioneiro da tristeza e da dor.
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