20 de janeiro de 2017

Porta entreaberta

Por Clênio Sierra de Alcântara


          Foto: Ailton de Freitas      A morte trágica e muito lamentada do sereno                     ministro Teori Zavascki não pode tirar de nós o anseio de alcançarmos a    verdadeira Justiça e a dignidade por nós tão almejadas

 
Examinando com acuidade o percurso da formação histórica da nação brasileira eu, você que me lê agora e qualquer outra pessoa que tenha um mínimo – um mínimo não, que seria exagero -, digo, algum entendimento a respeito dos fundamentos da construção do país chamado Brasil, há de se dar conta de que os portugueses colonizadores que, no alvorecer do século XVI, sob a pena do escrivão Pero Vaz de Caminha intuíram que nesta terra “em se plantando tudo dá”, ao que parece, junto com as doenças que dizimaram índios aos magotes, a instituição do regime escravocrata como política de Estado, a corrupção infrene e toda a carga burocrática que o estudo clássico de Stuart Schwartz Burocracia e sociedade no Brasil Colonial descreve tão bem, eles se esqueceram de trazer – e talvez de modo intencional – respeitabilidade e autoridade moral, algo amplamente conhecido como dignidade. Daí por que, nos dias tormentosos e sombrios que estamos a atravessar, não faz nenhum sentido que nos perguntemos em que momento foi que nós perdemos a nossa dignidade, porque em período algum de nossa história, ela nos foi concedida.

De tal maneira os brasileiros das camadas mais desassistidas da população se habituaram a ver os seus direitos fundamentais serem constantemente negados e vilipendiados pelos mandatários da nação e a assistirem à escalada desenfreada da impunidade, sobretudo na esfera que engloba os delinquentes engravatados que comandam empresas multimilionárias e/ou estão legislando ou desempenhando funções de comando, que tinham – como, aliás, ainda têm – a clara percepção de que falar em justiça neste país não era só injusto, era uma piada de muito mau gosto.

Ocorreu que, de uns anos para cá, como que parecendo que nunca existira antes, fomos todos nós apresentados a uma instituição chamada Supremo Tribunal Federal (STF) que, logo ficamos sabendo, é a instância máxima das leis que regem a nossa sociedade. E isso foi algo tão espantoso para a maioria de nós, que passamos a nos interessar pelo que ocorria no grande plenário daquele edifício suntuoso, onde homens e mulheres sisudos se punham a examinar processos e fazer apreciações jurídicas que, honestamente, nem sempre compreendíamos totalmente. E bastou que dali começasse a sair sentenças condenatórias para até então inalcançáveis e inabaláveis autoridades públicas e donos de imensas fortunas que, de uma hora para outra, alumiamos um caminho de um futuro benfazejo para este país e começamos a forjar, ainda que tímida e acanhadamente, a ideia de uma Justiça que fosse de fato justa, porque esforçada não somente para determinar a prisão do ladrão de galinha e do assaltante de ônibus.

A novidade foi tamanha que os acontecimentos envolvendo os membros do Supremo Tribunal Federal passaram a ser acompanhados por nós como se estivéssemos a acompanhar os nossos programas favoritos de televisão. E disso resultou, como nunca ocorrera antes, que nos sentíssemos muito próximos e familiarizados com os ministros daquela corte, atentos que ficamos aos temas que eram debatidos ali e às decisões que todos eles tomavam em votações por vezes cercadas de grandes expectativas. De certa forma, vermos a atuação dos ministros no STF conferiu a nós a possibilidade de sonharmos com um tempo de verdadeira grandeza para o Brasil e de finalmente vermos germinar no seio de nossa sociedade a tal da dignidade que a nós outros nunca foi concedida.

Num ano que principiou tão medonho para nós com os acontecimentos macabros havidos em Manaus (AM) e em Boa Vista (RR), onde presos mataram barbaramente outros presos – e, neste momento em que escrevo, detentos continuam a impor o terror num presídio da cidade de Nísia Floresta, no Rio Grande do Norte -, a notícia da morte trágica – e há quem pense, como eu, que não se tratou de um mero acidente – do ministro Teori Zavascki, do STF, ocorrida ontem, em Paraty, no Rio de Janeiro, veio como um desses pesares que são bem difíceis de aceitar como tendo sido não mais do que uma fatalidade.

Embora tenha sido um dos responsáveis pela lambança jurídica que no mês passado acabou mantendo o encrencado Renan Calheiros na presidência do Senado, dando uma demonstração de que decisões da Suprema Corte podem também ser contrárias ao nosso vão entendimento, Teori Zavascki era o relator do processo da Operação Lava-jato, que investiga o maior esquema de corrupção já visto neste país, no qual estão envolvidos nobres políticos e admiráveis empresários. Em vista disso – e mesmo considerando que o processo não para, porque outro ministro assumirá a relatoria do caso em questão -, seria mais do que inevitável que o acidente aéreo que vitimou Teori Zavascki e mais quatro pessoas, passasse a ser visto como uma morte que fora encomendada, uma como que retaliação antecipada ao julgamento dos figurões que está por vir, afinal, são inúmeros e grandiosos os interesses envolvidos.

Infelizmente ainda estamos longe, bem longe de vivermos numa sociedade cuja Justiça seja realmente justa, de maneira que junto com ela alcançássemos uma mais que desejada justiça social. Porque não se pode dizer que é justa uma Justiça que institui foro privilegiado para autoridades e prisão domiciliar para os ricos; que mantém em cárceres-masmorras homens e mulheres que aguardam há tempos seu julgamento e/ou já cumpriram suas penas e não foram libertos; que pune juízes delinquentes com aposentadoria; e que defende e proclama a justiça social desde que não se mexa em nababescos privilégios, como com tanto empenho fazem os políticos e os membros do próprio judiciário.

Talvez a face mais serena que o Supremo Tribunal Federal possuía, o catarinense Teori Zavascki morreu nos deixando um pouco mais inseguros e perplexos diante de uma realidade intimidadora que reúne num só pacote uma crise econômica desoladora, uma violência urbana assustadora e um quadro de políticos deprimente e vergonhoso.


Torçamos – já que não temos outro meio de ação por ora – para que a morte do ministro Teori Zavascki não resulte no fechamento da porta que, quando estiver inteiramente aberta, possibilitará que a dignidade finalmente adentre em cada lar e em cada instituição pública deste país.

Um comentário:

  1. Para os investigados,a morte do Ministro Teori Zavascki soa com ar de impunidade, em entrelaço de seus envolvidos,porém todas as especulações de que sua morte não foi um acidente, e sim, assinatos em meios a tantos interessados. Entretanto, no Brasil, quando se trata de condenações envolvendo poderoso, aí sim, ha sempre aquele jetinho bandidinho, pra não dizer "brasileiro" que vem para, abafar tudo, bastando um telefonema para aeronáutica, comunicando que não é de sua competência, ou perítos, declararem em seus laudos que as comunicações feitas as torres de controle nãoa restam dúvidas que foi um acidente, e pronto! Assim foi com ulisses guimarães,Eduardo Campos e etc... basta um aligação dos investigados e pronto....

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