Por Clênio Sierra de Alcântara
Vida,
vida, vida
Que
seja do jeito que for [...]
Quero
no meu peito repleto
De
tudo que possa abraçar
Quero
a sede e a fome eternas
De amar e amar e amar...
Maravida. Gonzaguinha.
Especialmente para Ernesto de
Souza Andrade Júnior, o Netinho
Foto: reprodução/TV Globo O cantor Netinho |
Eu sei que o momento é
bastante propício para que se fale em alegria, descontração e tal, porque o
Carnaval já está aí batendo em nossa porta. Mas não é particularmente dessa
alegria passageira que eu quero falar aqui hoje; é daquela potência motivadora
que a nós nos imprimimos como demonstração de nosso apego inabalável à vida,
seja em que circunstância – boa ou ruim – nós estivermos.
Há quem por um motivo e
outro – e às vezes por vários deles juntos – intente pôr fim à sua vida porque
uma reflexão e/ou perturbação mental lhe faz pensar que viver perdeu a razão de
ser. E não é difícil de compreender isso quando essa ação parte ou é desejada –
não esqueçamos que existe algo chamado eutanásia e todas as discussões que ela
encerra – por alguém que é acometido por doenças degenerativas, por casos de
depressão crônica e de insanidade mental. Mas como entender que alguém possa
ter decidido abreviar a sua vida porque perdeu o emprego ou fortuna; ou porque
acabou o relacionamento afetivo; ou porque ficou sem a guarda dos filhos; ou
porque foi descoberto que estava praticando fraudes; ou porque teve fotos
íntimas divulgadas na internet? Não tenho cabedal nenhum para continuar
especulando a respeito de algo tão complexo como a mente humana, que é um
labirinto ainda não de todo conhecido.
Voltemos para a instância do
apego entusiasmado à vida. Não falo de fazer de conta que tudo vai bem, que
tudo é bonito e maravilhoso, porque pensar assim é alienação e escapismo da
realidade. Eu falo da disposição de encarar as circunstâncias com coragem,
dizendo para nós mesmos que não há alternativa: é viver ou viver. Deixar-se
abater inteiramente pelas adversidades decididamente não é o melhor a ser feito,
até porque elas sempre vêm.
Viver como se fosse uma
obrigação deve ser um negócio tremendamente torturante, porque estar na vida
essencialmente requer de nós um traquejo para lidar com uma sucessividade de
ocorrências previsíveis e imprevisíveis e com um emaranhado de sentimentos bons
e ruins que nos completam e nos definem. E quem maldiz a sua vida porque pensa
que tudo e a todo tempo deveria ser suave e sereno e nunca tormentoso e brusco,
infelizmente, é do tipo que ainda não conseguiu abrir inteiramente os olhos
para perceber que viver é um conjunto de sensações e uma jornada repleta de
obstáculos que temos de enfrentar por vezes com toda a força de que dispomos.
Não é incomum, muito pelo
contrário, é praticamente determinante que em nosso viver estabeleçamos metas e
conquistas; e que entre nessa verdadeira roda-viva aquilo que denominamos de
desejo, porque o desejo, como a necessidade, é algo que nos impele a seguir
adiante, que nos anima e que nos dá de alguma maneira a compreensão de que,
afinal, temos muitos e variados motivos para viver – mesmo considerando que
aquilo que desejamos com tanto afã às vezes pode nos fazer um mal danado. Mas,
e daí?
Devo dizer a você, caro
leitor, que o que me motivou a escrever este texto foi a comovente entrevista
que Ernesto de Souza Andrade Júnior, o Netinho, cantor baiano de axé music, concedeu
ao programa Video Show e que foi exibida na última quinta-feira. Tenho certeza
de que quem, assim como eu, procura encarar a vida com ânimo, alegria e
disposição para constantemente se rebelar contra os infortúnios, os
preconceitos, a discriminação, o ódio, a inveja, enfim, contra a tristeza, deve
ter sentido uma emoção intensa e verdadeira enquanto acompanhava o Netinho
narrar a dureza que foi atravessar um longo período de internações
hospitalares, passando por inúmeros exames e cirurgias. O cantor não escondeu que
chegou a atentar contra a sua vida em duas ocasiões quando tamanho era o seu
sofrimento e a sua inconformidade para com a situação que enfrentava. Ah, mas
ele fez uso de anabolizantes e está pagando o preço por isso, como dizem
alguns. Sim e quantas vezes agimos contra a saúde do nosso corpo, seja por
falta de esclarecimento, seja por escolha pessoal, seja porque isso nos confere
prazer, como um cigarro repleto de substâncias cancerígenas, uma bebida que
consome o nosso fígado, uma droga que nos causa alucinações? Depois que eu tomei
conhecimento de tudo o que se passou ver o Netinho disposto a querer retomar a
carreira com uma garra e uma perseverança e uma força de superação admiráveis
foi algo que me tocou muito e que só fez reforçar o meu entusiasmo para com a
grande aventura que é viver. E viver com intensidade, o que é mais desafiador
ainda.
Há quem tolamente insista em
querer viver a vida dos outros e não propriamente a sua. Há quem diga que viver
não vale o esforço. Há quem viva afugentando de si toda e qualquer ideia de alegria
e felicidade. Há quem ignore a necessidade de celebrar a existência. Há quem
não consiga suportar o peso de viver. Há quem acredite que exista vida para
além desta vida. Há quem diariamente trame contra vidas alheias. Há quem tem
como missão proteger e salvar vidas. Há quem fique esperando que a sua vida
aconteça. E há quem de modo destemido, corajoso, caloroso, entusiasmador e
contagiante faz a sua vida acontecer.
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